Tome cuidado com estômago
Estômago e intestinos trabalham afinados na digestão dos alimentos. Mas as agressões constantes de micróbios e aditivos industriais podem bagunçar essa parceria e estragar seu apetite.
Cada brasileiro come 25 kg de arroz e 12 kg de feijão por ano, segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2003. Nosso estômago processa também anualmente 16 kg de carne bovina, 14 kg de frango, 13 kg de pão francês e 12 kg de açúcar cristal. Bebemos 28 litros de leite de vaca pasteurizado e 7 litros de refrigerante de guaraná. Para nos manter acordados ou complementar as refeições, são outros 2,5 kg de café moído.
Os cientistas calculam que, durante toda a vida, um ser humano ingere a bagatela de 22 toneladas de alimentos e bebe 33 mil litros de líquidos para satisfazer suas funções vitais. O aparelho digestivo, um maravilhoso tubo de cerca de 11 m de comprimento que começa na boca e acaba no ânus, administra tudo isso. Entre seus compromissos indispensáveis se destacam a recepção dos alimentos e o fracionamento deles em moléculas simples – um processo conhecido como digestão –, a absorção dos nutrientes esmigalhados até o fluxo sanguíneo e a expulsão dos restos não digeríveis em forma de fezes – ele descarta em média 4 toneladas de excrementos e elimina mais de 40 mil litros de urina.
Silêncio sepulcral
Se tudo funcionar corretamente, o aparelho digestivo trabalha em total silêncio, violado apenas por arrotos, flatulências e ruídos na barriga tão esporádicos quanto inócuos. Porém, se algo falha, logo se começa a sentir dores abdominais, vômitos, náuseas, cólicas, queimações e diarréias incontroláveis, entre outros sintomas.
Constantemente, o aparelho digestivo está recebendo agressões. Vírus, bactérias, parasitas e outros agentes patogênicos ameaçam se instalar em seu interior. Às vezes, os próprios alimentos que ingerimos – seja por sua composição, seja pelos aditivos industriais ou pela contaminação de algum micróbio – alteram ou danificam perigosamente o mecanismo intestinal. Em outras circunstâncias, algumas peças digestivas apresentam defeitos de fabricação mais sérios, que só podem ser corrigidos na sala de cirurgia. Hoje as patologias do aparelho digestivo são um motivo freqüente de visitas ao médico, relacionadas com disfunções digestivas, como prisão de ventre, apendicite, gastrite, úlcera péptica, gastroenterite, hemorróidas, hepatite, refluxo gastrointestinal e câncer de cólon e reto.
Muitas vezes os pacientes minimizam os sintomas estomacais e sofrem em silêncio. Como exemplo, os especialistas citam a pirose, o nome técnico da azia – a queimação de estômago característica da doença por refluxo gastroesofágico. As queimações noturnas, registradas em 40% dos afetados de azia, são menosprezadas pelos pacientes com refluxo, de acordo com um estudo realizado na Espanha. “Entre os pacientes, 12% têm sintomas sugestivos de refluxo, como azia e regurgitação, pelo menos uma vez por semana”, diz Jaime Natan Eisig, médico assistente da disciplina de gastroenterologia clínica da Univer-sidade de São Paulo (USP). A persistência das queimações noturnas tem seqüelas. O chamado esôfago de Barrett é uma delas. O refluxo do suco gástrico lesiona a mucosa do esôfago e pode causar úlcera e estreitamento do tubo na região. Com a lesão, as células passam a se multiplicar desordenadamente, podendo resultar em câncer. Com efeito, a azia nas horas de sono, além de prejudicar a via esofágica, pode afetar os pulmões e, se o ácido subir até a garganta, irritar e danificar as cordas vocais, a laringe e os dentes, também causando ronqueira e apnéia.
