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O segredo mais bem guardado dos buracos negros

Buracos negros talvez sejam embriões de novos Universos, com um novo Big Bang acontecendo dentro de cada um deles. Quem pode comprovar isso? As ondas gravitacionais.

Por Salvador Nogueira
Atualizado em 31 out 2016, 18h38 - Publicado em 28 fev 2005, 22h00

As chances matemáticas de que o Universo fosse essa beleza, cheia de galáxias, estrelas, planetas, gente e tudo o mais, eram ínfimas, dizem os astrofísicos. O mais provável, mesmo, era que o Cosmos fosse hoje pouco mais que um grande vazio. Por exemplo: se o próton, mera partícula subatômica, fosse só 1% mais pesado, a matéria seria instável e poderíamos dizer adeus às estrelas, planetas e primatas inteligentes. Por um desequilíbrio de forças, os átomos que formam tudo isso nem teriam nascido. E o Universo seria um marzão de partículas sem eira nem beira.

Mas o fato é que está tudo aí, como se as características de cada tipo de partícula fossem rigorosamente sintonizadas para formar estruturas complexas. Coincidência? Não. Pelo menos segundo o físico americano Lee Smolin. Ele acha que só uma entidade oode explicar por que o Universo é como é. Deus? Pelo ponto de vista de Smolin, não exatamente. Ele imagina que quem pode explicar tudo isso é Charles Darwin. E mais: que quem vai revelar esse segredo são as ondas gravitacionais. Expliquemos.

Darrwin, o sujeito que colocou a humanidade no mesmo patamar das bactérias, pois mostrou que somos descendentes de criaturas tão simplórias quanto elas, agora pode por o Universo no mesmo pé em que eu ou você. Darwin mostrou que tudo o que a gente tem de complexo não veio do nada nem foi desenhado por uma entidade sobrenatural. Nossos olhos, pulmões, ossos e tudo o mais são fruto de bilhões de anos de evolução. Uma caminhada longa, guiada pelo grande princípio darwinista, a seleção natural: as criaturas com mutações genéticas que aumentem suas chances de sobrevivência deixam mais descendentes que outras. Elas passam essa mutação para a frente, aprimorando a capacidade da espécie em deixar ainda mais descendentes, e dominar seu pedaço. Para Smolin, enfim, nosso improvável Universo cheio de estrelas e planetas é a prova de que o Cosmos evoluiu do mesmo jeito que as criaturas vivas. Todas as coisas complexas que ele tem não passariam de frutos de uma longa luta pela sobrevivência. Uma luta entre bilhões e bilhões de universos.

Loucura? Pode ser, mas Smolin, que hoje trabalha no Perimeter Institute, em Ontário, Canadá, está convencido de que a lógica de Darwin reina tanto na Terra como no céu. “Percebi que a seleção natural satisfazia os critérios que eu buscava para uma teoria cosmológica”, diz o físico. “Então tive de achar um mecanismo de reprodução para o Cosmos, um jeito de como ele poderia fazer ‘descendentes’. E a chave estava nos buracos negros”. Daí surgiram as bases para a teoria que ele batizou de seleção cosmológica natural. É assim: cada buraco negro daria origem a outro universo. Isso mesmo, como se cada um deles fosse uma espécie de gameta cósmico. O universo-bebê seria parecido com o universo-pai, mas com propriedades físicas ligeiramente diferentes. Em outra palavras, com pequenas “mutações genéticas”.

Agora, e se aparecesse um universo-bebê cuja “mutação” fosse uma capacidade maior de criar buracos negros? O que aconteceria? Bom, se os buracos funcionam como gametas, ele deixaria mais “descendentes” que os outros universos.

Conforme zilhões de universos fossem surgindo, aqueles com maior capacidade de produzir “gametas” dominariam geral. Mais: os universos iguais ao nosso, sintonizados para produzir estrelas, planetas e tudo o mais, seriam justamente os mais comuns. Por quê? Porque sim: isso é uma condição fundamental para o surgimento de buracos negros. Eles geralmente aparecem depois que estrelas enormes implodem. Então, quanto mais estrelas houver, num universo, maior a chance de ele produzir “gametas”.

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E onde entram os planetas e o resto nessa história? Aqui. Um universo começa sua vida basicamente como um mar de energia e hidrogênio – o átomo mais simplório de todos, que só tem um próton. O hidrogênio disperso acaba se aglutinando em bolonas. Essas bolonas, também conhecidas como estrelas, são muito densas. Os átomos ficam tão espremidos lá dentro que começam a grudar uns nos outros, mas de um jeito metódico: cada quatro átomos de hidrogênio se fundem para formar um mais pesado, o de hélio. Esse processo libera uma quantidade mastodôntica de energia. É isso que o Sol tem feito nos últimos 4,6 bilhões de anos. Não fossem os 282 bilhões de toneladas de hidrogênio que o astro queima a cada minuto, estaríamos encrencados.

O “tanque” de hidrogênio é grande, mas não é dois. Mais hora menos hora o combustível entra na reserva. E o que a estrela faz, então? Começa a produzir energia grudando os átomos de hélio. Nisso começam a aparecer elementos mais pesados ainda, com cada vez mais prótons e nêutrons no núcleo.

É desse processo, enfim, que nascem os gordos átomos de oxigênio, silício e carbono que formam você, as pedras, as baratas. Essa beleza toda.

