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TDAH: o que o TikTok não conta

Vídeos com a hashtag #tdah em inglês foram vistos 35 bilhões de vezes nos últimos três anos. E, dentre os mais populares, metade contém informações falsas. Entenda a real sobre o transtorno, como ele se tornou um fenômeno pop e por que nossa distração com o celular não é suficiente para um autodiagnóstico.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 19 ago 2024, 09h38 - Publicado em 16 ago 2024, 10h00

texto: Rafael Battaglia | edição: Bruno Vaiano

ilustração: Leandro Lassmar | design: Caroline Aranha

Anaisthetos não tinha uma vida fácil na antiga Atenas. O grego não sabia fazer cálculos, esquecia compromissos importantes (como ir à corte prestar um testemunho) e nunca lembrava onde havia colocado seus pertences. No teatro, entediava-se e pegava no sono. Em funerais, fazia comentários fora de tom sobre o morto.

Dentro de casa, ele era tão agitado que os próprios filhos se cansavam de suas brincadeiras. Na hora de cozinhar, irritava–se por nunca saber os ingredientes da estação – e, não raro, estragava receitas por excesso de sal, já que não lembrava se havia colocado o tempero.

Anaisthetos não era uma pessoa de fato (no grego antigo, essa palavra significa algo como “homem obtuso”). Ele é, na verdade, um dos 30 arquétipos que aparecem no livro Os personagens, do filósofo Teofrasto, um discípulo de Aristóteles. Trata-se de uma coletânea de tipos que, na visão do grego, viviam na sociedade ateniense do século 4 a.C. Havia o “falador”, o “covarde”, o “agressivo”…

Recentemente, pesquisadores (1) analisaram a descrição do homem obtuso à luz da medicina e psicologia modernas. E propuseram o seguinte: essa pode ser a descrição mais antiga de que se tem notícia dos sintomas que pertencem ao Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – o famoso TDAH.

É claro que a descrição de Teofrasto, que no texto original tem apenas doze frases, é insuficiente para cravar um diagnóstico. Mas não dá para negar que o homem obtuso, 2.500 anos atrás, reunia o caldeirão de características que hoje associamos ao transtorno: desatenção, desorganização, dificuldade para aprender, inquietude, impaciência.

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O TDAH atinge 5,3% das crianças e adolescentes em todo o mundo, e 2,5% da população adulta (explicaremos o porquê dessa diferença mais para frente). A condição está presente há décadas nos principais manuais de transtornos mentais – mas nunca se falou tanto sobre ela como nos últimos anos.

No Brasil, as buscas no Google sobre TDAH dobraram de 2021 a 2023. No Reino Unido, é a segunda condição mais pesquisada no site do NHS, o sistema público de saúde do país, atrás apenas da Covid-19.

Nos EUA, vídeos com a hashtag “#adhd” (sigla em inglês do transtorno) somaram 35 bilhões de visualizações nos últimos três anos no TikTok. A plataforma virou palco para milhares de pessoas com TDAH, que compartilham ali suas experiências de vida e as técnicas que desenvolveram para vencer as dificuldades impostas pelo transtorno na escola, no trabalho e dentro de casa.

O lado positivo, claro, é o aumento da conscientização – o que tem levado a mais diagnósticos. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, o NHS contabilizou 19,4 mil mulheres de 25 a 34 anos recebendo medicação para TDAH, cinco vezes mais que no mesmo período de 2019.

É um resultado que ilustra um fenômeno importante: o de que mais adultos e, principalmente, mais mulheres, estão descobrindo que têm TDAH. São fatias da população que careciam de diagnósticos mais assertivos (costumava-se associar o transtorno sobretudo a meninos em idade escolar).

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Mas a ascensão do TDAH no TikTok e em outras redes tem um lado indigesto: não faltam vídeos que prometem um diagnóstico em poucos minutos, supostas curas ou que apresentam testes sem validade científica. Em 2022, uma pesquisa (2) canadense analisou os 100 vídeos mais populares sobre o transtorno na plataforma e concluiu que metade continha informações falsas.

