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Papa Francisco: revolucionário? Ou um conservador com carisma?

Os primeiros cinco anos do papado foram cheios de gestos simbólicos e pouca reforma. Mesmo assim, Francisco pode deixar a Igreja Católica mudada para sempre

Por Edison Veiga
24 abr 2018, 17h06

Papa Francisco completou cinco anos à frente da igreja Católica com uma imagem simpática de defensor do meio ambiente, gestos de acolhida aos marginalizados – inclusive aqueles historicamente condenados pelo catolicismo, como os homossexuais, os divorciados que se casaram de novo e os ateus – e um sorriso cativante. Por outro lado, não mexeu na doutrina.

Relatos extraoficiais dão conta de que Jorge Mario Bergoglio (o nome “à paisana” do papa) chegou a polarizar com o alemão Joseph Ratzinger o conclave realizado em 2005 para a sucessão de João Paulo 2o. Oito anos mais tarde, quando Bento 16 se tornou o primeiro papa a renunciar ao cargo em quase 600 anos, o nome de Bergoglio precisou de cinco votações para conseguir 77 votos e, assim, se tornar papa.

Ao atingir o número, foi cumprimentado pelo cardeal brasileiro Claudio Hummes, seu amigo de longa data. “Não se esqueça dos pobres”, disse ao novo papa. Foi com isso na cabeça que ele escolheu para si o nome Francisco, justamente o santo-símbolo de austeridade e pobreza.

A eleição de Francisco foi, por si só, repleta de ineditismos. Pela primeira vez, um papa latino-americano. Pela primeira vez, um papa jesuíta. Pela primeira vez, um papa chamado Francisco. Na manhã seguinte à sua eleição, ele fez questão de pagar a conta do hotel onde esteve hospedado antes do conclave. Também desistiu de dormir no luxuoso apartamento papal, preferindo seguir no quarto comum da Residência Santa Marta. Telefonou ainda ao seu jornaleiro de Buenos Aires – como não voltaria à cidade, queria cancelar a assinatura dos jornais. Sua primeira viagem para fora de Roma como pontífice foi para Lampedusa, ilha italiana que recebe anualmente milhares de imigrantes clandestinos vindos da costa norte da África. O papa rezou pelos que morreram nessas travessias.

Por outro lado, nos últimos cinco anos, o papa se mostrou ortodoxo em termos de doutrina, as leis que de fato regem o catolicismo. Sua primeira encíclica papal, Lumen Fidei (Luz da Fé, em português), publicada em julho de 2013, enfatizava a importância dos sacramentos da Igreja e reiterava que casamento, para os católicos, é “entre homem e mulher”. Para quem esperava avanços na doutrina, a publicação foi a lembrança de que Francisco é Bergoglio, o cardeal argentino que foi contra a decisão de seu país de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

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O tema veio à tona no mês seguinte, quando Francisco esteve no Brasil em sua primeira grande viagem internacional. Durante o voo de volta, perguntado sobre o acolhimento a homossexuais, disse que a solução não seria mudar a doutrina, mas melhorar o atendimento pastoral. “Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, afirmou. O papa deixou claro: os homossexuais não devem ser discriminados, mas sim incluídos na sociedade. Ainda que em 2016 o papa tenha reforçado novamente que o casamento é apenas heterossexual (“Uniões do mesmo sexo não devem ser equiparadas ao casamento”), o fato de um papa mostrar abertura para os gays já é um marco – principalmente em cidades pequenas e comunidades ultrarreligiosas, nas quais os dogmas da Igreja ainda são usados para justificar preconceitos.

Neste documento de 2016, a exortação apostólica Amoris Laetitia (“Alegria do Amor”), Francisco pregou o acolhimento também àqueles que se casam mais de uma vez. “Não só não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e maturar como membros vivos da Igreja, sentindo-a como uma mãe que sempre acolhe, cuida afetuosamente deles e encoraja-os no caminho da vida e do Evangelho”, disse. Novamente, porém, nada de mudança doutrinal à vista: esses católicos seguem impossibilitados de comungar nas missas.

Mais que mil palavras

O morde e assopra é dogmático. Pouco antes da Páscoa, em março, o jornalista italiano Eugenio Scalfari – ateu, ligado à esquerda italiana, de 93 anos – publicou um artigo dizendo que, em conversa pessoal com ele, o papa teria afirmado que o inferno não existe. A repercussão internacional foi imediata. O Vaticano divulgou um comunicado, apressando-se a desmentir a publicação.

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Coincidência ou não, no dia 9 de abril a Santa Sé divulgou a exortação Gaudete et Exsultate (“Rejubile e Exulte”), na qual Francisco menciona o diabo 12 vezes, inclisive fulanizando-o como “príncipe do mal”. Ou seja: se o papa falou mesmo algo que indicava algum progressismo filosófico, ele logo se preocupou em mostrar que não está ali para desafiar dogmas.

Boa parte dos gestos de Francisco representa de fato avanços e sinais de abertura da Igreja. Por outro lado, a resistência à revisão da doutrina mostra que há uma barreira intransponível entre dogma e o contexto social do século 21. Talvez isso explique a queda do número de católicos em todo o mundo. Só na Europa, a porcentagem da população que se declarava católica caiu de 38,5% em 1970 para 23,7% em 2010. Fenômeno semelhante ocorre na América Latina, onde se encontra quase metade do 1,2 bilhão de católicos espalhados pelo mundo. No Brasil, maior país católico do planeta, a porcentagem dos adeptos da religião caiu de 90% para 64% nesse mesmo período.

Nos discursos, o papa acolhe divorciados e homossexuais. Mas nunca sugeriu mudanças na doutrina oficial.

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Mas, se há resistência doutrinal, não estaria o Papa Francisco sabiamente criando jurisprudências? “O papa diz que a Igreja deve ser menos moralista”, disse seu amigo, o cardeal Hummes, em um evento fechado no teatro do Colégio de São Bento, no centro de São Paulo, poucos meses depois de Francisco assumir o trono de Pedro. Com seus discursos e gestos, então, não estaria o papa dando argumentos e embasamentos para que, no futuro, um outro papa use esses fatos históricos como justificativa para promover mudanças mais “legislativas”?

Para uma instituição de 2 mil anos, afinal, algumas décadas a mais não representam muita coisa. Francisco deve saber que não conseguirá arar a terra, semear e colher durante a sua gestão. Mesmo que o Vaticano (e, por extensão, toda a Igreja Católica) siga sendo um reino absolutista, qualquer um sabe que mudanças drásticas causariam um cisma sem precedentes no cardinalato – muitos cardeais já torcem o nariz para o papa argentino. Talvez tenha escolhido preparar o terreno, apenas – o que, para o catolicismo, já é muito.

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