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Polícia

A brutalidade, a incompetência e a corrupção da polícia têm solução. O caminho é aproximar os policiais do seu principal cliente: a população

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h33 - Publicado em 31 mar 2002, 22h00

José Alberto Gonçalves

Do sargento que é preso por envolvimento com uma quadrilha de perigosos seqüestradores ao policial rodoviário que pede ao motorista infrator um dinheiro para “uma cervejinha”, a polícia brasileira não inspira confiança na população. Quando não é a honestidade que falta, é o preparo para proteger os cidadãos. O que dizer da jovem que foi assassinada em frente às câmeras de TV em meio a um cerco policial, em um seqüestro de um ônibus no Rio de Janeiro, por puro despreparo dos policiais? Ou da ínfima quantidade de crimes solucionados pela Polícia Civil, que ainda usa tortura?

Às vezes, uma pesquisa de opinião dá uma medida do descontentamento da população. Em 1997, após o escândalo da favela Naval, em que um vídeo mostrou policiais torturando e matando moradores na periferia de São Paulo, uma dessas pesquisas foi publicada. O resultado: 89% dos paulistanos consideram a polícia pouco ou nada eficiente no combate ao crime. Mais: um em cada quatro entrevistados disse ter mais medo da polícia que dos bandidos. E pior ainda: a porcentagem dos que tinham medo da polícia era maior entre os que já tinham sido abordados por policiais.

Mas não é por falta de bons projetos e idéias que não temos hoje quem defenda, de fato, a lei e a ordem no país. Só no Congresso Nacional, mais de 200 projetos de lei foram apresentados nos últimos anos. Nenhum votado. E há muitas iniciativas bem-sucedidas para servir de exemplo, em Nova York, no Canadá e aqui mesmo.

Ajuda das prefeituras

Por ser atribuição do governo estadual, a segurança pública sempre foi um fantasma para os prefeitos, que preferiam desviar-se do assunto sempre que um crime ameaçava os habitantes de sua cidade. Esse comportamento mudou. Talvez motivados pela notoriedade que o prefeito de Nova York alcançou quando resolveu a criminalidade em seu território, os prefeitos dão hoje ao assunto tanta importância quanto a educação, a saúde e a limpeza urbana. E muitos querem ter o direito de criar suas próximas forças de segurança.

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“É o prefeito que conhece de perto os problemas da cidade. Além disso, é mais fácil o cidadão pressionar o prefeito do que o governador, figura distante do dia-a-dia das pessoas”, diz o delegado Maximino Fernandes Filho, secretário de Defesa Social de Diadema, na Grande São Paulo.

Cuidar da segurança vai muito além de montar uma guarda municipal. Na violenta Diadema, o prefeito José de Filippi Jr. (PT) recebe diariamente em sua mesa um levantamento com as estatísticas de crimes cometidos na cidade. Mensalmente, o delegado, o prefeito e o comandante local da Polícia Militar reúnem-se para analisar os números do crime, avaliar ações e planejar rearranjos na distribuição e na atuação dos policiais.

Semanalmente, representantes das duas polícias participam de reuniões feitas pelo prefeito em diferentes bairros do município e ouvem reclamações e propostas da população para melhorar o desempenho dos policiais. O envolvimento direto do prefeito na política de segurança pública implementada em Diadema parece estar dando certo. No ano passado, houve queda de 12% no número de homicídios dolosos e de 19% no de roubos de carros.

O Fórum Metropolitano de Segurança Pública, que reúne prefeitos dos 39 municípios da Grande São Paulo, é outro exemplo da crescente preocupação das autoridades locais com a criminalidade. Criado em março de 2000, o fórum vai tentar integrar as informações e as ações de cada prefeitura, já que suas ruas e bairros estão, na maioria das vezes, colados uns aos outros.

Há inúmeros exemplos de prefeituras que se envolveram no combate ao crime. No interior paulista, o prefeito de Vinhedo, Milton Serafim (PSDB), instalou câmeras de vídeo em pontos de maior criminalidade e fez Guarda Municipal, PM e delegados trabalharem juntos sob sua vigilância. O número de roubos e furtos de carros caiu 60% desde 1999.

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Guarulhos alocou guardas municipais para ajudar na segurança das delegacias, que passaram a funcionar ininterruptamente. Em vez de esperar pelos recursos do governo estadual, a prefeitura da segunda mais populosa cidade paulista resolveu no ano passado investir na reforma de prédios de delegacias para ampliar o número de postos policiais que abrem 24 horas.

