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Lost, o passado da TV e o futuro da diversão

Cinco anos atrás, Lost fez a televisão substituir o controle remoto pelo mouse - e tirou o medo que os produtores tinham da Internet. A série representa o futuro do entretenimento, mas, ao mesmo tempo, o passado da televisão

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 11 mar 2011, 22h00

Texto Eduardo Szklarz

Friends, Seinfeld e Sex and the City foram os seriados do controle remoto. Eles reinaram numa época (até 2004) em que o espectador sentia-se livre por poder zapear entre dezenas de canais no conforto de sua poltrona. Lost é o seriado do mouse. Formou seu império enquanto a internet fazia a liberdade do controle remoto parecer limitada. Na TV tradicional, mesmo com a facilidade de escolher o canal, as pessoas ficavam à mercê da grade de programação das emissoras. Com a internet, o espectador pode escolher o que assistir e quando. Quase ninguém ficou dias a fio roendo as unhas à espera do capítulo seguinte. A maior parte do público baixou os episódios no computador para assisti-los quando achasse melhor. Lost inaugurou, assim, uma época em que só os menos antenados assistem TV pela TV.

Essa nova era mudou até mesmo o enredo das séries. Até a saga dos sobreviventes do voo 815 lotar discos rígidos pelo mundo, os produtores de TV morriam de medo da pirataria pela internet, roteiros não-lineares, histórias complexas e novas tecnologias. E foram justamente esses elementos que garantiram o sucesso retumbante de Lost (leia quadro na página 11). A experiência dos fãs de Lost não acabava quando subiam os créditos do episódio – ela apenas começava, numa onda frenética que se expandia em fóruns de discussão online, blogs, iPods e todo tipo de badulaque capaz de se unir às conversas sobre os mistérios da ilha. Sem essa interação com a web, seria mais difícil seguir a série. E muito mais gente desistiria dela para continuar vendo Sex and the City.

Tudo isso faz de Lost uma espécie de emissária da diversão do futuro. Ela representa a nova fase do entretenimento, que ninguém sabe direito aonde vai levar, mas que já se manifesta em algumas tendências. Ironicamente, são as mesmas tendências que podem mandar a TV ao purgatório.

O futuro é o passado

É tentador decretar a morte da TV. Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia, os programas noturnos de canais abertos dos EUA estão perdendo público mais rápido que os jornais impressos. Sua audiência caiu de 32 milhões em 2000 para 23 milhões em 2008. Por décadas, as emissoras de TV operaram seguindo a mesma fórmula: gastar milhões na produção de programas para público de massa, bancados por anunciantes nacionais, e depois ter uma vida tranquila com os lucros da distribuição internacional. “Essa fórmula não é mais viável. As séries já custam cerca de US$ 3 milhões por hora”, escreveu o jornalista americano Tim Arango no New York Times. “A situação é pior para os canais abertos, que dependem quase 100% de propaganda.”

Que o diga a CBS, uma das 3 maiores redes de TV dos EUA. Ela divulgou que seus rendimentos caíram 40% no último trimestre de 2008, mesmo tendo 12 dos 20 programas mais vistos nos EUA – entre eles 60 Minutes (uma espécie de Globo Repórter) e a série Two and a Half Men. A Fox e a Disney (dona da ABC, que faz Lost) também informaram queda nos lucros de seus serviços de TV aberta. É fácil entender os motivos da crise. Durante anos, esses touros-sentados aumentavam o valor dos anúncios mesmo com a queda na audiência, pois ainda mantinham mais público que qualquer outro meio de comunicação. Mas a recessão americana deu um basta. Pior: a internet rompeu os limites da distribuição para outros paí­ses, e isso faz toda a diferença. Antes, brasileiros, chineses e sul-africanos tinham que esperar meses para ver uma série americana. Agora arranjam uma forma de vê-la na web horas depois da estreia.

Mas é preciso ter cuidado na hora de bancar o Nostradamus. A TV aberta ainda mantém o grosso do público, enquanto canais a cabo como TNT e USA estão ganhando novos espectadores. E todos vêm somando audiência em seus sites. Pode ficar tranquilo: a TV ainda tem uma longa vida pela frente. “O mais provável é que tenhamos tudo ao mesmo tempo: a TV como a conhecemos vai sobreviver de alguma maneira, junto com novas com formas de TV a cabo e online”, diz o filósofo americano David Weinberger, professor do Centro Berkman para Internet e Sociedade da Universidade Harvard.

