Flávio Dieguez
Se a produção de eletricidade no Brasil está em crise não é por falta de opções tecnológicas. Inúmeros meios viáveis de gerar eletricidade têm sido ignorados ou mal-aproveitados. Nesse pacote tecnológico de ponta estão, entre outras, a energia do vento (ou eólica), a solar e a da biomassa, ou seja, a produção de eletricidade pela queima de matéria-prima vegetal como o bagaço de cana ou o óleo de dendê. Nenhum desses recursos representa uma solução mágica e, assim como as fontes de energia tradicionais, também têm suas vantagens e desvantagens,Mas poderiam complementar e ampliar a produção de energia no Brasil, onde mais de 90% da eletricidade consumida ainda vem das hidrelétricas. Deu no que deu: a escassez de chuva terminou em tarifaços de surpresa e ameaça de apagões.
“Se tivéssemos diversificado nossas fontes energéticas, não estaríamos hoje nessa situação”, diz o engenheiro Célio Bermann, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. Ele cita o exemplo da energia solar, cuja importância é fácil de perceber num país tão ensolarado quanto o Brasil. Bermann ilustra o argumento com um cálculo hipotético. Segundo ele, toda a eletricidade consumida atualmente no país – 330 bilhões de quilowatt/hora (kWh) ao ano – poderia ser gerada por uma única usina solar que ocuparia o espaço hoje tomado pelo lago da hidrelétrica de Itaipu, cuja área é de 1 350 quilômetros quadrados. Isso dá uma idéia do potencial energético brasileiro. Apesar disso, estamos aproveitando do Sol apenas 52 milhões de kWh/ano, 6 000 vezes menos que o consumo total do país.
A biomassa é outro recurso crucial por ser extremamente abundante no Brasil. “Somente o bagaço de cana nos daria um potencial de 26 bilhões de kWh/ano”, diz Bermann. “Mas estamos gerando, atualmente, apenas dez bilhões”. Isso para não falar no biodiesel, óleo combustível extraído de vegetais como o dendê, que também poderia ser queimado para gerar eletricidade. Quanto ao vento, segundo o engenheiro, a tecnologia eólica disponível poderia dar ao Brasil 250 bilhões de kWh/ano, 75% do consumo total do país. Mas ela nos dá efetivamente apenas 150 milhões de kWh/ano – 1 500 vezes menos do que seria possível.
Outro recurso mal-aproveitado são as pequenas centrais hidrelétricas, instaladas em rios modestos e riachos para suprir as áreas vizinhas. “Na minha opinião, é uma forma mais racional de produzir eletricidade do que fazer grandes e caras centrais como Itaipu”, afirma Bermann. Nossa capacidade de tirar energia dos pequenos rios é da ordem de 85 bilhões de kWh/ano, mas estamos aproveitando somente 7 bilhões de kWh/ano.
Esse leque de tecnologias teria deixado o país com muito mais flexibilidade para enfrentar a crise atual. Em ano que não chovesse, como este, poderíamos contar com a energia solar, por exemplo. A falta de opções, em vez disso, tende a aumentar o erro básico do governo, de não ter ampliado a produção de energia para acompanhar o crescimento da economia nos últimos anos. Para compensar o descompasso, as hidrelétricas gastaram a água que deveria ficar armazenada para enfrentar situações como a da seca atual, a pior dos últimos 70 anos. Diante disso, os problemas estão apenas começando: como as chuvas terminaram em março, os reservatórios deveriam estar a plena carga para enfrentar a relativa falta de água dos próximos meses. Como eles estão muito longe disso – um pouco acima da marca crítica, de 10% da capacidade total – podemos chegar às vésperas do próximo período de chuvas, em novembro, com saudade dos apagões de junho.
drusso@abril.com.br
Vantagens e desvantagens
Compare as diversas maneiras de gerar eletricidade
Vários fatores influem na hora de optar por uma forma de gerar energia. Os principais são o custo de construção da usina e os gastos para mantê-la operando. O impacto ambiental também tem que ser considerado. Outro dado é o tempo real de operação, que mede a porcentagem do tempo que a central efetivamente produz energia, descontadas interrupções causadas, por exemplo, pela falta de gás, chuva ou sol