Por que esses conteúdos viralizam? Porque é fácil se identificar com as situações e os sintomas descritos. Afinal, quem nunca esqueceu a carteira em casa, perdeu o foco graças ao Instagram ou procrastinou até o último dia para entregar um relatório no trabalho?

Episódios pontuais, porém, não bastam. O TDAH é uma condição séria, que se não tratada da maneira adequada pode trazer uma série de problemas. Indivíduos com o transtorno sofrem mais acidentes, demissões no trabalho e reprovações na escola. Também se divorciam mais e são mais propensos a desenvolver ansiedade e depressão. Dentre as pessoas com TDAH, há maior incidência de abuso de álcool e drogas, obesidade e suicídio.

Vamos entender o que acontece no cérebro de quem convive com o transtorno, como é feito o diagnóstico e quais as melhores maneiras de vencer os sintomas.

Ilustração de um corpo abrindo a porta e saindo do recinto da cena, enquanto sua cabeça em formato de balão segue dentro do mesmo recinto. No balão há uma cara infeliz.
Todo mundo é meio esquecido e impulsivo às vezes. Mas eventos pontuais não bastam para o diagnóstico. (Design: Caroline Aranha / Ilustração: Leandro Lassmar/Superinteressante)
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Linha do tempo

Os primeiros registros de possíveis casos de TDAH apareceram na literatura médica em meados do século 18. Um dos precursores foi o fisiologista alemão Melchior Weikard, que em 1775 dedicou um capítulo inteiro de um de seus livros a descrever pessoas desatentas e as consequências desse comportamento. Para Weikard, a causa estaria na má educação recebida durante a infância. Como tratamento, sugeriu desde opções razoáveis, como exercícios físicos e a criação de um ambiente sem distrações para estudar, a outras estapafúrdias, como banhos frios e leite azedo.

Outras descrições similares rolaram ao longo do século 19. Mas foi no início do século 20 que o médico George Still, considerado o pai da pediatria britânica, mudou o rumo das pesquisas na área.

Em 1902, durante uma série de palestras sobre condições psíquicas na infância, Still descreveu o caso de crianças desatentas e hiperativas que eram, por vezes, agressivas. Elas também tinham dificuldade em controlar as próprias emoções e obedecer aos mais velhos.

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O pulo do gato: em vez de colocar a culpa nos pais daquelas crianças, Still supôs que esse comportamento (que ele descreveu como “defeito moral”) tinha raízes biológicas, e que poderia ser explicado ou por hereditaridade ou por conta de alguma lesão cerebral.

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Numa época em que ainda pouco se sabia sobre genética humana, a maioria dos pesquisadores apostou as fichas na segunda hipótese – especialmente depois da pandemia de encefalite letárgica, uma tragédia esquecida que começou em 1917, afetou mais de um milhão de pessoas ao redor do mundo e matou metade delas. Ela causava perda da fala, movimentos involuntários, paralisia e muita sonolência – tanto que ficou conhecida como “doença do sono”.

Nunca foi descoberta a verdadeira causa da encefalite letárgica, eclipsada pelo começo da gripe espanhola, em 1918. Seja como for, a medicina precisou lidar com as consequências da doença nas décadas seguintes, quando se estimou que metade dos casos de Parkinson eram consequência direta dessa pandemia.

Estudos com sobreviventes da encefalite encontraram crianças que tinham sintomas similares aos descritos por George Still e seus antecessores. Foi quando ganhou força a associação com possíveis lesões cerebrais. Nos anos seguintes, porém, essa ideia caiu por terra. Afinal, não paravam de aparecer jovens que se enquadravam na condição, mas que não haviam tido encefalite. A partir da segunda metade do século 20, a terminologia mudou. Em vez de “lesão”, passou–se a dizer que o transtorno seria algum tipo de disfunção cerebral.

Em 1968, a segunda edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), organizado pela Associação Americana de Psiquiatria e maior referência da área, incluiu pela primeira vez uma condição semelhante ao TDAH. Era a “reação hipercinética da infância”, caracterizada por um curto período de atenção, inquietação e, claro, hiperatividade.

