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A inteligência das máquinas: como elas decifram os seus desejos e preferências

Por trás dos maiores sites da Internet, existem robôs tentando decifrar a sua mente - para recomendar livros, filmes, músicas e produtos que agradem a você. Mas como eles conseguem saber o que você quer?

Por Pedro Burgos
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 20 fev 2011, 22h00

Pedro Burgos e Bruno Garattoni

Fidel não sai da internet. Agora que a venda de computadores está liberada em Cuba, ele tem passado dias inteiros tentando tirar o atraso e aproveitar tudo o que a rede tem a oferecer. Recentemente, entrou na Amazon para procurar o livro “Uma Nação de Idiotas”, do americano Michael Moore, e acabou saindo com o carrinho lotado: levou também os livros “A Arte da Oratória” e “Bushismos”, o cd American Idiot, a nova edição do game Civilization e toda a série de filmes Piratas do Caribe em Blu-ray. Foram sugestões feitas pelo site da Amazon – que conseguiu a proeza de adivinhar as preferências culturais do líder cubano. “Estos robocitos imperialistas no son malos”, ele admitiu.

Ok, infelizmente ele não disse essa frase. Nem fez compras na Amazon. Mas a cena ilustra bem uma coisa que já faz parte do dia a dia. Sabe quando você vê um vídeo engraçado no YouTube, e logo em seguida o site sugere outros? Quando o Twitter recomenda pessoas para você seguir, e o Facebook destaca as atualizações dos seus amigos mais importantes? Quando você gosta de uma música na rádio Last.fm, e ela subitamente começa a tocar outras mais legais ainda? Por trás de todos os principais sites da internet, existem robôs tentando ler a sua mente – para mostrar conteúdo que realmente interesse a você. Da Amazon (onde 35% das vendas vêm de recomendações robóticas) ao YouTube (em que 30% dos vídeos assistidos são sugestões feitas por computador), cada grande site tem o seu próprio sistema de recomendações – que foi desenvolvido pelos engenheiros de software daquela empresa, e é considerado um segredo comercial. Ninguém diz exatamente como a sua tecnologia funciona, por receio de que seja copiada pelos concorrentes. Mas artigos publicados por matemáticos da Amazon e a indiscrição do engenheiro Erik Goldman, da Apple, que vazou na internet informações sobre o mecanismo de recomendação de músicas do iTunes, jogam uma luz sobre o assunto.

A coisa funciona assim. Imagine que você ouça uma música do Radiohead, por exemplo. Uma não, várias: toda hora você fica ouvindo mp3 da banda. Graças a isso, o iTunes deduz que você gosta de Radiohead. E, se você acionar o mecanismo de recomendação dele (o Genius), vem uma série de sugestões pertinentes: Blur, Beck, Flaming Lips etc. Mas como o iTunes sabe que esses artistas têm a ver com o Radiohead? O computador lê revistas de música pra aprender isso?

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Os mecanismos de recomendação usam duas técnicas para aprender: seleção colaborativa e fator latente. Nomes esquisitos, mas com princípios simples. Primeiro, o robô procura pessoas que tenham feito escolhas parecidas com as suas. Depois, analisa os perfis delas para fazer deduções sobre os filmes, livros ou músicas – e, com base nisso, calcular se algo irá agradar ou não (veja no infográfico).

Funciona? Funciona. Mas se baseia num perfil estereotipado da mente humana. Se você comprar Sex and the City, por exemplo, certamente os robôs não irão lhe indicar Rocky Balboa. Mas quem disse que não é possível gostar de ambos? Para complicar mais as coisas, os parâmetros das pessoas são diferentes. Você provavelmente não se dá ao trabalho de marcar com estrelinhas as músicas que considera boas. Já eu posso sempre dar notas a todas elas – e considerar uma porcaria qualquer coisa com menos de 5 estrelas. Também posso ser um pouco nostálgico, e dar notas altas demais aos filmes que assisti faz tempo. Em suma: não basta dominar a parte estatística da coisa. Os mecanismos de recomendação também precisam levar em conta as questões psicológicas envolvidas. E é aí que a grande revolução está acontecendo.

Provavelmente, você não conhece o Netflix, pois ele não funciona no Brasil. Mas esse site, que tem 15 milhões de usuários e é uma locadora virtual de filmes e séries de TV, tem uma influência enorme: é considerado o principal responsável pela quebra da rede Blockbuster nos EUA. Tudo isso graças a um modelo de negócio inovador (o Netflix manda os filmes pelo correio ou via streaming, eliminando a necessidade de ir até a locadora) e seu mecanismo de recomendação – o mais inteligente do mundo. O software da Netflix é capaz de acertar, com 75% de precisão, qual nota você daria a um filme – ou seja, se gostaria dele ou não. É uma taxa de acerto enorme, tanto que dois terços dos filmes alugados pelos usuários do Netflix são sugestões dadas pelo site. Mas os donos do Netflix queriam mais: ofereceram US$ 1 milhão de prêmio para quem conseguisse aumentar em 10% o índice de acertos do software. Cerca de 50 mil pessoas participaram do desafio, que mobilizou mais de 1 000 equipes de matemáticos e cientistas da computação. Até que um dos competidores, que se identificava como “Apenas um cara numa garagem”, surgiu do nada e deu um salto à frente. Como? Levando em conta a psique humana. O tal cara era o inglês Gavin Potter, um ex-engenheiro formado em psicologia. Potter criou modelos matemáticos que consideravam também o lado irracional das pessoas (sua tendência à nostalgia, inconsistência na hora de dar notas etc.). E deu certo: a inteligência da máquina aumentou 8%.