Conforme vão aparecendo átomos maiores e maiores lá dentro, o trabalho de grudá-los passa a consumir mais energia do que gerar. Sem essa força, a estrela não agüenta seu próprio peso e implode. Com o estouro, aqueles átomos grandes que estavam dentro dela ficam soltos no espaço. E eventualmente eles se juntam para formar planetas e habitantes de planetas. Quanto mais estrelas um universo tiver, é fato, maior a chance de ele abrigar vida.

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Se a massa falida que sobrar da implosão estelar ainda for grande, a gravidade dela começa a sugá-la para o próprio centro. Ela vai se comprimindo cada vez mais, até que toda sua matéria acaba concentrada em um ponto infinitamente pequeno e denso – uma coisa muito, muito estranha que os físicos chamam de singularidade. Nos arredores desse ponto fica o tenebroso horizonte de eventos, uma zona onde a gravidade é tão violenta que nem a luz tem como escapar. Eis o buraco negro.

Lá dentro, a gravidade tende ao infinito. E o que acontece num lugar desses? Quem responde, para variar, é o nosso amigo Einstein: o espaço e o tempo deixam de existir. Se você pudesse entrar em um buraco negro, veria toda a história do nosso Universo passar num piscar de olhos. Isso significa que, do ponto de vista de um deles, você, a Terra, o Sol e tudo o mais estão mortos desde o mais remoto dos passados. Isso inspirou Smolin.

Afinal, tem lugar melhor para criar um universo inteiro do que em uma região além do espaço e do tempo? Mais: a consagrada teoria do Big Bang diz que o nosso Universo começou justamente de um ponto pequeno e denso até não poder mais, onde tempo e espaço não existiam. Quer dizer, tudo isso aqui nasceu de uma singularidade! Com isso na cabeça, Smolin resolveu juntar as pontas e apostar que toda a matéria e energia engolidas pelos buracos voltariam a se expandir “do outro lado”, como num Big Bang, gerando universos novinhos em folha. Haja Big Bangs, aliás: estima-se que existam pelo menos 1 bilhão de bilhões de buracos negros no Universo conhecido. Alguns milhões deles estão aqui pertinho, na nossa Via Láctea. Só não dá para enxergar esses universos todos nascendo da janela do seu quarto porque, você viu, cada um deles fica isolado num tempo e num espaço além da nossa compreensão. Mas nada impede, a princípio, que existam planetas, estrelas e pessoas agora mesmo, lá “do outro lado”.

Poético, né? Só pena que, para a maior parte dos físicos, a ideia realmente não passa de poesia. O físico e popstar inglês Stephen Hawking, por exemplo, pode estragar a festa de Smolin. Em julho do ano passado, ele anunciou numa conferência científica na Irlanda ter produzido novos cálculos, que mostravam uma realidade broxante para os fãs do darwinismo cósmico: os buracos negros devolveriam toda a matéria e energia que roubaram do universo que os formou, mesmo que de forma bagunçada.

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“Supondo que ele esteja certo, isso derruba a teoria, já que não sobraria nada no buraco para produzir outro universo”, admite Smolin. Embora a ideia de Hawking nunca tenha sido comprovada, isso não quer dizer que a teoria da seleção cosmológica natural tenha ficado mais popular. “No que diz respeito à teoria de Smolin, eu realmente acho que não passa de ficção científica”, afirma Sir Martin Rees, Astrônomo Real do Reino Unido. “Ela não tem base matemática. Mas conta, pelo menos, com a virtude de fazer uma predição sobre nosso Universo que pode ser checada.” É onde Smolin se apóia.

Gostem ou não da teoria, ela faz predições claras para os físicos e astrônomos. Se a ideia estiver certa, nosso Universo deve ser entendido como uma máquina de fazer buracos negros. Ou seja, o maior número possível de estrelas por aqui tem de virar buraco um dia. Senão, a ideia de Smolin perde o sentido.

Existe hoje uma disputa entre os físicos sobre quanta massa um astro precisa ter para virar buraco negro. Segundo uma das teorias, a estrela deve ter no mínimo 50% mais massa que o Sol. Isso está de acordo com a ideia de Smolin. Como boa parte das estrelas, estima-se, tem pelo menos esse tamanho, isso pode significar que o “objetivo” do Universo realmente seja formar mais e mais buracos negros. “Ninguém ainda conseguiu refutar a ideia”, diz Smolin. Mas entre refutar e confirmar tem uma bela distância.

E será possível demonstrar algum dia o coração da teoria? Quer dizer, provar que o nosso Big Bang é filho de um buraco negro de outro universo? “Uma coisa que certamente ajudaria seria detectarmos ondas gravitacionais vindas do Big Bang”, diz Smolin.

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As ondas gravitacionais são outra previsão de Einstein: elas carregariam informações pelo espaço de um jeito muito mais preciso que as ondas eletromagnéticas das nossas TVs e celulares. Tão preciso que, para Smolin, poderiam até mostrar um eventual buraco negro “por trás” do Big Bang. Agora, que a humanidade finalmenete detectou a existência de ondas gravitacionais, as portas para comprovar ou refutar a teoria estão abertas.

E, caso essa previsão espetacular seja confirmada, talvez chegue o dia em que todos terão de dizer que a humanidade deve seu entendimento dos mais bem guardados segredos cósmicos não só a Isaac Newton, James Maxwell e Albert Einstein, mas também a Charles Darwin.

 

 

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