Não era uma definição muito precisa, contudo – nem todas as pessoas desatentas são hiperativas. Por isso, em edições seguintes do DSM, a condição recebeu o nome de déficit de atenção (DDA), com ou sem hiperatividade.

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No final dos anos 1980, o DDA foi rebatizado para o nome que usamos hoje, “Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade”. E, em 2000, o manual definiu que o TDAH poderia se manifestar de três formas possíveis: predominantemente desatenta, predominantemente hiperativa e impulsiva ou de maneira combinada. Essa é a classificação usada pelos profissionais da saúde atuais.

A edição mais recente do DSM lista 18 sintomas para o TDAH: nove para desatenção e nove para hiperatividade. A lista não basta para o diagnóstico, que deve ser feito por profissionais, mas conhecê-la ajuda a rastrear possíveis casos. Confira nas imagens abaixo:

Grafico com dados de sintomas de desatenção relacionado ao TDAH
(Design: Caroline Aranha/Superinteressante)
Grafico com dados de sintomas de hiperatividade e impulsividade relacionado ao TDAH
(Design: Caroline Aranha/Superinteressante)

Mas, afinal, qual é a origem do problema?

Ruído de fundo

Existem 86 bilhões de neurônios no cérebro humano, e cada um deles está ligado a pelo menos outros 10 mil. Parte dessas células está organizada em grandes redes neurais, que conectam diferentes áreas do cérebro e as ativam simultaneamente, dependendo do que estamos fazendo: lendo um livro, puxando ferro na academia, assistindo às Olimpíadas

É como o emaranhado de fios atrás do rack da sua sala. Em meio ao caos aparente, o cabo de TV se conecta com o modem de internet e você consegue assistir ao último episódio de Casa do Dragão.

Uma dessas redes neurais é chamada de “modo padrão”. Ela funciona quando estamos naquele estado de sonhar acordado, pensando sobre o passado ou divagando sobre o futuro.

Quando surge uma tarefa que irá demandar esforço cognitivo, nosso cérebro deixa de pensar na morte da bezerra. Ele abaixa a atividade da rede de modo padrão e ativa outras conexões ligadas à atenção. Você para de brisar e consegue focar em escrever um texto, estudar física, resolver um cubo mágico etc.

O problema para quem tem TDAH é que a rede de modo padrão não desliga completamente. “É como se o cérebro trabalhasse com um ruído de fundo”, diz Luis Augusto Paim Rohde, coordenador do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ProDAH) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, centro de pesquisa que é referência mundial na área. “Fica mais difícil focar em algo.”

Por que isso acontece? Quem tem TDAH costuma apresentar níveis desregulados de duas moléculas mensageiras: dopamina e noradrenalina. A dopamina é o neurotransmissor ligado à motivação. É ela quem ativa os circuitos do desejo; que nos faz ir atrás de algo que possa nos recompensar. Já a noradrenalina aumenta a nossa excitação e nos coloca em estado de alerta.

É por isso que é comum ver crianças com o transtorno que só conseguem passar de ano na escola depois das provas de recuperação. O estresse gigante faz subir os níveis de noradrenalina, e aí sim o cérebro pega no tranco. Também explica por que, mesmo com dificuldades de concentração, pessoas com TDAH podem passar horas jogando videogame (que oferecem doses frequentes de dopamina e garantem a motivação).

O cérebro de quem tem TDAH também apresenta um amadurecimento atrasado do córtex pré-frontal, região associada ao raciocínio lógico, à tomada de decisões e ao planejamento. O córtex tem uma grande responsabilidade em frear nossos impulsos, e nos ajuda a ignorar estímulos que podem atrapalhar nossa concentração.

Um córtex pré-frontal mais imaturo, então, pode nos deixar mais impulsivos e inquietos. Com o tempo, porém, o cérebro pode terminar seu desenvolvimento apropriadamente e entrar no eixo. Ou seja: é possível que o TDAH desapareça. Não à toa, ele é menos comum em adultos do que em crianças.