Não menos preocupante é o fato de que os pacientes passam a noite em claro devido às queimações. A atividade dos insones por azia durante o dia é gravemente afetada, pois seu rendimento nas tarefas cotidianas cai 40%. Os especialistas recomendam que os pacientes com essas moléstias noturnas procurem um médico o quanto antes. Eles serão tratados com medicamentos que bloqueiam o ácido nas 24 horas do dia.
Os médicos alertam que a quantidade de algumas doenças intestinais está aumentando por causa de fatores ambientais, como a dieta, o estresse e outros hábitos cotidianos, que possivelmente se somam a determinantes genéticos. É o caso das doenças inflamatórias intestinais (DII): a doença de Crohn, uma inflamação crônica da parede intestinal com ulcerações mais comuns na porção baixa do intestino grosso, e a colite ulcerativa, na qual o intestino se inflama e ulcera, provocando diarréia com sangue, cólicas e febre. Segundo a Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD), não há estatísticas precisas sobre a incidência das DIIs no Brasil. Nos Estados Unidos, estima-se o total de 2 milhões de pacientes, incluindo pelo menos 200 mil crianças com menos de 16 anos de idade.
Ainda não se sabe o que causa as DIIs. Os especialistas sugerem que elas poderiam ser o resultado de uma combinação de fatores genéticos com uma infecção ou com os conservantes, os antioxidantes, os corantes e outros produtos artificiais que estão em quase todos os alimentos. Também poderiam vir da carência de fibras e do excesso de açúcar na dieta diária ou o não-aleitamento materno depois do nascimento. Em contrapartida, o estresse, o excesso de trabalho, a falta de sono, as comidas fortes e as mudanças de tempo são, entre outros, fatores que desatam e agravam o começo da colite ulcerativa, sobretudo quando ela se encontra numa fase instável. Algo semelhante ocorre com a doença de Crohn: o fumo piora a enfermidade, assim como o uso de antiinflamatórios não esteroídeos (ibuprofeno, diclofenaco e naproxeno), laxantes e antiespasmódicos.
As doenças inflamatórias que não têm um tratamento eficaz derrubam a qualidade de vida dos pacientes. No caso de Crohn, degeneram no estreitamento ou na estenose do intestino devido às cicatrizes deixadas pelo processo inflamatório e na aparição de dolorosas fístulas, canais que se abrem no intestino, na bexiga, na vagina e na pele, por onde saem materiais mucosos e fecais. A cirurgia era a única solução para atenuar esses problemas. Até então, o tratamento da doença de Crohn se baseava na utilização de corticoesteróides para inibir a inflamação intestinal. Hoje, os pacientes que não respondem a esses remédios podem ser tratados com o infliximab, um poderoso anticorpo monoclonal que bloqueia a atividade do chamado fator de necrose tumoral – o anti-TNF –, um mediador inflamatório-chave na gênese e na progressão da enfermidade.
Síndrome do intestino irritável
Outras gravidades digestivas cada vez mais presentes nas salas de espera são, sem dúvida, as doenças gastrointestinais do tipo funcional, caso da síndrome do intestino irritável (SII) e da dispepsia funcional. “Os pacientes costumam morrer de medo de ser uma coisa mais grave porque a SII é uma doença de exclusão, ou seja, não se tem um diagnóstico imediato”, diz a gastroenterologista Maria do Carmo Friche Passos, professora-adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os afetados por SII – acredita-se que de 10 a 15% da população, principalmente as mulheres – padecem de moléstias como dor abdominal associada a diarréias, prisão de ventre ou ambas alternadamente, sem que apresentem lesão alguma. As pessoas com dispepsia também sofrem dores na parte alta do abdômen, que freqüentemente se relacionam com a alimentação, na forma de saciedade precoce ou estofamento.
Classicamente, tais transtornos eram atribuídos a pessoas nervosas, ansiosas, impressionáveis ou meticulosas, características psicológicas que pareciam se mostrar em 90% dos pacientes. Hoje se sabe que os transtornos psicológicos precedem a aparição dos sintomas. “Não conhecemos as causas da SII, que também podem ser psicossociais, e não há comprovação de que determinados alimentos piorem a doença”, diz Maria do Carmo. “A síndrome do intestino irritável é um distúrbio médico real, não uma reação nervosa imaginária ao estresse e à sobrecarga psicológica cotidiana.”