Nos Estados Unidos, a administração e o financiamento da polícia é primariamente responsabilidade dos municípios. “Os americanos preferem o controle local e são céticos e desconfortáveis em relação à concentração do poder policial nos níveis estadual e federal”, afirma Merrick Bobb, diretor do Police Assessment Resource Center (Parc), um centro de monitoramento da polícia, com sede em Los Angeles.

Polícia comunitária

Geralmente sem dinheiro e muitas vezes contando só com o apoio mais formal do governo, as experiências de polícia comunitária vão se afirmando no país. Ainda estamos distantes do modelo canadense, em que a filosofia de polícia comunitária é a linha mestra das organizações de segurança. Mas há iniciativas bem-sucedidas para inspirar ações mais ousadas das corporações policiais e atrair apoio financeiro e político dos governantes.

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No complexo de comunidades Cantagalo/Pavão-Pavãozinho, no morro do Cantagalo, um bolsão de pobreza encravado na área mais nobre da zona sul do Rio de Janeiro, os assassinatos zeraram quando foi instalado no local o GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais), que funciona como polícia comunitária, sob o comando do major Antônio Carlos Carballo Blanco.

“A PM era mal vista pelos moradores porque aparecia aqui como se fosse um exército de ocupação, trocando tiros com bandidos”, diz Carballo.

A filosofia do GPAE é a da polícia comunitária, mas, em locais tão carentes quanto as favelas cariocas, é preciso antes articular a comunidade, já que a população dispersa nem sempre está organizada. Foi o caso do GPAE. Depois de sua instalação no morro, foi criado ali o Conselho de Entidades e Lideranças Comunitárias, que se reúne pelo menos uma vez por mês para discutir problemas – aí sim – da comunidade, como falta de lazer para os jovens, sempre com a participação do grupo da PM comandado pelo major Carballo.

“Quando viemos para cá, passamos a não mais tolerar que ninguém andasse armado nas comunidades, nem que crianças fossem usadas como aviões dos traficantes”, conta Carballo. Ele admite que os traficantes continuam no morro, “como também vivem na zona sul da cidade, a área mais nobre do Rio”.

O mais importante a curto prazo, segundo ele, é preservar vidas, que eram perdidas às dezenas em brigas de traficantes e balas perdidas antes da chegada do GPAE. Em fevereiro último, o quartel do GPAE, com 115 policiais e 10 viaturas, foi transferido para o morro, onde já havia outros três postos fixos e um móvel do grupo especial da polícia.

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Com os resultados positivos do Cantagalo, a polícia já planeja exportar a experiência a outros grupos de favelas com problemas semelhantes. No início de março, Carballo deixou o comando do GPAE para freqüentar o curso de Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, ministrado a oficiais da PM pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. “Invertemos o paradigma normalmente em voga na polícia. A força fica atrelada à idéia de serviço e não o contrário”, afirma o major.

Formação

Coordenado pelo antropólogo Roberto Kant de Lima, o curso da UFF é uma ilha de excelência entre os programas de formação de policiais no Brasil. Nele, oficiais que comandarão a PM do Rio nos próximos anos assistem a palestras e estudam disciplinas pouco usuais nos cursos tradicionais, como “tortura na Inquisição”, noções sobre holística nas instituições e “trabalhadores urbanos na sociedade brasileira”.

A reforma dos programas de treinamento é uma tarefa de Hércules. Os cursos que formam investigadores em São Paulo ainda são muito teóricos, com uma carga jurídica intensa, pouco orientados por situações do cotidiano policial e excessivamente enxutos, como avaliou o Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da USP, em pesquisa realizada em 2001 nas academias das polícias Civil e Militar sob encomenda da Secretaria de Segurança Pública. Com tal diagnóstico nas mãos, a secretaria já toma providências para corrigir algumas distorções na formação de policiais. Uma das medidas será prolongar de quatro para seis meses a duração do curso de investigador.

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O alto escalão da polícia paulista também vai contar este ano com um curso superior de polícia, em nível de pós-graduação, iniciativa inédita no Estado. Além de rechear o currículo com assuntos contemporâneos, como microinformática, crimes cibernéticos e policiamento comunitário, o curso, com carga total de 1 834 horas, servirá como laboratório para a secretaria integrar oficiais da PM e delegados, que participarão conjuntamente das aulas.

