Por que o voto em legenda tem menor apelo nas eleições de 2018
É a primeira vez que uma votação para o Congresso irá considerar o "quociente eleitoral", que impede que partidos surfem na onda de candidatos supervotados
Restam menos de duas semanas para o fatídico 7 de outubro, e parte razoável dos brasileiros não faz ideia de quem gostaria de eleger – ou não se sente representado por ninguém. Na última pesquisa Ibope, por exemplo, 6% disseram não ter definido seu voto para presidente. O número de brancos e nulos também é significativo: somados, representam 12% do total.
Nos estados, a disputa pelo governo caminha de forma parecida. O Mato Grosso do Sul reúne 19% de brancos, nulos e indecisos – no Rio Grande do Sul, estes são 17%. O caso mais interessante, porém, vem de Pernambuco. Se as eleições fossem disputadas por lá em 27 de setembro, data do último levantamento feito pelo Ibope, 30% dos votos seriam considerados inválidos.
Para cargos como os de deputado federal e estadual, porém, indecisos de última hora têm uma alternativa para direcionar um pouco melhor suas vontades políticas. Quem chega na hora H sem saber exatamente qual candidato escolher ainda pode recorrer ao chamado “voto de legenda”.
A ideia desta forma de voto é não manifestar a preferência por um candidato específico, mas por qualquer nome de um determinado partido. Para isso, deve-se digitar apenas os dois primeiros números, que representam a sigla preferida, deixando de completar os outros algarismos que definem o candidato.
Suponhamos que um eleitor não se identifique com as propostas de nenhum aspirante a deputado de que tenha ouvido falar, mas goste muito da linha política adotada pelo Partido Hipotético (PH), cuja sigla é 99. Ao apertar na urna apenas esses dois dígitos iniciais, ao invés de quatro (caso dos deputados federais) ou cinco (para os estaduais), ele favoreceria candidatos bem cotados que o Partido Hipotético escalou para disputar esses cargos.
O voto de legenda é considerado válido e, por isso, tem consequências diferentes de anular (isto é, colocar na urna uma sigla eleitoral inexistente). Também é diferente do voto em branco, em que o eleitor manifesta sua neutralidade em relação aos candidatos – o popular “tanto faz”.
Se identificou com essa opção e pretende fazer o mesmo? Talvez seja melhor pensar duas vezes. Isso porque o voto de legenda teve sua força reduzida graças a uma reforma aprovada em 2015, e, por isso, pode fazer o tiro sair pela culatra.
A referida reforma alterou os artigos 108 e 109 do Código Eleitoral, e se aplicou pela primeira vez nas eleições municipais de 2016, que elegeram vereadores. Em 2018, valerá pela primeira vez também para os cargos de deputado federal e estadual.
Essa alteração foi implementada como forma de coibir um fenômeno que ficou conhecido como “efeito Tiririca”. O comediante, que disputou as eleições pelo PR-SP, ficou atrás apenas de Celso Russomano (PP-SP) como deputado federal mais votado no pleito de 2014. Graças aos votos recebidos por ambos, outros seis parlamentares, que tinham votações significativamente menores, também se elegeram. Sem o empurrãozinho dos recordistas, tais candidatos não iriam para Brasília.
Para explicar como exatamente a reforma coibe isso, vamos usar o exemplo do estado de São Paulo. Ele tem 32 milhões de eleitores. Imagine uma eleição hipotética em que, desses 32 milhões de eleitores, 30 milhões tenham votado em um deputado estadual ou em uma legenda – e só 2 milhões tenham votado nulo ou branco. Legal, temos 30 milhões de votos válidos. Agora divida o número de votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis na câmara de deputados, que é 94. O resultado é 319 mil. Esse é o quociente eleitoral. Para um deputado se eleger, ele precisa ter recebido no mínimo 10% desse número – isto é, 31,9 mil votos.
Se ele receber menos do que isso, ele não pode assumir a cadeira – mesmo que essa cadeira já estivesse reservada para o seu partido por causa de um candidato que passa o rodo, como Tiririca. Em outras palavras, candidatos muito fortes não conseguem mais puxar os muito nanicos. Essas cadeiras que sobrarem serão transferidas a outros partidos da mesma coligação que tem deputados mais bem votados – mas que tinham ficado de fora antes por falta de cadeiras.
Isso é porque, ao contrário das eleições para presidente, governador e senador, definidas pela maioria dos votos válidos, deputados estaduais e federais são submetidos ao sistema proporcional. Nesse sistema, quem leva mais votos não é necessariamente eleito. Tudo depende das coligações, associações que os partidos mantém para ampliar sua representatividade na câmara.
“Se gosto do partido A e ele está coligado com o partido B, meu voto ajudará A e B terem mais cadeiras, mas não contribuirá diretamente para eleger um candidato do partido A”, resumiu Jairo Nicolau, professor de Ciência Política da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em artigo para o Observatório das Eleições.
“Os votos nominais ou em legenda vão cair na conta da coligação. O eleitor precisa saber que pode estar ajudando a eleger qualquer partido que está ali coligado e não necessariamente aquele com o qual tem mais afinidade”, disse Luciana Veiga, coordenadora do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), em entrevista ao jornal O Dia.
Resumo da ópera: esteja ciente sobre quais ligações o partido de sua preferência costuma fazer. É provavelmente a melhor forma de se evitar surpresas não muito agradáveis ao final da apuração.
Nota: Esta reportagem foi atualizada com as porcentagens indicadas pela pesquisa Ibope divulgada em 27 de setembro. Alteramos, também, o trecho sobre o que representa o voto em branco, explicado anteriormente de maneira errada. As mudanças foram feitas no dia 28 de setembro.