A Disney pode construir uma usina nuclear na Flórida, se quiser
Desde os anos 1960, a empresa tem carta branca no estado americano. Pode até abrir uma destilaria de bebidas. Entenda essa história.
A Disneyland, primeiro parque temático da Disney, abriu em 1955 em Anaheim, cidade nos arredores de Los Angeles, na Califórnia. Foi um sucesso: nos primeiros dois meses, recebeu um milhão de visitantes. Ao final da primeira década de existência, 50 milhões de pessoas passaram por lá.
Walt Disney queria mais. Só tinha um problema: o crescimento de Anaheim impedia a expansão do parque. O jeito, então, era achar outro lugar – uma área grande, com clima agradável e por um preço baixo.
A escolhida foi a Flórida, do outro lado dos EUA. Ela cumpria todos os requisitos, com um bônus: o governo local abraçou a ideia, mirando no aumento de empregos e do turismo. Nos anos 1960, o pai do Mickey comprou, em segredo, várias porções de terra na região central do estado.
Em 1967, a Disney conseguiu transformar seu loteamento de 131 km² (uma Zona Oeste de São Paulo) em um “distrito especial”, no qual um conselho tem autonomia para regular a construção de prédios, estradas, redes de esgoto… Foi parte do plano de Walt, que não queria que burocracias governamentais atrasassem o seu projeto de expansão.
A lei que criou o distrito especial deu à Disney carta branca para a construção de uma usina nuclear, que serviria para alimentar o complexo de parques da empresa. Não só: Walt poderia criar a própria força policial e até uma fábrica de bebidas alcoólicas destiladas.
Difícil imaginar uma realidade em que as orelhas do Mickey estampem a farda de algum policial ou de uma garrafa de uísque. É bem provável que tudo isso tenha passado junto ao pacote de autonomia que os advogados da Disney conseguiram na época – e que não necessariamente estavam nos planos originais de Walt.
Mas a ideia de um reator nuclear por lá não é tão absurda, já que, além dos parques, o empresário também tinha planos utópicos para seu novo reduto: uma cidade futurista, à la Os Jetsons.
EPCOT, a “cidade do amanhã”
Esqueça o castelo da Cinderela. O verdadeiro sonho de Walt Disney na Flórida era construir um município para valer, com gente morando e trabalhando. O projeto recebeu o nome de EPCOT (sigla em inglês para “Comunidade Protótipo Experimental do Amanhã”) e, no papel, abrigaria até 20 mil pessoas, numa área com soluções inovadoras de habitação, transporte e abastecimento sustentável.
A cidade seria num formato circular: no centro, os prédios comerciais e administrativos; no entorno, as residências, mais afastadas da agitação. O vaivém aconteceria, principalmente, em monotrilhos e com pequenos trens. Os carros trafegariam no subterrâneo – mais segurança para os pedestres.
Em 1966, Disney detalhou todo o projeto em uma apresentação. Você pode assistir ao vídeo aqui.
A proposta do EPCOT faz com que a construção de uma usina nuclear não pareça uma ideia tão absurda assim. Anos antes, em 1957, a Disney lançou uma animação chamada Nosso Amigo, o Átomo – um desenho educacional que fazia propaganda sobre os benefícios da energia nuclear. Walt era um futurista convicto, e é provável que ele tenha considerado algo do tipo.
Mas ele não viveu para dar sequência ao projeto. Disney morreu no final de 1966, poucas semanas depois de gravar a apresentação sobre a cidade. O projeto acabou engavetado, e o EPCOT só seria inaugurado em 1982, como um misto de parque e centro educacional.
A energia do rato
Na Flórida, a Disney tem, atualmente, quatro parques de diversões, dois parques aquáticos e 21 resorts, além de campos de golfe, casas de shows e centros de compras. Custa US$ 10 bilhões por ano para manter todo esse complexo, chamado de Disney World, que consome um bilhão de quilowatts-hora (kWh) anualmente (para comparar, é 25% do que uma cidade como Ribeirão Preto, do interior de São Paulo, consome no mesmo período).
Segundo cálculos do cientista James Conca em um artigo para a revista Forbes, bastariam dois pequenos reatores modulares para suprir as necessidades energéticas do Disney World. São modelos bem menores que reatores nucleares convencionais – e que, portanto, minimizam os efeitos de um eventual acidente. Seria uma energia limpa: fissão nuclear não emite CO2.
Mas é pouco provável que a Disney invista nisso num futuro próximo, e por uma série de razões. A primeira é que ela precisaria gastar bilhões para construir e regulamentar as usinas – há muito mais normas de segurança para reatores nucleares hoje do que nos anos 1960.
Além disso, a má fama da energia nuclear, frequentemente associada a grandes desastres, poderia afastar uma parcela do público dos parques (setor que representa quase 28% do faturamento de toda a Disney).
O foco da empresa, hoje, é a energia solar. Com planos de zerar as suas emissões de carbono até 2030, o Disney World tem várias fazendas solares que garantem até 40% da eletricidade do complexo. Em uma dessas instalações, diga-se, os painéis foram instalados no formato das orelhas do Mickey:
Em 2019, Bruce Antone, deputado estadual da Flórida, sugeriu a criação de uma lei que impedisse a Disney de construir uma usina nuclear. No mesmo ano, Victor Torres, senador estadual, disse que era hora de rever a legislação que deu à empresa essa possibilidade.
“Não acho que a Disney algum dia [construiria uma usina nuclear], não prevejo isso, mas só quero evitar que algo assim ocorra – ponto final”, declarou ao jornal Orlando Sentinel.
Só para garantir, né.