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Segundo Weinberger, o que realmente está mudando é a ideia de que os canais determinam o que vamos ver e quando vamos ver. “Exceto no caso de esportes, notícias e outros eventos ao vivo, dificilmente o espectador vai esperar a terça às 21 horas para assistir um programa”, diz o filósofo. Isso já acontece nos dormitórios das faculdades americanas. Poucos quartos têm televisor porque os alunos estão vendo TV nos computadores, apesar das telas pequenas e do som capenga. Eles assistem quando querem – isso acaba sendo mais importante que a qualidade do som ou da imagem.

Essa liberdade de escolha revela uma mudança maior: o fim da relação “de um para muitos” dos meios de comunicação de massa. A TV, o rádio e os jornais ainda operam nessa economia de escassez, já que poucos falam e muitos escutam. Na internet é o contrário: todos falam pra todos. O exemplo mais cristalino disso são os fóruns de discussão sobre Lost, onde pipocavam detalhes que passavam despercebidos na TV. Você pode dizer que a pulverização na web é uma ilusão, já que um punhado de gigantes do tipo Facebook concentram o público. Mas esse não é o ponto. “A fragmentação existirá mesmo se todas as pessoas do planeta estiverem no Facebook. Elas usam o site para formar suas redes, e isso é o oposto do público de massa”, diz Weinberger.

Antes, todos nós assistíamos ao mesmo programa não porque queríamos, e sim porque era o que estava no ar. Hoje, cada um pode escolher o que acha bacana e compartilhar com os amigos. O resultado é uma miscelânea que reflete melhor o caráter fragmentado dos interesses humanos.

Com isso, boa parte da produção cult de TV, aquela feita para poucos e nobres espectadores, tem migrado para os canais por assinatura. Isso explica que o seriado Mad Men, da AMC, tenha ganho o prêmio Emmy, façanha que só Sopranos (HBO) havia conseguido na TV a cabo. “O futuro das emissoras é, de um lado, mais notícias, reality e talk shows de baixo custo; de outro, um esforço por obter novas fontes de renda – seja com taxas, seja ou se transformando em canais a cabo”, diz Arango. Ou seja: na TV a cabo vão surgir diversos programas excelentes, caros e que se importam pouco com audiências maciças. Já a televisão aberta vai continuar firme com programas baratos e com a qualidade lá embaixo. A emissora NBC, por exemplo, escalou em 2009 o humorista Jay Leno para o horário nobre dos dias úteis. O objetivo da rede era encher a grande com programas baratos nesse horário, evitando gastanças com megraproduções. No meio disso, Lost representa não o futuro, mas o passado da TV. Se começasse a ser produzido hoje, dificilmente seria exibido num canal aberto. Seu lugar seria um canal chique de TV a cabo, como o HBO.


Para guardar

Com tanta farinha no ventilador das emissoras, Lost tinha tudo para arruinar as finanças da ABC, o canal aberto que criou a série. Seu programa piloto custou US$ 12 milhões – um dos mais caros da história. Não bastasse isso, desde 2005 o seriado foi liberado no site da ABC para quem quisesse assisti-lo. A diferença é que Lost não dependeu só de anunciantes e distribuidores. Ele faturou alto com a venda de dvds. Uma vez evangelizados na internet, os fãs toparam gastar para ter um produto definitivo, melhor acabado. O dvd da 2a temporada de Lost vendeu 500 mil cópias só no primeiro dia. A 3a temporada vendeu 1 milhão em 3 semanas, a US$ 60 a caixa. Ou seja, quase US$ 3 milhões por dia. “Os dvds mudaram a maneira como vemos TV e como os programas são produzidos. A série 24 Horas teve audiência regular na 1a temporada, mas encontrou seu público em dvd”, diz o analista Oscar Dahl, do site Buddytv.

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Seriados como Lost e 24 Horas – cuja trama evolui e o espectador sofre se perder um capítulo – são especialmente adequados ao dvd. Quem já está por dentro da história compra para guardar, e quem é novato compra pra se atualizar antes da nova estreia. Lost também estourou nas lojas iTunes da Apple, para rodar em iPods ou no programa iTunes. Por US$ 1,99, os fãs podiam comprar os episódios que tinham perdido.

Não que Lost tenha mudado a TV. Mas ele é o suprassumo da metamorfose que ela vem sofrendo. Como diz o filósofo italiano Umberto Eco, estamos passando da “paleotelevisão” para a “neotelevisão”. A “paleo” era meio para refletir o mundo ao espectador, quase numa relação professor-aluno. Já a “neo” é lúdica. Ela fala cada vez menos do mundo e mais de si e de sua relação com o público. E aí não importa tanto o conteúdo, e sim o poder de construir relações sociais.

