Como Steve Jobs matou os nerds
O Jobs dos anos 70 inventou a cultura geek. Três décadas depois o fundador da Apple acabaria com ela. Sem dó.
Alexandre Versignassi e Tiago Cordeiro
Steve Jobs tinha 12 anos e um problema: queria montar um frequenciômetro – aparelho essencial quando você precisa construir seu próprio circuito em casa. O menino não tinha todas as peças que precisava, então decidiu telefonar para alguém que certamente teria: Bill Hewlett, dono da HP. Era a maior empresa da região onde Jobs morava, naquele ano de 1967. Graças à Hewlett-Packard, aliás, aquele lugar na Califórnia, nos arredores de San Francisco, acabaria conhecido como Vale do Silício.
Jobs pegou a lista telefônica, encontrou um “William Hewlett” ali e ligou. O fundador do Vale do Silício e o jovem Da Vinci conversaram por 20 minutos. Jobs conseguiu o que precisava para montar seu frequenciômetro. E não parou mais. Alguns anos depois, conheceu sua cara-metade, outro jovem que sabia tudo de frequenciômetros, osciloscópios e circuitos integrados: Steve Wozniack. Juntos eles criaram um aparelho que enganava os computadores das companhias telefônicas e fazia ligações para qualquer lugar do planeta de graça. Uma vez ligaram para o Vaticano – Wozniak se apresentou como Henry Kissinger e pediu para falar com o papa (Paulo VI não atendeu).
Entre um trote e outro, os dois tiveram contato com o primeiro computador pessoal da história, o Altair 8800. Era basicamente uma supercalculadora, vendida na forma de kit para montar. Jobs e Woz gostaram tanto que resolveram fazer sua própria versão do aparelho e pôr para vender. Desenvolveram um protótipo no quarto de Jobs mesmo e, em 1976, deram a ele o nome de Apple I. Esse primeiro Apple, por sinal, também vinha na forma de kit e não contava com certos luxos, como uma tomada, muito menos teclado, monitor ou gabinete. Era só placamãe,memória… A circuitaria pelada, que eles vendiam por US$ 666,66 (devem ter ficado bravos com o fora do papa…).
Enquanto isso, em Albuquerque, Novo México, outro fã do Altair 8800 montava sua própria empresa: a Microsoft. Bill Gates nunca construiria sua própria máquina, ficaria só nos softwares (e ninguém pode dizer que foi uma má decisão).
Jobs, por outro lado, não esperou nem um ano para lançar o Apple II – desta vez um computador completo. Aí o dinheiro começou a entrar para valer.
E no final dos anos 80 a coisa explodiu. Os computadores não eram mais exclusividade de empresas e centros de pesquisa. As letras verdes sobre as telas pretas estavam em todo lugar. E a cultura nerd também. Ser bitolado agora era algo bacana. Até porque Jobs e Gates viraram magnatas antes dos 30. Passar o dia enfurnado escrevendo software e montando circuitos, então, não deveria ser de todo ruim…
O cinema refletiu bem a onda. Em Jogos de Guerra (1983), Matthew Broderick invade o sistema do Pentágono e quase começa a Terceira Guerra Mundial. Em Mulher Nota 1000 (1985), dois nerds escaneiam páginas da Playboy para criar a garota ideal. Os computadores ainda eram basicamente um equipamento para rodar planilhas de cálculo. Mas, na mitologia urbana da época, alguém nerd o bastante poderia mudar o mundo com aquelas máquinas de 1 MHz e 4 K de RAM.
Siglas assim, até então alienígenas, começavam a entrar no dia a dia. Aprender a operar um Apple II ou um IBM PC era algo que exigia dedicação, mas todo mundo achava natural. Fazia parte do processo de incorporar aquelas máquinas tão complexas que pareciam ter vindo do espaço. E, quanto mais conhecimento técnico você tivesse, mais essas máquinas do espaço fariam por você. Aqueles eram tempos nerds. Não os nossos. Hoje a cultura nerd está morta.
E o assassino foi Steve Jobs. O nerdicídio começou ainda em 1984, quando ele lançou o Macintosh. Era o primeiro computador que qualquer criança podia usar. Ainda assim a cultura nerd continuaria firme: memória RAM e velocidade de processador continuaram sendo assunto de mesa de bar por duas décadas mais. Agora acabou. Você tem ideia de qual é a memória RAM do seu “espertofone”? Pouca gente sabe. E não sabe porque isso deixou de ser importante. A gente não tem como trocar a memória do iPhone ou do iPad para que ele fique mais rápido. A destreza com eletrônicos também não faz mais diferença nenhuma… iPhone e iPad tornaram a nerdice menos necessária.
Um epílogo: aos 12 anos, Fidel Castro mandou uma carta para Franklin Roosevelt pedindo uma nota de dólar – “É que nunca vi uma, presidente”, escreveu. A história do fundador da Apple, que começou com aquele telefonema para o dono da HP, é ironicamente parecida. Com uma diferença: a revolução de Steven Paul Jobs foi global. E vai durar para sempre.