Ilustração de várias pessoas com cabeça de balão. Em vários desses balões suas feições são infelizes. Apenas um segue com uma cara indiferente voando sem o corpo.
5,3% das crianças e adolescentes no mundo podem ter TDAH. Em adultos, a prevalência é de 2,5%. (Design: Caroline Aranha / Ilustração: Leandro Lassmar/Superinteressante)

O TDAH é um dos transtornos mentais com maior nível de herdabilidade. Isso significa que boa parte das diferenças entre um cérebro neurotípico (sem variações) para um neurodivergente (fora do padrão convencional) pode ser explicada por fatores genéticos. Não faltam estudos que tentam encontrar os genes envolvidos no desenvolvimento da condição.

Mas por que algo que impacta tanto o aprendizado e o convívio social não desapareceu com o filtro da seleção natural? Porque, até pouco tempo atrás, o TDAH pode ter ajudado os nossos ancestrais. 

Da savana ao Instagram

Um estudo (3) publicado no começo de 2024 colocou 457 adultos para jogar um game online, cujo objetivo era coletar o máximo de alimento no menor tempo possível. Havia vários arbustos, com uma porção de frutinhas disponíveis.

Os voluntários poderiam andar livremente pelo bosque virtual, mas o deslocamento consumia tempo. O que era vantajoso: explorar mais ou menos arbustos?

Os pesquisadores descobriram que os participantes que mudaram mais vezes de arbustos (e passaram menos tempo em cada um) atingiram as maiores pontuações. Certo, mas e daí? Acontece que esses jogadores, em um questionário prévio, foram justamente os que apresentaram sintomas do TDAH.

É um estudo com limitações, claro. A associação com o TDAH, por exemplo, partiu do relato dos próprios voluntários (e não de um diagnóstico feito por especialistas). Ainda assim, ele sugere uma hipótese interessante, também abordada em outras pesquisas: a de que a desatenção e a hiperatividade podem ter sido uma vantagem para os nossos antepassados caçadores-coletores.

É uma ideia que faz sentido. Na selva, onde comida e alimento estavam espalhados, os hominídeos inquietos e impulsivos seriam ótimos candidatos a exploradores, o que aumentaria suas chances de sobrevivência. Nesse cenário, a desatenção também pode ser encarada como uma virtude. Imagine ficar excessivamente concentrado em pegar frutas num arbusto e não perceber que há um predador se aproximando?

Quando deixamos de ser nômades, porém, as necessidades se inverteram: para erguer construções e fazer a colheita vingar, era preciso mais atenção e paciência. Só que essa mudança no modo de vida dos humanos se consolidou há 12 mil anos, um intervalo de tempo ínfimo na escala evolutiva para provocar alguma pressão seletiva nos genes associados ao TDAH.

As mudanças no ambiente, então, tornaram a vida dos neurodivergentes mais complicada, dos primórdios da agricultura ao homem obtuso de Teofrasto. Mas nada se compara com a dificuldade dos dias atuais, em que a tecnologia fragmenta a nossa atenção. “Os elementos distratores são muito maiores, e isso piora os sintomas do TDAH”, diz a psicóloga Iane Kestelman, presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA).

Celulares, videogames e redes sociais, é bom ressaltar, não criam TDAH – mas dificultam a vida de quem possui a condição. E como enfrentar esse problema? O primeiro passo é um diagnóstico preciso.

Ilustração de pessoas sentadas em uma mesa enquanto acontece uma reunião. As pessoas possuem cabeças em formato de balão e uma das cabeças está flutuando para fora da sala.
As distrações provocadas pela tecnologia não criam TDAH – mas pioram os sintomas de quem tem a condição. (Design: Caroline Aranha / Ilustração: Leandro Lassmar/Superinteressante)

Dentro do consultório

O DSM classifica o TDAH como um transtorno do neurodesenvolvimento, assim como o autismo. Isso significa que os sintomas precisam aparecer no começo da vida, antes dos 12 anos de idade. Não dá para “ter TDAH” depois de adulto.

