A fazenda na Costa Rica onde 1,3 mil cães abandonados vivem em harmonia
Conheça Território de Zaguates, o paraíso vira-lata caribenho.
Zaguate, em espanhol, é o mesmo que vira-lata. Nem sempre se trata de um animal sem raça definida, mas de cães abandonados. Diego, por exemplo, não era um zaguate. Vivia num abrigo. O schnauzer cruzou o caminho de Lya Battle quando ela comprava ração no local e ouviu duas funcionárias comentarem que levariam um cão escurinho à sala de cirurgia. Com 15 anos e cheio de tumores, Diego seria submetido à eutanásia. Mas Lya pediu para levá-lo embora, para surpresa das mulheres.
Quando criança, Lya cuidava de passarinhos, sapos e cobras. Bastava ver um animal precisando de ajuda e lá estava ela. Apesar desse espírito maternal, ela sempre disse ao marido, Alvaro Saumet, que não queria ter filhos – “são muitas responsabilidades”. Resolveram, então, adotar cães que vagavam pelas ruas de San José, capital da Costa Rica. Existem cerca de 1 milhão de cães abandonados no país da América Central. De início, a ideia era criar apenas um local de passagem, até que encontrassem novos lares.
A empreitada começou em 2005. Lya e Alvaro vacinavam e castravam cada animalzinho. Mas em apenas seis meses havia 183 cachorros no pátio de casa. Além de não conseguirem encontrar tantas pessoas dispostas a adotá-los, o cheiro e o barulho incomodavam a vizinhança. Ainda assim, o casal resistiu por dois anos, bancando tudo do próprio bolso. Até decidirem levar a cachorrada para uma fazenda que Lya herdara do avô em Santa Bárbara de Heredia, uma cidade vizinha. Lá, eles poderiam viver livres, leves e soltos. Assim nascia o Território de Zaguates.
Desafios e notoriedade
Diego, que viu a morte de perto, ainda resistiu por quatro anos. Antes de se entregar à idade, o velho schnauzer corria feliz nos campos do Território de Zaguates, onde vivem hoje cerca de 1,3 mil cães recolhidos por Lya e Alvaro. O local é uma antiga fazenda de café com 142 hectares – quase 200 campos de futebol. Apesar do enorme espaço, tudo é muito bem organizado: durante o dia, eles perambulam livremente em uma grande área verde, subindo e descendo colinas ou se embrenhando em matagais. Alguns, no entanto, preferem dormir ao relento, no meio do mato.
Apesar dos esforços dos menos de dez funcionários e da ajuda de voluntários, os administradores do lugar lamentam a falta de apoio do governo. “Me parece claro que alguém que se dedica a ajudar animais de rua sabe que vai ter a carteira sempre vazia”, diz Álvaro em um vídeo publicado no site do Território de Zaguates. Ele não fala no sentido figurado.
Em média, o custo mensal de cada cachorro fica em torno de US$ 36, considerando despesas veterinárias, de estrutura e comida. Só em ração são aproximadamente 600 quilos por dia. Por ano, o valor necessário para bancar as operações é de mais de US$ 500 mil – quase R$ 2 milhões. Lya e Alvaro precisaram até hipotecar a casa para levantar recursos. “Não tem sido fácil, mas sempre estivemos cercados por esses anjos”, conta Lya.
As dificuldades se tornaram ainda maiores a partir de 2017, quando o local foi fechado para visitação. Por exigência do governo, os proprietários estão realizando adaptações na estrutura. Com as restrições, o fluxo de pessoas interessadas em fazer adoções, antes na casa de cinco a sete por semana, caiu consideravelmente. A manutenção do abrigo depende da ajuda de patrocinadores, de apoiadores e de todo tipo de doação – desde depósitos em dinheiro até um dia de ajuda no campo.
O trabalho de Lya e Alvaro no Território de Zaguates é retratado na série documental Apenas Cães, lançada pela Netflix no fim de 2018. Dos 10 mil cães que já passaram por lá, mais de 7 mil foram encaminhados a novas famílias. Um desses lares pertence a T. J. Martin, um dos diretores da série. Ele se encantou pela vira-lata Kahlo e a levou embora para Los Angeles. “Não sabemos a raça dela, mas achamos que é um cruzamento entre morcego, guaxinim e lobo”, brincou ele quando a apresentou em sua página no Instagram.