Tão preocupantes quanto as doenças citadas anteriormente, os casos de câncer de estômago – o terceiro tumor maligno mais freqüente no mundo, atrás apenas do pulmão e da mama – e colo-retal têm aumentado muito nas últimas décadas. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima em 17 850 os novos casos de câncer de estômago em homens e 9 320 em mulheres só em 2006. Isso significa, respectivamente, 19 e dez casos novos a cada 100 mil homens e mulheres no país. Em 15% dos casos, o componente hereditário desempenha um papel fundamental. Porém o estilo de vida também aumenta nosso risco de sofrer câncer de cólon e reto. Entre os fatores desencadeantes, citam-se a obesidade, o tabagismo, o abuso de álcool e as dietas ricas em gorduras e pobres em fibras, cálcio e vitamina D. n
Adaptação Leandro Steiw
Tudo sobre as úlceras
De 4 a 15% das mulherese de 10 a 15% dos homensvão sofrer desse mal
Definição: a úlcera péptica é uma chaga ou ferida de forma circular ou oval que aparece nos revestimentos do estômago ou do duodeno (o primeiro degrau do intestino ), onde o ácido clorídrico e a pepsina estão presentes.
Incidência: de 4 a 15% das mulheres e de 10 a 15% dos homens apresentam a úlcera pelo menos uma vez na vida.
Causas: os estudos mostram que 80% das úlceras gástricas e 90% das duodenais se desenvolvem como resultado da infecção causada pela bactéria Helicobacter pylori. Quem toma de maneira prolongada remédios antiinflamatórios, como a aspirina e o ibuprofeno, tem maior risco.
Sintomas: o sinal mais comum é uma dor do tipo cólica ou uma queimação no abdômen. O mal-estar aparece freqüentemente entre as refeições e de manhã cedo. Outros sintomas são náuseas, vômitos e perda de apetite.
Complicações: as úlceras não tratadas podem causar hemorragias, já que corroem os músculos do estômago e da parede duodenal, e perfurações, que se abrem no espaço abdominal e degeneram em peritonite.
Tratamento
Remédios: bloqueadores H2 (cimetidina, ranitidina, nizatidina), que limitam a secreção de ácidos ao bloquear a histamina; inibidores da bomba de prótons (omeprazol, lansoprazol); e agentes protetores da mucosa (subsilicato de bismuto). Quando é necessário combater a H. pylori, esses medicamentos são usados em combinação com os antibióticos.
Cirurgia: aplica-se em casos resistentes. Basicamente, existem três tipos de intervenção: a vagotomia (consiste em cortar partes do nervo vago para reduzir a secreção de ácidos), a antrectomia (extirpa a parte inferior do estômago em que se libera um hormônio que estimula a secreção de sucos digestivos) e a piloroplastia (o cirurgião aumenta a abertura entre o estômago e o intestino delgado para permitir que o conteúdo passe mais facilmente desde o estômago).
Prevenção
Evitar os alimentos muito temperados, gordurosos e ácidos. Abandonar o fumo e limitar o consumo de álcool e cafeína. Evitar o estresse físico e mental. Lavar as mãos depois de usar o banheiro e antes das refeições.
Goela abaixo
O trato gastrointestinal é delimitado por duas aberturas: uma de entrada (a boca) e outra de saída (o ânus). Entre elas há vários órgãos que se encarregam de triturar e digerir os nutrientes e expulsar os resíduos.
