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Ondas gravitacionais: Terremoto no céu

Pulsares, buracos negros e outros objetos superdensos abalam a própria estrutura do espaço e do tempo. A energia desses tremores, captada por uma espécie de antena, feita com raios laser, promete inaugurar um novo e intrigante ramo da Astronomia.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 30 set 1993, 22h00

Flávio Dieguez

Desde o início da civilização, há 10 000 anos, a luz é o único meio de contato do homem com o resto do Cosmo. Mesmo quando se enviam sondas automáticas a outros planetas, é por meio do rádio que se recolhem as informações. E o rádio é luz, assim como os raios X, infravermelhos e ultravioleta, ou as microondas. São diferentes nomes da energia luminosa, ou eletromagnética. Para ver cada um desses feixes de energia, os astrônomos construíram um modelo adequado de telescópio e ampliaram seus horizontes dentro do Universo. A partir deste ano, a história pode mudar. Pela primeira vez será possível “sentir” um mar de energia ainda virgem, de natureza inteiramente diversa da eletromagnética.

Não quer dizer que seja nova — trata-se apenas da velha energia da gravidade, a mesma que prende as pessoas à superfície terrestre ou retém os planetas em torno do Sol. Mas o que agora se procura são ondas gravitacionais, uma espécie de perturbação da gravidade, descoberta há quase oitenta anos pelo alemão Albert Einstein. Um exemplo exagerado de perturbação seria o peso das pessoas dobrar de uma hora para outra e depois voltar ao normal. Assim, os próprio planetas tremeriam se o Sol fizesse um movimento brusco e violento, já que todos eles estão imersos no oceano de energia que aquele astro mantém à sua volta.

Esses exemplos didáticos ensinam a primeira lição básica sobre a onda gravitacional: ela não é a própria energia da gravidade, mas sim um surto de energia, do mesmo modo que uma onda do mar é um aumento temporário no nível da água, num certo ponto. Pode parecer estranho dizer que a energia flui, como se fosse matéria. Mas um raio de luz também é isso: um pacote de energia deslocando-se de um ponto para outro. A diferença é que a luz representa energia eletromagnética, que é criada pela carga elétrica, uma característica fundamental dos corpos. Enquanto a energia gravitacional se deve à massa, uma característica bem diferente, embora também fundamental.

Essa comparação é instrutiva porque durante muito tempo se duvidou das ondas gravitacionais, diz o físico americano Clifford Will, da Universidade Washington, em St. Louis. “Havia discordância sobre se as ondas eram ou não reais.” Não admira: as ondas foram deduzidas da complicada teoria da relatividade geral, com a qual Einstein desbancou a antiga lei da gravidade, do inglês Isaac Newton. E nessa teoria, a gravidade não era uma simples força, mas uma deformação do espaço, algo difícil de conceber.

Ondas gravitacionais, então, seriam autênticos terremotos na estrutura do espaço, assim como os abalos sísmicos são deformações na estrutura rochosa de um planeta. Afinal, os físicos aprenderam a conviver com as esquisitices do Cosmo. Por volta de 1960, diz Will, a idéia de ondas gravitacionais ressuscitou. Compará-las com as ondas eletromagnéticas, então, tornou-se um meio de descobrir como podem ser geradas e quais são os seus efeitos. Os contraste mais marcante entre as duas formas de radiação é a sua intensidade.

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Emitir ondas eletromagnéticas é relativamente fácil: um pedaço de ferro aquecido logo se torna incandescente, isto é, emite ondas luminosas visíveis. O calor faz mover suas moléculas, dotadas de carga, e esse movimento gera pulsos de energia. Mas, embora a massa das moléculas também irradie energia, sua intensidade é tão fraca que não se pode detectar. O próprio Sol, infinitamente maior que aquelas partículas, seria uma fonte miserável de ondas gravitacionais.

Só as maiores concentrações de matéria, em movimento ultra-rápido, produzem ondas em quantidade apreciável. Por isso mesmo, se espera que tragam informação sobre fenômenos inéditos, os mais violentos e dinâmicos do Universo. Uma fonte comum, de acordo com o especialista americano Kip Thorne, da Universidade da Califórnia, seriam colisões de buracos negros, os astros mais densos que se podem conceber. Outra fonte poderosa seria a associação de buracos negros com pulsares — vice-campeões na categoria dos corpos superdensos.

Pode-se ter uma medida da densidade por meio do Sol. Se ele se transformasse em pulsar, toda a sua massa — 1,5 milhão de vezes maior que a da Terra — ficaria confinada a uma esfera de apenas 10 quilômetros de raio. Um caixote de 1 metro cúbico, cheio com a matéria de um pulsar, pesaria 100 milhões de toneladas. No caso do buraco negro, a esfera final seria ainda menor, com raio de apenas 3 quilômetros. E já não se poderia sequer falar em matéria, já que a densidade, no centro dessa esfera absurda, seria infinita. A massa do Sol ainda estaria lá, com seu valor original, mas já não há sentido falar do seu estado físico, de que ela seria feita.