Existem questionários que rastreiam possíveis casos, e alguns estão disponíveis online. Para crianças, o mais utilizado é o SNAP-IV. Para os mais velhos, há o ASRS. Eles não fecham o diagnóstico, mas ajudam a tomar a decisão de procurar um especialista.

As consultas podem ser feitas com psicólogos, neurologistas e/ou psiquiatras (no caso das crianças, há também os neuropediatras). O importante é saber se o profissional escolhido tem experiência com a condição.

Não existe um exame que aponte o TDAH inequivocamente. O diagnóstico se baseia em entrevistas clínicas, cujo objetivo é entender o histórico do paciente, até que ponto os problemas relatados afetam a sua vida e se eles não são melhor explicados por outro transtorno mental.

Costuma-se também conversar com familiares, professores e pessoas próximas. “Os sintomas do TDAH precisam aparecer em mais de uma esfera da vida do paciente”, diz a psicóloga Giovanna Oliveira Santos, especialista em neurociências pela USP. Se uma criança vai mal apenas nas aulas, e vive numa boa o resto do tempo, o problema pode ser solucionado com algum ajuste na sua rotina escolar.

Não é preciso apresentar todos os sintomas de TDAH (há um número mínimo para cada forma da condição). Mas eles precisam ser constantes e intensos, a ponto de prejudicarem a vida do paciente. Uma vez feito o diagnóstico, começa o tratamento, que se baseia em um tripé de ações: educação, psicoterapia e medicamentos.

A primeira etapa, claro, consiste em informar-se sobre o transtorno por meio de fontes confiáveis. Foi com esse propósito que nasceu a ABDA, em 1999, numa época em que a condição não era tão debatida e ainda enfrentava estigmas. “Muitos profissionais achavam que o meu filho, hoje diagnosticado com TDAH, tinha apenas uma questão emocional ou um problema na família”, diz Kestelman, cofundadora da associação. “Quando a escola decidiu reprová-lo, disseram que seria uma experiência positiva – uma lição para o resto da vida.”

Hoje, a ABDA mantém núcleos pelo Brasil para orientar e apoiar pessoas com TDAH e familiares. Também organiza congressos e cursos de capacitação para psicólogos, professores e educadores.

Ilustração de um aluno sentado dentro da sala de aula. Sua cabeça é em formato de balão e sai em direção a quadra de futebol, distante de seu corpo.
Os sintomas para TDAH precisam aparecer em duas ou mais esferas da vida do paciente. (Design: Caroline Aranha / Ilustração: Leandro Lassmar/Superinteressante)

As psicoterapias, o segundo eixo de tratamento, servem para habilitar o paciente a lidar com os próprios problemas. Na do tipo cognitivo-comportamental, a mais estudada para o TDAH, o terapeuta ajuda a encontrar disfunções e, a partir delas, colabora com o paciente para criar novos hábitos, como organizar uma rotina de estudos realmente eficaz.

Essa abordagem é especialmente efetiva para crianças. Mas consultas individuais não bastam. É preciso acompanhamento próximo dos pais, para que sejam feitas as adaptações adequadas em casa.

Outros tipos de psicoterapia também são válidos para tratar as comorbidades que podem acompanhar o TDAH, como ansiedade e depressão. As dificuldades impostas pelo transtorno também levam, em alguns casos, a uma baixa autoestima e a comportamentos antissociais.

Por fim, há os medicamentos – que não curam o TDAH, mas regulam os sintomas. E eles apresentam altas taxas de eficácia. “[O tratamento] parece ser benéfico em 70% dos casos, tanto em crianças como em adultos”, escreve o psiquiatra Paulo Mattos no livro No mundo da lua, que aborda o transtorno. Vamos entender como esses remédios funcionam.