Vale a pena gastar com formação, na opinião do sociólogo Cláudio Beato, coordenador do Crisp (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública), ligado à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), de Belo Horizonte. Tomando como exemplo o Estado de Minas Gerais, Beato estima em aproximadamente 135 milhões de dólares o gasto que seria necessário para melhorar a formação dos 17 235 policiais militares com idade inferior a 30 anos. Para chegar à cifra, o sociólogo imagina que os recém-ingressantes na PM receberiam formação semelhante à dos aspirantes a oficiais, com ênfase na análise dos aspectos criminais e mecanismos de solução de problemas. O curso duraria dois anos, metade do tempo consumido na formação de aspirantes, e teria como exigência a conclusão do ensino médio.

É muito dinheiro, reconhece Beato, mas a soma representa pouco mais de 10% do que o governo mineiro gasta anualmente com o sistema de segurança pública. E os resultados do investimento em formação? Em Belo Horizonte, o Crisp há dois anos tem ministrado cursos para policiais civis e militares aprenderem a utilizar mapas do crime produzidos por computadores, com base em fotos de satélite e dados fornecidos pela Companhia de Processamento de Dados de Belo Horizonte. Os mapas, elaborados pelo Crisp, servem como matéria-prima para aulas de análise de tendências criminais.

Modelo de policiamento

Não bastam os mapas, diz Beato. Eles indicam especificamente onde há mais crimes e de que tipo são, além de informar detalhes sobre a área das ocorrências, como proximidade de indústrias, terrenos baldios, ruas asfaltadas ou de terra e escolas, entre outros. Mas o uso dos mapas depende de treinamento tanto para a interpretação dos dados como para planejar estratégias de ação.

No mar de más notícias quando o assunto é segurança pública, Belo Horizonte conseguiu no ano passado a proeza de registrar quedas significativas em várias modalidades de delinqüência. Os roubos à mão armada, por exemplo, declinaram entre 10,5%, nos supermercados, e 33,5% nos táxis, na comparação com os números de 2000. Houve diminuição de crimes violentos em 11 das 25 regiões cobertas pela PM na capital mineira.

No caso dos assaltos a táxis, a queda nas ocorrências foi possível graças a uma estratégia de policiamento negociada com o sindicato da categoria, a partir dos mapas com os pontos de mais alta incidência desse tipo de crime (os “hot spots”) na cidade, onde a PM instalou postos de interceptação e revistas de passageiros para busca e apreensão de armas.

Participação da sociedade

Além das prefeituras e das universidades, outro ator social importante que inspirou e gerou muitas iniciativas de mudança nas polícias foi o despertar de organizações não-governamentais (ONGs) para a problemática da segurança pública. No Rio de Janeiro, o movimento Viva Rio, que nasceu em 1993 – em meio a uma onda de seqüestros e apreensão gerada pelas chacinas da Candelária e de Vigário Geral –, reuniu empresários, intelectuais, partidos políticos, sindicatos e diversas ONGs. Ao levar milhares de pessoas às ruas para pedir paz, o Viva Rio fomentou um ambiente propício à discussão de propostas para o combate à violência que pôde vencer alguns interesses corporativos.

Como afirma o antropólogo Luiz Eduardo Soares, que foi coordenador de segurança, justiça e cidadania no governo de Anthony Garotinho (PSB), a Constituição de 1988 esqueceu a polícia, que continuou intacta em suas estruturas erguidas no início do século XX. O Viva Rio marcou o início de uma fase de aproximação entre sociedade civil e polícia.

Ao perceber que a polícia pode e precisa ser uma ferramenta de proteção do cidadão, ONGs passaram a incluí-la em seus projetos. Na onda do Viva Rio, nasceu o Disque-Denúncia, hoje presente em Vitória, Recife, Goiânia, São Paulo e Campinas. No Rio, o serviço acumula em seus cadastros mais de 500 000 denúncias desde que foi criado em 1995. Foi ferramenta valiosa no desbaratamento das quadrilhas que causaram uma avalanche de seqüestros no Rio de Janeiro nos anos 90. O projeto foi inspirado em um serviço similar existente nos Estados Unidos, o “Crime stoppers”, que tem no anonimato o segredo do sucesso, e é administrado pelo Movimento Rio de Combate ao Crime, em parceria com a Secretaria Estadual da Segurança Pública.

Em São Paulo, quatro pessoas seqüestradas foram libertadas e 1 235 criminosos, presos ou recapturados, a partir das 40 777 denúncias recebidas em 15 meses de operação do serviço. Um grupo de 32 policiais civis e militares analisam e encaminham as denúncias recebidas por telefone.