Lost fez isso. Com sua trama enigmática, a série virou uma experiência coletiva que extrapola o horário de exibição e os limites do televisor. Isso porque é neo-TV é um fluxo, ou seja, é informação gerada continuamente, sem limite de espaço ou tempo. E a pessoa pode entrar e participar quando der na telha.

Essas mudanças vão existir pra valer quando a TV digital substituir a atual analógica. Em vez de serem transmitidos por pré-históricas ondas de rádio, com hora certa pra passar, os programas vão entrar de uma só vez no seu televisor, como um arquivo digital. Assim, você poderá pausar um filme pra ver o futebol e depois retomá-lo onde havia parado. O segundo passo será a implantação da IPTV, a TV via internet. As imagens chegarão no mesmo cabo que conectam seu pc à web. Os programas serão “postados” (como num blog), numa biblioteca online do seu aparelho, pra você assistir quando quiser. Adeus grade de programação! Aí, caberá a nós administrar nosso tempo e nossa liberdade sem os limites antes impostos pela tecnologia. Cada um terá plena capacidade de buscar inteligência ou se deixar bobalizar.

• O futuro dos comerciais

Faustão botou atores para comer sushi sobre o corpo de modelos. Ratinho armava brigas de casal ao vivo. Tudo para ganhar mais pontos no ibope – e anunciantes. Essa lógica começa a mudar. Pesquisas mostram que cada vez mais espectadores pulam os comerciais, mandam SMS ou entram na internet na hora dos reclames. A dispersão tem levado os anunciantes a deixar de lado o ibope para dar valor ao compromisso do público com o programa. Segundo a revista Business Week, a Toyota já negocia com os canais com base no quanto as pessoas prestam atenção nas atrações. Eis o método: todo dia, o instituto de pesquisa pergunta a espectadores detalhes do programa, para detectar quanto eles estavam atentos. Foi assim que a Ford passou a anunciar no programa Dirty Jobs, da Discovery. A audiência era baixa, mas o engajamento dos espectadores homens era altíssimo. Se a moda pegar, será ótimo para séries como Lost. Afinal, você já viu público mais atento que os lostmaníacos?

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• TV é pra conversar

Desde que era um mero tubo de neon, o televisor sempre serviu para reunir as pessoas. Todos nós gostamos de comentar o que vemos na TV. Só que essa conversa ficava restrita à sala ou à mesa de bar. E o que a internet fez foi juntar as mesas de bar do mundo inteiro. Aí entra o primeiro trunfo dos produtores de Lost: eles escutaram a conversa e participaram dela. Tanto que muitas respostas aos mistérios da ilha não apareceram na TV, e sim em fóruns e podcasts. “Os fãs sabem mais do programa do que os criadores – exceto o que vai acontecer semana que vem”, diz David Lavery, coautor do livro Desvendando os Mistérios de Lost. Claro que já havia fóruns de discussão na internet antes de 2004. Mas o que os seguidores de Lost têm a mais é uma banda larga que realmente funciona para se atualizar sobre a série. Assim, Lost pôde manter a trama complexa. Não é que a plateia hoje esteja mais inteligente; simplesmente está conectada.

A televisão antes e depois de Lost

ANTES – Era arriscado fazer seriados com história complexa e roteiro não-linear, pois o público poderia desistir deles.
DEPOIS – A web estimula os enredos complexos, assegurando que nenhum detalhe seja perdido e estimulando o interesse dos fãs.

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ANTES – O espectador achava que tinha poder de escolha fazendo zapping com controle remoto.
DEPOIS – O mouse mostrou que ter poder de escolha é definir quando assistir um programa.

ANTES – Os brasileiros esperavam meses pra ver seriados americanos.
DEPOIS – Com a internet, eles podem assistir no mesmo dia da estreia.

ANTES – Havia grade de programação dos canais. Tudo tinha hora certa pra começar.
DEPOIS – A TV é um fluxo contínuo; você escolhe o que e quando assistir.

ANTES – Programas de TV se limitavam à TV.
DEPOIS – Os programas de TV são multimídia.

ANTES – Os canais investiam em grandes produções e lucravam com os comerciais e a distribuição internacional.
DEPOIS – Não há garantia de retorno financeiro com anúncios ou distribuição. As emissoras buscam outras formas de retorno, como a venda de dvds e lojas iTunes.

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ANTES – O valor dos anúncios variava conforme a audiência do programa.
DEPOIS – O valor dos anúncios varia conforme a atenção do espectador.

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