Dose extra

Em 1937, o médico Charles Bradley trabalhava como diretor do primeiro hospital psiquiátrico infantil dos EUA, fundado cinco anos antes pelo seu tio-avô em Rhode Island, no nordeste do país. Dentre as suas funções, ele conduzia um tipo de exame cerebral que costumava causar enxaqueca nos pacientes.

Para aliviar a dor, Bradley resolveu testar um remédio então recém-aprovado nos EUA: benzedrina, um estimulante desenvolvido para casos de fadiga, narcolepsia (sonolência excessiva) e depressão. Pouco tempo depois, enfermeiras e professores do hospital notaram um efeito inesperado: crianças que haviam tomado a medicação apresentaram melhora no comportamento e no desempenho escolar. Os jovens, por conta disso, apelidaram o remédio de “a pílula da matemática”.

Bradley publicou a descoberta, mas ela só se disseminou na segunda metade dos anos 1950, quando os estudos sobre TDAH ganharam tração e a droga (além de outras similares) passou a ser analisada em pacientes com o transtorno.

Os estimulantes compõem a primeira linha de medicamentos para TDAH. As principais substâncias são o metilfenidato (princípio ativo da Ritalina, de 1954) e dos derivados anfetamínicos, caso da benzedrina (hoje em desuso) e da lisdexanfetamina, o popular Venvanse. Eles aumentam os níveis de dopamina no cérebro, regulando a capacidade de atenção e motivação.

Dependendo do remédio escolhido, o efeito é imediato e pode durar de três a 16 horas. Casos de dependência são raros, mas existem, sobretudo em pessoas com TDAH usuárias de drogas ilícitas.

Dentre os efeitos colaterais, os principais são perda de apetite, alterações de humor e distúrbios do sono. Quem tem problemas cardíacos e outros transtornos mentais, como autismo e ansiedade, deve ter cautela extra.

A dose é definida pelo médico, de acordo com as necessidades de cada paciente ao longo do tratamento. Com crianças a partir de seis anos, o uso é permitido, mas também é preciso ficar de olho na estatura delas, que pode ser impactada pelos remédios. Por causa disso, é comum que se suspenda o uso nos finais de semana e nas férias.

Para casos em que os estimulantes não funcionam, pode-se usar outros fármacos, como a atomoxetina, um não estimulante aprovado em 2023 no Brasil (sob o nome comercial Atentah). Ele atua nos níveis de noradrenalina, o que torna a pessoa menos impulsiva. Ao contrário dos outros remédios, porém, sua ação leva até um mês para começar a aparecer.

Ilustração de um corpo sentado em um quarto enquanto segura sua cabeça em formato de balão pela corda. Em volta, um quadro com post its e anotações de tarefas a fazer.

70% dos casos de TDAH podem ter sintomas aliviados, em algum grau, pelo uso de estimulantes.Recentemente, EUA e Reino Unido enfrentaram problemas no abastecimento de estimulantes devido à alta demanda – que tem a ver com o aumento dos diagnósticos, mas também pela procura de pessoas sem TDAH que buscam melhorar o seu desempenho nos estudos e no trabalho.

No Brasil, o Venvanse (que custa em média R$ 400 a caixa) rola solto em ambientes corporativos. Dá para adquirir receitas médicas mesmo sem diagnóstico ou comprá-lo pela internet, onde o preço pode passar de R$ 800. A Anvisa mantém 15 investigações de comércio ilegal do medicamento, segundo reportagem da BBC.

O uso indiscriminado de estimulantes é ruim para quem tem TDAH (já que pode faltar remédio para quem precisa) e pouco eficaz para quem não tem. Um estudo (4) de 2023 mostrou que, nesses casos, a produtividade até aumenta, mas a qualidade do trabalho realizado diminui. 

A questão do SUS

Os remédios para TDAH, sejam eles estimulantes ou não, fazem parte das diretrizes médicas de diversos países, como EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália. Mas, apesar disso, o SUS ainda não os disponibiliza por aqui.

Em 2022, um relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), vinculada ao Ministério da Saúde, recomendou que os estimulantes metilfenidato e lisdexanfetamina não fossem usados no tratamento de TDAH. A justificativa é que não haveria evidências fortes o suficiente da eficácia e segurança desses medicamentos, e que seria economicamente inviável disponibilizá-los na rede pública.