Seja como for, mesmo esses Himalaias do Cosmo emitiriam radiação gravitacional em doses apenas débeis, estima Will. Ele conta que o colapso de uma grande estrela até se tornar um buraco negro seria uma das mais poderosas fontes de ondas, desde que não estivesse muito longe (no outro extremo da Via Láctea, por exemplo). Em princípio, não seria difícil captar tais ondas. Bastaria observar dois pêndulos separados por certa distância: a passagem da onda os faria oscilar para perto e para longe um do outro, sucessivamente. O grande problema é medir a variação da distância: se ela for de 1 metro, a variação seria de um centésimo do diâmetro de um núcleo atômico — que mede um trilionésimo de 1 milímetro.

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Os físicos estão de olho em oscilações como essa desde a década de 60, quando o americano Joseph Weber, então na Universidade de Maryland, perto de Washington, começou a busca. Foi preciso coragem para construir uma antena cujo objetivo era auscultar o rumor de uma estrela caindo sobre si mesma. Para isso, Weber usou um sólido cilindro de alumínio, quase tão grande quanto um caminhão, e calçou-o da melhor maneira possível para evitar a interferência de vibrações indesejáveis, como a dos tremores de terra. Se uma onda passasse pelo cilindro — como Weber chegou a anunciar em 1969 —, ele vibraria como um sino.

Infelizmente, ninguém conseguiu reproduzir seu achado. E apesar de vários outros detectores parecidos terem sido construídos, de lá para cá, só existe uma evidência de que as ondas gravitacionais realmente existem. Assim mesmo, a pista é indireta: curiosamente, ela foi encontrada porque um dos mais de 400 pulsares conhecidos parece estar perdendo energia sem motivo aparente. Depois de observá-lo durante vinte anos, os astrônomos estão convencidos de que a causa do sangramento são as ondas gravitacionais. O ritmo com que a energia vaza é precisamente o mesmo que se deveria achar caso o pulsar estivesse emitindo tais ondas.

O PSR 1916+13 — nome do pulsar — é incomum porque gira velozmente em torno de um ponto onde parece não haver nada. Mas é certo que há um corpo muito denso, pois o pulsar está sendo arrastado a 1,5 milhão de quilômetros por hora — velocidade apenas 750 vezes menor que a da luz. Ele está a 1,5 milhão de quilômetros do companheiro invisível (cem vezes mais próximos que o Sol da Terra) e a cada 8 horas dá uma volta completa em sua órbita. A partir daí se deduz que o pulsar teria 1,42 vezes a massa do Sol e seu companheiro 1,40 (esse valor sugere que seja outro pulsar). Will comemora: esta foi a primeira medida em Astrofísica jamais feita por meio da relatividade geral. Nada mal para um começo, diz ele, “obter o peso de um pulsar!”

O fato crucial, porém, é que a velocidade do pulsar está se reduzindo. Sua órbita de 8 horas diminui de 75 milionésimos de segundo a cada ano — um atraso que só se percebe porque os astros se movem com imensa regularidade. Além disso, eles estão sendo cronometrados desde 1974, quando o pulsar foi descoberto por Joseph Taylor e Russell Hulse, então na Universidade de Massachusetts, em Amherst, Estados Unidos.

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As primeiras medidas — aprontadas a toque de caixa para o centenário de nascimento de Einstein, em 1979 — variavam cerca de 20% com relação ao valor teórico. Os números mais recentes, diz Will, concordam plenamente com a teoria, uma forte evidência de que as ondas gravitacionais realmente existem. Os físicos acreditam que logo poderão capturá-las diretamente, e para isso estão construindo um “telescópio” de 4 quilômetros de comprimento. Grosso modo, seria um tubo dentro do qual duas massas podem mover-se livremente, como rolhas frouxas. Se as massas oscilarem ao longo do tubo, reduzindo e aumentando a distância entre elas, será porque uma onda gravitacional passou por ali. A precisão será garantida por feixes de laser, continuamente refletidos de uma massa à outra (elas têm espelhos para esse fim).

O arranjo, de fato, emprega dois tubos na forma de um ele, de modo que a luz de um dos tubos se combina com a luz do outro. A imagem obtida é um padrão de luz e sombra, denominado interferência, que se altera à mais ínfima oscilação das massas. Não é a primeira vez que se constrói um aparelho desse tipo. Mas ele será, de longe, o mais refinado, e entusiasma o principal responsável por sua construção, o teórico Rochus Vogt, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. “Acredito que o novo instrumento não se tornará famoso pela descoberta de pulsares duplos ou buracos negros, mas de coisas que nem concebemos ainda”. Nem todos os astrônomos têm tanta certeza e se sentem usados: os físicos alegam que o projeto ajudará a Astronomia, mas não haveria certeza disso.

Na dúvida, craques do quilate de Kip Thorne correram ao computador e dispararam a calcular todos os tipos imagináveis de ondas. Eles querem saber o mais exatamente possível quais são os objetos mais prolíficos em ondas, e como identificá-los, caso venham a captar suas emissões gravitacionais. Isso reforçará seus argumentos e ajudará a conquistar a simpatia dos outros cientistas. A decisão é difícil. Talvez os astrônomos pudessem usar a mesma verba em pesquisa menos incerta. Por outro lado, a ciência muitas vezes lucra justamente quando aposta numa área de vanguarda. Por exemplo: se conseguir comprovar a existência dos buracos negros de maneira irretorquível, o novo aparelho já terá pago, com juros, o investimento original.

Para saber mais:

O Big Bang é um mal entendido

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(SUPER número 11, ano 3)

Viagem ao início do tempo (SUPER número 9, ano 5)

O brilho das estrelas negras (SUPER número 4, ano 8)

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