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Ele acabou não levando o prêmio de US$ 1 milhão – uma equipe de pesquisadores austríacos e cientistas da empresa AT&T aperfeiçoou o que ele tinha feito e acabou sendo a primeira a chegar a 10% e vencer o desafio. “O concurso foi uma maneira bem inteligente de incentivar a pesquisa. Conseguiu fazer em 2 anos o que normalmente levaria 7”, diz o brasileiro João Bernartt, que é mestre em inteligência artificial pela Universidade Federal de Santa Catarina e também participou da disputa. O trabalho feito pela equipe dele acabou se transformando num software comercial, que hoje é usado para gerar as sugestões de compra personalizadas no site Saraiva.com.

Os avanços desenvolvidos para o Netflix foram publicados em artigos científicos, e acabaram sendo incorporados em várias outras ferramentas de recomendação. Mas o fato é que elas ainda dão mancada – às vezes com resultados constrangedores. Em 2006, o Walmart teve de pedir desculpas por causa disso. Se você comprasse um documentário sobre o líder negro Martin Luther King no site do Walmart, ele sugeriria o dvd Planeta dos Macacos. “Não foi racismo, e sim uma coincidência embaraçosa”, justificou a empresa. O TiVo, um aparelho que grava programas de TV e é bastante popular nos EUA, também ficou famoso por suas sugestões estapafúrdias – recomendava shows de temática gay a usuários heterossexuais, e programas em chinês para quem só fala inglês. Erros desse tipo também acontecem o tempo todo na Amazon. Até o próprio criador do site, Jeff Bezos, já chegou a passar vergonha por isso. Ele foi demonstrar o mecanismo de recomendação da Amazon, num evento com 500 pessoas, e recebeu como sugestão o dvd Rebelião nas Galáxias – um filme trash-erótico dos anos 80. “Foi um pouco constrangedor”, contou Bezos na época. Os erros dos mecanismos de recomendação podem ser embaraçosos ou apenas inconvenientes. Mas eles também estão envolvidos numa polêmica maior.

Em julho, Facebook e Amazon anunciaram uma parceria – estão compartilhando suas bases de dados. Isso significa que agora é possível saber o que seus amigos compram e o que querem. Mas e se no futuro a loja usar detalhes do seu perfil, como o “status de relacionamento” para fazer recomendações? Imagine receber uma oferta de um cruzeiro para solteiros logo depois de terminar um namoro. Os limites éticos dessa tecnologia ainda estão por ser definidos.

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E os mecanismos de recomendação também criam outro problema: eliminar o contato das pessoas com ideias novas. É um risco real. Como os softwares buscam ao máximo agradar ao usuário, sempre indicam coisas parecidas com aquilo de que ele já gosta. Sabe o livro que você comprou só porque simpatizou com a capa, e acabou adorando? Aquele show a que você nem queria ir – foi só para fazer companhia a alguém, mas acabou virando fã da banda? A série que você hoje ama, mas só veio a conhecer porque já estava passando na TV? Tudo isso poderia deixar de existir – com a cultura passando a ser apenas um reforço, calculado por computador, daquilo que você já conhece. Os cientistas da computação negam esse risco. “Uma escolha feita por uma única pessoa, no Japão, pode gerar subsídio estatístico para que o software recomende algo novo para você no Brasil. O sistema pode surpreender você por meio do acaso”, defende Bernartt.

Será? Temos apenas uma coisa a dizer. Se você gostou desta matéria, nosso algoritmo recomenda as reportagens:

O gosto do freguês
Como os sites tentam ler a sua mente

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1. LISTA
Primeiro, um software lista as coisas que você já viu – neste exemplo, os filmes Pequena Miss Sunshine, Vicky Cristina Barcelona e 500 Dias com Ela

2. ASCIAÇÃO
Agora o robô busca outras pessoas que tenham visto os mesmos filmes que você – e, teoricamente, têm gostos parecidos com o seu.

3. SUGESTÃO
O robô analisa o histórico dessas pessoas – e encontra filmes que elas já viram, mas você não. Os filmes de que elas mais gostaram são sugeridos a você.

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Rubens Ewald em caixinha
Máquinas conseguem aprender sozinhas sobre os filmes

1. DEDUÇÃO
O robô cruza os dados de cada usuário com características dos filmes que ele vê – e começa a tirar conclusões. Exemplo: “meninas de 15 anos odeiam filmes-cabeça, mas amam romances com vampiros”.

2. RECOMENDAÇÃO
As conclusões são usadas para montar um mapa, com os filmes agrupados em estereótipos (como “filmes-cabeça”, “filmes de mulher” etc.). O robô situa você nesse mapa – e faz sugestões de acordo.

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