Gestão

Foi também na esteira do Viva Rio que surgiu a experiência da Delegacia Legal no Estado do Rio, em 1999, um projeto que transforma delegacias em ambientes modernos e informatizados, com atendimento feito por universitários e administrados por gerentes. As 45 “delegacias legais” implantadas até fevereiro deste ano respondem por metade das ocorrências criminais no Estado fluminense.

A burocracia também foi enxugada. Só restaram seis dos 64 livros que as delegacias normalmente mantêm em suas gavetas para registrar ocorrências, por causa da informatização dos processos, alcançada com a parceria feita com a Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Com a diminuição da burocracia e a eliminação das carceragens, 70% dos funcionários podem agora se dedicar à tarefa de investigação. Nas delegacias convencionais do Rio, menos de um terço do pessoal empregado trabalha em investigação, informa o administrador de empresas César Campos, coordenador do programa. “A ‘delegacia legal’ também reduz a corrupção, porque as rotinas são padronizadas”, diz Campos.

Melhoria na investigação

Melhorar as investigações policiais é condição imprescindível para a melhoria da polícia. Tornando os inquéritos mais consistentes, evita-se que eles sejam arquivados, refeitos durante a fase processual ou sirvam para absolver criminosos, por casa da falta de provas e de imprecisões técnicas. É comum, por exemplo, o local onde ocorreu um crime ser alterado, destruindo evidências decisivas, embora o Código de Processo Penal exija que o cenário seja preservado.

Há, contudo, boas notícias no trabalho da Polícia Civil, que é a responsável pela investigação. O esclarecimento de chacinas, uma tormenta na periferia paulista, aumentou bastante. Segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) prendeu ou identificou os autores de 39 das 43 chacinas ocorridas no ano passado, com índice de esclarecimento de 91% dos casos. No ano anterior, o número havia sido menor: 74%.

Uso de tecnologia

Problemas corriqueiros nas investigações podem ser resolvidos com programas de motivação profissional, salários mais decentes, sistemas de avaliação de desempenho, premiações e medidas disciplinares. Porém, a complexidade do crime hoje exige um aparato tecnológico, seja na implantação de sistemas de informação criminal, como o Infocrim, em São Paulo, seja na interligação de bancos de dados entre os Estados, caso do Infoseg (Sistema de Integração Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública). Hoje, o Infoseg já possibilita que os 27 Estados troquem informações sobre antecedentes criminais e registros de arma e de veículos. Segundo o delegado Paulo Rochel, coordenador nacional do Infoseg, o sistema deve incluir futuramente dados fonéticos e de imagem em acesso online e interligar países do Cone Sul.

Rochel prevê que, em breve, em alguns Estados, um policial poderá identificar impressões digitais a partir da viatura, conectado ao Infoseg. Passo mais avançado ainda será dado com a implantação do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, coordenado pelo Ministério da Justiça. Apesar do nome esquisito, ele integrará todas as áreas de inteligência dos departamentos de Polícia Civil dos Estados, representando um salto sem precedentes na investigação de crimes no país. Alguns testes estão sendo feitos este ano no Estado de São Paulo, que será o primeiro a contar com um subsistema estadual e servirá como projeto piloto para o governo federal montar o Subsistema Nacional. Com tanta informação reunida num só lugar, será mais fácil identificar quadrilhas com atuação em roubo de cargas, seqüestros, tráfico de armas e drogas e crimes ambientais.

Mas há problemas que dependem de soluções bem menos sofisticadas. O Instituto de Criminalística de Pernambuco, por exemplo, reduzirá de 30% a 40% o tempo para expedição de laudos, por causa do investimento de 900 000 reais feito no final do ano passado, diz José Hildo de Souza, diretor do órgão. Antes do investimento, os peritos chegaram a queimar jornal para fazer perícia na mata, em razão da falta de lanternas, afetando a qualidade dos laudos.

Outro exemplo, desta vez em São Paulo: sabe a impressão digital que todos temos impressa na carteira de identidade? Pois é, elas estão arquivadas no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt. São 40 milhões de fichas com marcas de dedos. Agora pasme: o arquivo ainda está em papel. Só agora o governo deve liberar os 10 milhões de reais para digitalizar o acervo. Mesmo assim, ficará de fora a digitalização do arquivo criminal, que tornaria bem mais ágil a identificação de digitais de suspeitos e presos em flagrante. A precariedade se repete Brasil afora, com falta de equipamentos e de pessoal.