Logo após a decisão, Luis Augusto Rohde, do ProDAH, e outros pesquisadores enviaram um parecer ao Ministério da Saúde que apontou falhas metodológicas na revisão feita pelo Conitec. Também contestaram a justificativa econômica. “Não estamos falando de medicação de alto custo, como o Venvanse, e sim de metilfenidato genérico, que custa R$ 15 a caixa”, disse Rohde.

No final de 2023, a Câmara dos Deputados classificou como urgente o Projeto de Lei 3642/23, que torna obrigatória a inclusão do metilfenidato no SUS. Em junho deste ano, a Câmara promoveu uma audiência pública sobre o tema, mas o projeto ainda não foi votado.

No começo de 2024, ao menos dois estudos publicados em prestigiadas revistas científicas (a Nature (5) e a JAMA(6)) analisaram centenas de milhares de pacientes e apontaram redução nas taxas de mortalidade de pessoas com TDAH tratadas com medicação. A Super perguntou ao Ministério da Saúde se, à luz de novas pesquisas, havia alguma previsão para revisar a decisão de 2022.

Em resposta, o Ministério reforçou que a Conitec se baseou nas informações disponíveis na época, mas não disse se haverá um novo relatório. O órgão ressaltou que o SUS possui a Rede de Ação Psicossocial, que oferece atendimento multiprofissional e cuidado terapêutico para pessoas com TDAH e outros transtornos mentais.

Ilustração de uma pessoa com cabeça de balão se olhando no espelho. Sua feição é feliz.
O tratamento se baseia em um tripé de ações: educação, psicoterapia e medicamentos. Cada pessoa deve encontrar o caminho que melhor funciona para si. (Design: Caroline Aranha / Ilustração: Leandro Lassmar/Superinteressante)

Em 2021, foi sancionada uma lei que garante o acompanhamento integral de alunos com TDAH. A norma, que tramitou por 11 anos, também vale para transtornos de aprendizagem, como a dislexia.

Mas, apesar de estar em vigor, a lei ainda não foi regulamentada. Ou seja, não há detalhes sobre como deve ser a capacitação dos professores nem as adaptações em sala de aula e durante provas. Sem isso, não dá para cobrar das escolas que a norma seja cumprida corretamente.

A capacitação é um passo importante, e não vale apenas para educadores. Profissionais da saúde também precisam se atualizar constantemente sobre TDAH. Dessa forma, há menos chances de um diagnóstico incorreto.

O engenheiro Alexandre* passou mais de seis anos achando que tinha transtorno obsessivo-compulsivo. Uma nova bateria de testes e consultas, porém, confirmou o TDAH. O tratamento mudou e os efeitos foram imediatos. “Hoje, sou até reconhecido no trabalho”, conta. Alexandre, que tem 30 anos, faz atividade física regular, que melhora os níveis de atenção e é recomendada para todos com a condição. “O problema é que sou muito hiperativo. Mal descanso entre um exercício e outro”, brinca.

Não faltam ferramentas para controlar o TDAH, e o esforço para que elas cheguem a mais pessoas precisa ser constante. De preferência, sem informações falsas. Viver com o transtorno é um quebra-cabeça complexo. Mas as peças não precisam ficar ainda mais misturadas.

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*nome fictício.

Fontes Artigos (1) Attention-deficit hyperactivity disorder in ancient Greece: The Obtuse Man of Theophrastus;
(2) TikTok and Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder: A Cross-Sectional Study of Social Media Content Quality; (3) Attention deficits linked with proclivity to explore while foraging; (4) Not so smart? “Smart” drugs increase the level but decrease the quality of cognitive effort; (5) ADHD medications use and risk of mortality and unintentional injuries: a population-based cohort study; (6) ADHD Pharmacotherapy and Mortality in Individuals With ADHD. 

No Mundo da Lua: 100 Perguntas e respostas sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)

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