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Afinal, o que aconteceu com a Venezuela?

Ela já foi uma das quatro nações mais ricas do mundo, tem mais petróleo que a Arábia Saudita, e está quebrada. Entenda como o chavismo arrebentou o país.

Por Felippe Hermes
Atualizado em 4 nov 2022, 18h23 - Publicado em 22 fev 2019, 18h05

Este texto foi publicado originalmente em fevereiro de 2019.

Há sete meses no Brasil, trabalhando em um restaurante peruano de dono argentino na capital paulista, a venezuelana Eliza é mais uma entre as tantas figuras que dão vida ao sincretismo da cultura brasileira. Mas Eliza e seu irmão, a quem ajudou a emigrar para o País há três meses, também representam um fenômeno assustador: o êxodo venezuelano.

Desde 2015, 3 milhões de cidadãos abandonaram a Venezuela. Um em cada dez habitantes. Metade imigrou para Colômbia e Peru. O Brasil, que tem seu centro econômico longe da fronteira com a Venezuela e fala outro idioma, recebeu menos gente, mas mesmo assim um contingente considerável: 85 mil pessoas. Boa parte sem nada e disposta a morar na rua em Roraima. De acordo com um levantamento da FGV, 30% deles têm curso superior.

E a tendência é piorar. A ONU estima que o número de refugiados deve chegar a 5,3 milhões até o final deste ano. Quase 20% da população – um êxodo de proporções bíblicas. Tudo isso num país que detém as maiores reservas de petróleo do planeta (bem à frente da Arábia Saudita, a segunda colocada). Tudo isso numa nação que, até o início do século 21, tinha o maior PIB per capita da América do Sul, e que, na década de 1950, estava entre as quatro mais ricas do mundo. O que houve?

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Colombian Border Towns See Influx Of Venezuelans Crossing Amid Country’s Political Turmoil
Imigrantes venezuelanos na fronteira com a Colômbia (Joe Raedle/Getty Images)

Claro que as ditaduras de Chaves (1999-2013) e de Maduro (desde 2013) estão no centro do problema. Mas a história é mais longa. Após a descoberta de petróleo na Venezuela, em 1922, o país viu uma sucessão de golpes e partidos políticos que buscavam abocanhar parte dos recursos gerados nos acordos com companhias estrangeiras. O que parecia resolvido com a democracia, implementada em 1958, e que se tornaria a mais longeva da América do Sul, durou pouco.

Em 1973, após o primeiro choque do petróleo, o país decidiu nacionalizar empresas petrolíferas, condensando tudo na gigante PDVSA. Com recursos do petróleo, o Estado adentrou na economia. Grandes empresários perceberam que, estando os recursos no governo, deveriam adaptar-se e produzir para o governo, não para os consumidores. E a população foi se tornando cada vez mais dependente do auxílio estatal.

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Bom, petróleo e derivados respondem por 96% das exportações da Venezuela (no Brasil, por exemplo, são só 9%). O boom na cotação do barril, na década passada, sob o governo Chavez, fez ingressar na Venezuela mais de US$ 750 bilhões. Com controle total sobre a maior fonte de riqueza do país e achaques a empresários, Chavez aproveitou a bonança para expandir ainda mais a presença do Estado na economia.

Um em cada seis venezuelanos terá deixado seu país até o fim de 2019. Um êxodo de 5,3 milhões de pessoas.

Comprou da iniciativa privada o controle de siderúrgicas, bancos, indústrias de alimentos, fábricas de todo tipo. Entre 2008 e 2015, o setor privado recuou de 70% para 20% do total de bens de consumo providos no país. A torra de dinheiro colocou lá em cima o déficit público (ou seja, o tanto que o governo gasta a mais do que arrecada). O Brasil, que precisa de reformas para não quebrar, tem hoje um déficit de 7,5% do PIB. O da Venezuela chegou rapidamente a 16%.

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Com os recursos públicos quase todos destinados a cobrir o déficit, começou a faltar dinheiro na joia da coroa, a PDVSA. A produção de petróleo implodiu, saindo de 3,2 milhões para 1,5 milhão de barris diários (menos que a Petrobras, que tira 2 milhões de barris/dia). Para piorar, a cotação do barril de petróleo saiu de US$ 103 em 2014 para US$ 35,7 em 2017. Com menos dólares entrando, o país empobreceu severamente: em 2012, eles importavam US$ 62 bilhões. Em 2018, foram só US$ 9,2 bilhões (o Brasil, para dar uma referência, importou US$ 180 bilhões no ano passado, com dólar em alta e tudo o mais).

Impressora de dinheiro

Para ter como pagar os salários dos funcionários públicos, o governo recorreu à mais imbecil das soluções: ligar as impressoras de dinheiro. Com mais moeda em circulação do que coisas para comprar, não deu outra: os preços inflaram. Em 2019, a inflação venezuelana deve passar dos 10 milhões por cento, segundo o FMI. Em meio a esse caos, a retração do PIB chegou a 13,7% em 2017; mais 15,4% em 2018. Hoje, nove em cada dez venezuelanos estão abaixo da linha da pobreza.

Nisso, o governo Maduro entrou em colapso. Sua última eleição foi declarada fraudulenta pelo Parlamento venezuelano. Juan Guaidó, o jovem líder da Assembleia, de 35 anos, declarou-se presidente interino da Venezuela em janeiro, e foi reconhecido como tal pelos EUA, pelos maiores países da Europa e por boa parte da América Latina (Brasil incluído, obviamente).

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Mas falta combinar com os russos. A declaração de Guaidó não vale nada dentro da Venezuela, porque Maduro tem costas quentes. Com uma força militar e paramilitar bem armada, o ditador tem instrumentos para intimidar quem lhe faça oposição. Em 2008, Hugo Chávez distribuiu 100 mil fuzis para sua milícia. Em 2017, foi a vez de Maduro armar outros 500 mil. A milícia, uma espécie de SS implementada pelo chavismo, tem sido responsável por boa parte da repressão, e segue fiel ao líder chavista.

Os militares venezuelanos, que dão suporte a Maduro no poder, controlam 14 dos 32 ministérios, além de gerir a PDVSA, responsável por basicamente todas as receitas em dólar do país e, sem surpresa, de onde sai boa parte dos desvios de recursos públicos  – de acordo com uma delação do banqueiro suíço Matthias Krull, só a família de Maduro desviou US$ 1,2 bilhão.

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Além dos militares, Maduro possui ampla condescendência do Judiciário, o qual tratou de aparelhar ao longo de seu mandato. Ainda que enfrente oposição na Assembleia, como a do presidente da casa, há pouco ou nada que o Legislativo possa fazer tendo as mãos atadas pelos juízes.

Mantido o poder, Maduro enfrentaria novas eleições apenas em 2025, quando a Revolução Chavista completaria 27 anos. Se ainda estiver por lá, não restam dúvidas de que a Venezuela terá ensinado lições valiosas sobre como arruinar um país.

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