Combate à corrupção

Talvez o mais difícil problema a ser enfrentado, e o mais grave, é a corrupção em suas mais diferentes modalidades. O ouvidor da polícia no Estado de São Paulo, Fermino Fecchio, acha que o problema precisa ser enfrentado por meio do fortalecimento das corregedorias. “As corregedorias não têm autonomia necessária para conduzir suas investigações. E faltam recursos como carros e funcionários, enfim, estrutura para o trabalho dos corregedores”, afirma o ouvidor. Para o secretário adjunto da Segurança Pública de São Paulo, Marcelo Martins de Oliveira, a criação de corregedorias no interior do Estado até agosto próximo vai fortalecer sua atuação.

É necessário, ainda, que oficiais e delegados sejam tão punidos quanto seus subordinados quando cometem atos desabonadores às suas carreiras. Levantamento da Ouvidoria da Polícia, de São Paulo, mostra que 51 delegados denunciados na Ouvidoria foram punidos, ou 36% dos 140 que foram investigados entre 1998 e 2001. Já os investigadores são tratados com maior rigor. Foram punidos no mesmo tempo 187 investigadores, 54% dos 348 investigados a partir de denúncias encaminhadas à Ouvidoria.

Segurança privada

Ainda nesse mundo da ilegalidade, proliferaram os “bicos” de policiais para empresas de segurança, ironicamente acompanhando a tendência de aumento na criminalidade. Soldados e cabos fazem “bico” como vigilantes, enquanto policiais de patente mais elevada prestam consultoria ou mesmo são os donos das empresas de segurança. “Como isso é contra a lei, as empresas são registradas em nome de esposas ou filhos”, diz o sociólogo Túlio Kahn, do Ilanud (Instituto das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento de Delinqüentes).

O “bico” é uma atividade perigosa, estressante e promíscua. No ano passado, 75 PMs foram mortos na hora de folga, 65% do total de 115 policiais militares assassinados em território paulista, segundo a ouvidoria. Há policiais que deixam de atuar em determinadas áreas para gerar demanda por segurança e, depois, oferecer seus serviços privadamente, mas esses são casos raros. Além disso, o contato “comercial” com a população cria oportunidades criminosas, como venda de proteção, prestação de serviços a criminosos, uso de informação privilegiada e de armas e viaturas da polícia.

Para o sociólogo do Ilanud, a solução para a prática dos “bicos” é a regulamentação da atividade por uma fundação da polícia. Com isso, Kahn acredita que a regulamentação do “bico” reduziria mortes de civis e policiais, porque o policial poderia contar com apoio material ou logístico da corporação. Para ele, é inútil aplicar a lei e tentar proibir o bico. Seria uma forma também de a PM manter fiscalização sobre o trabalho paralelo de seus membros, como nos Estados Unidos, onde algumas unidades policiais criaram fundações que recebem pedidos de serviços particulares de segurança. Lá, o lucro é dividido entre a fundação e os policiais.

Um bom exemplo

Mas o Brasil também exporta experiências de sucesso na polícia. A idéia da Delegacia da Mulher foi escolhida como um dos 40 mais inspiradores exemplos de polícia no mundo pelo Centro Internacional para a Prevenção do Crime (ICPC, sigla em inglês), sediado em Montreal, no Canadá, em 1999.

A primeira Delegacia da Mulher foi implantada em 1985 em São Paulo, atendendo a uma reivindicação histórica do movimento feminista. Hoje, há 307 delas. Seu sucesso vem aumentando sua fama e a procura. Em 1999, foram registradas 411 213 notificações, mais que o triplo de 1993. Essas delegacias trouxeram à luz da lei muitos casos de agressão e estupro que restavam escondidos nos lares e que não recebiam tratamento adequado nas delegacias convencionais. Mas, embora vitoriosas, as Delegacias da Mulher andam carecendo de cuidados. Uma pesquisa do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher revelou que 74% das delegacias da mulher não possuem colete à prova de bala, 33% não dispõem de armas de fogo, 19% não têm viatura e, cúmulo dos cúmulos, 21% não contam sequer com linha telefônica. Inexiste psicólogo ou assistente social em 60% delas.

Medidas simples, como a integração dos serviços das delegacias com serviços jurídicos e de saúde, podem ajudar muito. É o que está havendo no Estado de Mato Grosso do Sul, onde está sendo criada uma rede de serviços de atendimento a mulheres vítimas de violência. Ali, a vítima será encaminhada pela delegacia a um centro multiprofissional com casa abrigo, psicólogas, assistentes sociais e advogadas. Na capital paulista, o simples deslocamento de médicos legistas do IML para o hospital Pérola Byington duplicou o atendimento de mulheres e crianças vítimas de violência sexual. Antes, a vítima tinha que ir à delegacia e ao IML antes de poder ser atendida no hospital. Para quem foi vítima de uma atrocidade, não é exigência cabível. É pedir para o crime ficar impune.

