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Que tal uma cobertura política pautada pelo eleitor?

Campanhas não são feitas para propostas, mas para gerar espetáculo. E o noticiário cai na armadilha ao dar mais espaço para polêmicas do que para ideias.

Por Alexandre Carvalho
16 set 2022, 09h55

Era 26 de setembro de 1960. Começava ali um evento inédito: o primeiro debate entre candidatos à Presidência com transmissão pela TV americana. De um lado, um jovem senador por Massachusetts, John Fitzgerald Kennedy. Do outro, uma raposa da política, Richard Nixon, que já era vice-presidente do país. Ambos ansiosos com a novidade de debater na televisão – ninguém sabia ainda a estratégia certa para esse novo formato. Mas Nixon tinha motivos a mais para apreensão. Saindo do carro para entrar nos estúdios da TV CBS, bateu um joelho que já estava lesionado, o que provocaria horas de dor. E estava gripado. 

Na hora H, pelo menos no discurso, os adversários não pareciam muito diferentes. Os dois enfatizaram a ameaça do comunismo (eram tempos de Guerra Fria), a necessidade de direcionar mais recursos para as Forças Armadas e a importância de construir um futuro melhor para os EUA. Apesar do alinhamento nos temas, Nixon era mais experiente na retórica. E isso apareceu nas pesquisas sobre quem havia vencido o debate. A maioria dos americanos que ouviram o programa pelo rádio (ou seja, só tinham as falas dos dois para comparar) acharam que o vice-presidente tinha se saído melhor. Já para quem assistiu pela TV, 70 milhões de pessoas, Kennedy venceu. 

O que explica essa discrepância? Kennedy apareceu bronzeado e sorridente, e olhava diretamente para as câmeras. Já Nixon estava abatido, suava por causa de febre e teve uma tática equivocada para a TV: mirava os repórteres enquanto respondia às perguntas. Não quem ele realmente precisava convencer: o americano que o via do sofá de casa. Kennedy, sabemos, ganhou a eleição. Não porque suas propostas fossem muito melhores que as de Nixon (já dissemos que eram semelhantes), mas porque teve mais desenvoltura para entreter o telespectador. 

Algo semelhante aconteceu no Brasil agora, no primeiro debate televisionado da eleição para presidente. O líder nas intenções de voto, Luiz Inácio Lula da Silva, parecia abatido, não sorria e estava com a voz mais rouca do que já é. Jair Bolsonaro, o segundo nas pesquisas, ofendeu a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, com uma insinuação sexual. 

Ambos foram apontados como perdedores do debate pelos institutos de pesquisa. Os vencedores? A senadora Simone Tebet, que demonstrou segurança nas falas e atacou o atual presidente com firmeza. E Ciro Gomes, que, diferentemente do destempero que é uma marca de suas interações, esteve simpático na maior parte do tempo.  

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Até aí, normal. Debates são uma arena que produz vencedores e vencidos, e não raro eles se alternam. O problema: como no caso Kennedy X Nixon, a batalha não se deu no campo das propostas. Mas no da atuação à frente das câmeras.

Desde aquela transmissão pioneira, 62 anos atrás, até hoje, o debate é um grande show, que dá muita audiência à TV e agora à internet, mas traz quase nada de informação relevante sobre os programas de governo dos participantes. Tudo se torna uma extensão da campanha política – que, por natureza, tende mais para o espetáculo do que para a proposta de soluções. 

A própria fórmula dos debates pede que seja assim. Os candidatos são estimulados a trocar acusações. E podem falar a mentira que quiserem, já que não há uma intermediação para apontar o que é verdade ou não. Qualquer um que diga (e quase todos dizem) que pretende fazer investimentos vultosos no ano que vem está, no mínimo, desinformado. No fim de agosto, o Ministério da Economia apresentou sua proposta de Orçamento para 2023, e ela torna delirante grande parte das promessas de campanha: 93,7% dos recursos já estão comprometidos. Mas informar o público sobre “o que não dá para fazer” é um tiro no pé quando você tem de ser protagonista de um reality-show político.

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E isso é um problema para um país que precisa, mais do que nunca, de propostas realistas. Pior ainda é que os candidatos já sabem do pulo do gato: apresentar boas ideias para o Brasil conta menos que projetar uma personalidade midiática. 

Bolsonaro pode não entender nada de saúde pública ou de política externa. Mas ninguém pode acusá-lo de não saber como usar a imprensa a seu favor. Suas grosserias, especialmente direcionadas às mulheres, seus discursos contra a democracia e suas mentiras – tão fáceis de desmentir – viram tema para portais de internet e rendem horas de discussões nos programas jornalísticos de TV. Todo mundo cai nessa. Ou quase todo mundo. 

Após o presidente dar mais um show de mau gosto e bravatas no que deveriam ser as comemorações do 7 de Setembro, o comentarista Fernando Gabeira, da GloboNews, foi chamado a analisar o comportamento de Jair. Sua resposta pareceu a de quem despertou entre hipnotizados: “Quem falou foi o Bolsonaro ‘candidato’ [não o presidente que deveria se pronunciar sobre o bicentenário da Independência]. Ele falou algumas barbaridades exatamente para nós comentarmos”.

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A pauta do cidadão

Mas dá para fazer de outra forma? Dá. Uma alternativa é a do jornal australiano The Age. Sua direção colocou os jornalistas para apurar o que as pessoas desejam ouvir dos candidatos durante suas campanhas – quais seus posicionamentos sobre assuntos que fazem diferença na vida dos indivíduos. As respostas vão pautar, então, a cobertura eleitoral do veículo. 

E esse caminho implica ir fundo na especificidade. Todo mundo concorda que a saúde é um tema importante. Mas, pensando num cenário brasileiro, uma pessoa de baixa renda pode querer saber como tal candidato pretende acabar com os intervalos tão grandes entre uma consulta e um exame no SUS. É uma questão diferente para um cidadão de classe média, talvez preocupado com a alta dos preços nos planos de saúde.

Pronto. A partir daí o jornal passa a cobrar dos candidatos as propostas efetivas que eles tenham para cada uma das questões. Em suma, o que o The Age propõe é que a sociedade paute a cobertura política, em vez de ela ser pautada pelo comportamento dos candidatos. 

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Pode ser que essa opção não dê tanto engajamento nas redes sociais, mas provavelmente é um caminho para discutir propostas – uma discussão de ideias que muitas vezes não entra nos minutos cronometrados para a fala em um debate na TV.

Outra ideia que faz sentido é espaçar as datas entre as eleições para o Executivo daquelas para o Legislativo, como acontece nos EUA. O grande espetáculo em torno da eleição presidencial rouba o foco que poderíamos ter justamente nas pessoas que fazem – e aprovam ou vetam – leis que mudam nossas vidas.

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