A digestão da comida começa na cavidade bucal: os dentes trituram os alimentos e as secreções das glândulas salivares os umedecem e iniciam sua decomposição química. Em seguida, o bolo alimentício cruza a faringe, desce pelo esôfago e entra pelo esfíncter até o estômago, uma bolsa muscular de 1,5 litro de capacidade que agita lentamente seu conteúdo como se fosse uma betoneira.Na saída do estômago, o tubo digestivo se prolonga com o intestino delgado, um tubo de 7 m de comprimento que aparece dobrado sobre si mesmo. Em sua primeira parte, o duodeno recebe secreções das glândulas intestinais, a bílis do fígado e o suco pancreático. Esses e outros líquidos contêm uma grande quantidade de enzimas que ajudam nos processos de digestão e absorção. Em seu último degrau, o tubo digestivo corre pelo intestino grosso, onde o conteúdo intestinal, até agora com a consistência de um mingau, perde água e normalmente se solidifica na forma de fezes à medida que alcança o reto. Alguns palmos mais atrás, a chamada flora bacteriana, composta por mais de 100 bilhões de bactérias amigas, previne a invasão de microorganismos patogênicos, colabora com a absorção de nutrientes e fabrica algumas substâncias importantes, como a vitamina K. A passagem dos excrementos pelo túnel de saída – o reto – estimula a defecação.
Teste
Seu estômago está funcionando bem?
Leia as 31 sentenças abaixo, assinaleas que descrevem sua situação e saiba como está seu aparelho digestivo
ZONA AZUL
( ) Tenho acidez de estômago com freqüência
( ) Acordo no meio da noite com dor de barriga com freqüência
( ) Em muitas noites, suo tanto que preciso trocar o lençol e, às vezes, tenho um pouco de febre
( ) Ultimamente tenho evitado comer carne porque não me cai bem
( ) Tenho diarréia freqüentemente
( ) Minhas diarréias se alternam com prisões de ventre
( ) Mudei meu ritmo de ida ao toalete
( ) Tenho câncer
( ) Alguém entre meus familiares diretos – pais, avós, irmãos – teve vários pólipos intestinais extraídos quando jovem
( ) Alguém entre meus parentes tem câncer gástrico ou colo-retal
( ) Fui operado do estômago há algum tempo
( ) Ultimamente tenho estado pálido, me sentido fraco e estou rindo menos
( ) Tenho mais de 50 anos e nunca fiz um exame dos intestinos
ZONA LARANJA
( ) Fico sentado muitas horas por dia e apenas me mexo
( ) Tenho sobrepeso ou sou obeso
( ) Tomo laxantes com freqüência
( ) Sou fumante
( ) Como muita carne, frituras e alimentos gordurosos em geral
( ) Habitualmente tomo bebidas e comidas muito quentes
( ) Tomo regularmente bebidas alcoólicas (mais de um copo de cerveja ou de vinho por dia)
( ) Tomo medicamentos contra reumatismo e dores, como aspirina e antiinflamatórios não esteróides (ibuprofeno, diclofenaco e outros)
( ) Nunca observo meus excrementos
ZONA VERDE
( ) Sinto incômodo ao engolir e às vezes restos de comida deglutida me sobem à boca
( ) Minhas fezes têm cor negra ou de alcatrão
( ) Minhas fezes possuem um aspecto gorduroso
( ) Observei em minhas fezes restos de sangue ou mucosidades
( ) Faço fezes delgadas como lápis
( ) Sinto dores de barriga repentinas, às vezes acompanhadas de febre
( ) Perdi 3 kg em pouco tempo sem causa aparente
( ) Meus vômitos se parecem com borras de café
( ) Vomito sangue
AVALIAÇÃO
Nenhum X
Seu aparelho digestivo parece que está ótimo.
Zona azul
Um ou mais X indicam que você pode ter algum transtorno gastrointestinal. É bom falar sobre isso com seu médico.
Zona laranja
Se você assinalou um ou mais X, é possível que seus hábitos cotidianos não sejam os mais adequados. É melhor repensar seu estilo de vida.
Zona verde
Um ou mais X indicam que há algo que não funciona bem em seu aparelho digestivo. Procure o médico sem demora para tirar dúvidas e prevenir complicações.