É simples assim. A cada vez que a polícia deixa de fazer uma tarefa mecanicamente para tratar do cidadão como seu cliente especial, sua razão de existir, ela dá um passo para reduzir a criminalidade e aumentar a sensação de segurança da sociedade.

O que precisa ser feito

• Unificar as ações entre prefeitura, polícias Militar e Civil e Guarda Municipal.

• Implantar projetos de polícia comunitária.

• Gastar com a formação de policiais, orientada para a análise das tendências da criminalidade.

• Criar parcerias com ONGs, como o Disque-Denúncia.

• Melhorar as delegacias: informatizá-las, aprimorar o atendimento que prestam ao público e acabar com a carceragem.

• Orientar a polícia a cumprir a lei e a preservar intactos os locais onde ocorrem crimes para ajudar a investigação.

• Modernizar institutos de identificação, criminalística e médico-legal para agilizar laudos periciais.

• Descentralizar as polícias e provê-las de autonomia e estrutura para combater a corrupção.

• Oficializar o trabalho privado de segurança que os policiais realizam nas horas de folga.

• Oferecer estrutura às Delegacias da Mulher.

Linha do tempo

1500/1808

A primeira tropa organizada no Brasil de que se tem notícia foi armada em São Vicente, no litoral paulista, em 1542, para expulsar os espanhóis da capitania. Posteriormente, durante o período colonial, a função de polícia foi exercida por uma linha de tropa formada por cidadãos, como lavradores e comerciantes.

1808

Com a vinda de Dom João VI para o Brasil, a Guarda Real de Polícia é reorganizada e se torna a polícia da Corte, instalada no Rio de Janeiro.

1831

Lei baixada pela Regência cria o Corpo de Municipais Permanentes na Corte e autoriza que as Províncias façam o mesmo. É a origem da atual Polícia Militar. Ao longo do século XIX, essa polícia recebe diferentes denominações. Além da segurança interna, a polícia paulista participa ao lado do governo imperial e republicano de vários conflitos, como a Guerra do Paraguai e a Campanha de Canudos (1897).

1891

A polícia paulista formada durante a Regência adota o nome de Força Pública.

1905

É criada em São Paulo a polícia de carreira, berço da atual Polícia Civil, ligada à Secretaria da Justiça do Estado, em razão da sua função de polícia judiciária.

1922

Tropas da Força Pública combatem ao lado de várias revoltas, como a dos 18 do Forte, em 1922, e se integram em 1924 à Coluna Prestes, cujo comandante, major Miguel Costa, lideraria o braço armado da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à Presidência da República.

1926

Com o vácuo de policiamento formado pela ausência de homens que saíram pelo Brasil para combater as revoltas contra a República Velha, o governo paulista cria a Guarda Civil para cuidar da segurança interna.

1930

A Polícia Civil é subordinada à Secretaria da Segurança Pública.

1932

A Força Pública é a espinha dorsal do exército constitucionalista da Revolução de 1932, em São Paulo, com um contingente de 9 000 homens, auxiliada por 3 000 militares das tropas do Exército.

1969

Atendendo à determinação do regime militar, a Força Pública e a Guarda Civil são unificadas e dão origem à Polícia Militar do Estado de São Paulo.

1983

Sob os ventos da abertura política, o Exército se retira dos comandos das polícias militares em todo o país.

1985

O governo de Franco Montoro (PMDB-SP) institui os Consegs (Conselhos Comunitários de Segurança), que reúnem sociedade civil e polícia para definir prioridades e avaliar ações de segurança nos bairros.

1992

A PM mata 111 presos no Carandiru, na capital paulista. O episódio ganha repercussão internacional.

Como você pode ajudar

• Pressione vereadores e o prefeito de sua cidade a incorporar a segurança pública entre as prioridades da gestão.

• Ajude a polícia por meio de serviços como o Disque-Denúncia.

• Participe do conselho comunitário de segurança (Conseg) do seu bairro.

• Negue propina a policiais corruptos e os denuncie à ouvidoria ou ao Disque-Tortura, no caso de policiais violentos.

• Mantenha intacto o local onde houve um crime.

• Ajude ONGs que mantêm projetos de segurança.

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