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Advogados escrevem mal? Estudo do MIT tenta desvendar o juridiquês

O excesso de jargões e a construção confusa de frases atrapalha não só os leigos, mas os juristas também. Entenda as raízes desse costume.

Por Manuela Mourão
24 ago 2024, 14h00

Você já parou para pensar por que documentos legais são tão difíceis de entender (às vezes, até mesmo para advogados)? Se a resposta for sim, você não está sozinho. Esse tema despertou a curiosidade de um time de cientistas que, num estudo recente, pode ter chegado mais perto de desvendar o enigma por trás da complexidade do “juridiquês”.

A linguagem enrolada, com termos arcaicos e expressões do latim pode ter um único propósito: impor uma sensação de autoridade. Mas não se engane, os advogados não são os únicos seduzidos por jargões. Mesmo sem formação jurídica, é provável que você também utilize expressões mais complicadas e formais caso fosse convidado a escrever uma lei. É o que aponta uma pesquisa liderada por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA), e que foi publicada na última segunda (19) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. 

“As pessoas parecem entender que existe uma regra implícita de que as leis devem soar de determinada maneira, e elas as escrevem assim”, explica Edward Gibson, professor de ciências cognitivas do MIT e autor sênior do estudo. Essa curiosidade levou os pesquisadores a estudar as características únicas da linguagem jurídica.

Em uma análise anterior, os cientistas compararam contratos jurídicos com outros tipos de escrita, como roteiros de filmes e artigos de jornais. Foi assim que descobriram que documentos legais frequentemente incluem definições longas no meio das frases. Essa é uma estrutura conhecida como “inserção central”, que dificulta bastante a compreensão do texto.

Pense nas aulas de português sobre aposto explicativo – aquele trecho entre vírgulas que explica ou descreve o termo anterior. Se bem usado, torna a frase coerente. Do contrário, deixa tudo embananado.

Um estudo de acompanhamento, publicado em 2023, revelou que essa linguagem jurídica truncada também torna os documentos mais difíceis de entender, inclusive para quem trabalha com leis. Versões simples não só eram mais fáceis para a compreensão geral como também ajudavam advogados a lembrar do conteúdo.

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Então, por que o juridiquês insiste em ser tão complexo?

As hipóteses

Uma teoria sugerida é a de “copiar e editar”. Os pesquisadores explicam que, neste caso, os documentos legais começam com uma premissa simples. O problema é que, com o tempo, informações adicionais são inseridas nas frases já existentes. Cria-se uma bola de neve complexa de cláusulas e mais cláusulas.

“O juridiquês de alguma forma desenvolveu essa tendência de colocar estruturas dentro de outras estruturas, de uma maneira que não é típica das línguas humanas”, observa Gibson.

Outra hipótese proposta foi apelidada de “feitiço mágico” – que parece ser a mais aceita pelos cientistas. Vamos explicar.

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Feitiços são escritos de forma especial. Pense em Harry Potter, o mago Merlin ou até mesmo nas rimas da Cuca. Nas histórias, as magias são assim não só precisam sinalizar sua aura sobrenatural, mas também porque precisam parecer difíceis. Do contrário, qualquer mero mortal poderia reproduzi-los.

Seguindo essa linha de raciocínio, a estrutura da linguagem jurídica pode ser uma maneira de reforçar uma “autoridade especial”. Apenas os conhecedores das leis seriam capazes de lê-las e interpretá-las. 

No estudo, os pesquisadores pediram para 200 pessoas, não advogadas, que escrevessem leis e narrativas sobre alguns crimes, como direção sob efeito de álcool e tráfico de drogas. O resultado? Mesmo sem instrução jurídica, os participantes utilizaram estruturas complexas para redigir as leis. Mas, na hora de contar histórias sobre as mesmas infrações, escreveram-nas de forma bem mais simples.

Ou seja, a ideia de que as leis são um conjunto mágico de palavras é implícito até para quem nunca teve aulas de direito civil.

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A origem do juridiquês

As primeiras leis americanas foram baseadas no direito britânico, portanto os pesquisadores planejam analisar as leis inglesas para ver se elas apresentam o mesmo tipo de construção gramatical.

O laboratório de Gibson procura também a origem da inserção central em documentos legais e até mesmo no Código Hamurabi, o mais antigo conjunto de leis conhecido, que data de cerca de 1750 a.C.

E no Brasil?

O professor titular de História do Direito na USP, Ignácio Poveda, diz que a origem do jargão jurídico no Brasil data dos tempos coloniais, quando os profissionais brasileiros iam à Universidade de Coimbra em busca da graduação em Direito.

Em muitos textos acadêmicos antigos, como a Magna Glosa ou nos Comentários de Bártolo de Saxoferrato, era comum a utilização do latim, o que resultou na incorporação de termos latinos na prática e no vocabulário jurídico. É uma linguagem tão pouco inclusiva (quantos versados em latim você conhece?) que só com anos de graduação para entender.

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“Podemos dizer que o ‘juridiquês é a linguagem técnica dos operadores do Direito. Mas, ao mesmo tempo que é compreensível para esse grupo, é um vocabulário difícil para os leigos”, comenta o professor.

É um problema que afeta todas as profissões, diga-se, dos programadores aos médicos. Temos uma noção tão aprofundada em nossas carreiras que usamos jargões a torto e a direito, e muitas vezes não levamos em consideração que muita gente não sabe bulhufas sobre aquilo.

Esse é um bug cognitivo que Steven Pinker, professor de psicologia de Harvard, chama de “maldição do conhecimento“: nós não sabemos como é não saber as coisas que sabemos. É por isso que no jornalismo, por exemplo, existe a figura do editor: alguém que assegura que o texto final seja compreensível.

O que fazer no caso do juridiquês? Não tem muito segredo: é preciso um esforço constante de simplificação. Não precisa ser nada muito exagerado, que comprometa o conteúdo. Mas alguns ajustes já facilitariam a vida dos não juristas – e dos juristas também.

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O estudo liderado pelo MIT (e que também contou com a Universidade de Melbourne, da Austrália) conclui que o juridiquês talvez seja mais uma questão de tradição e percepção de autoridade do que de necessidade. Um belo exemplo da milenar tradição humana de complicar o que poderia ser simples. E, ao identificar aspectos específicos da linguagem jurídica que dificultam a compreensão, os pesquisadores esperam motivar legisladores a tornarem as leis mais acessíveis.

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