Qual bactéria mata mais rápido?
Não há uma campeã absoluta. Mas há um hall da fama de microorganismos crueis. Conheça alguns.
Não há uma campeã absoluta: muitas variáveis entram na conta. Bactérias diferentes podem matar pessoas diferentes em ritmos diferentes, quando infectam partes do corpo diferentes.
Por exemplo: um coquetel variado de bactérias – com destaque para o gênero Streptococcus, tipo A – é responsável por uma infecção chamada fascite necrotizante. O paciente é comido por dentro: em dois dias, boa parte do tecido subcutâneo da área afetada (o abdômen, no tipo 1, as extremidades, no tipo 2) morre. Com frequência, só amputações contêm o avanço da necrose. Até 76% das vítimas morre.
Se a Streptococcus está na garganta, porém, ela quase é inofensiva. Em 1994, quando a fascite necrotizante foi descoberta por tablóides britânicos sensacionalistas, a SUPER acalmou leitores preocupados com a notícia: “90% das amigdalites são provocadas pelo Streptococcus”, afirmou na época o infectologista André Vilela Lomar, diretor científico do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. “Isso não quer dizer que ela possa sair da garganta na direção dos músculos.”
A fascite necrotizante não foi a única doença que rendeu notícias padrão Datena. Às vezes, algum jornalista desenterra um caso bizarro, e a notícia bomba mesmo que tenha acontecido há muito tempo. Foi o que rolou em janeiro de 2019 com uma bactéria chamada Bacillus cereus.
Em outubro de 2008, um universitário belga de 20 anos conhecido apenas como AJ – seu nome não foi divulgado – esqueceu um potinho de plástico com macarrão dois dias fora da geladeira. Ele não tinha uma dieta lá muito equilibrada: todos os domingos, cozinhava cinco porções de massa barata, adicionava molho de tomate e vivia disso pelo resto da semana.
Quando AJ comeu o conteúdo do potinho esquecido, sentiu um gosto estranho – mas pensou que fosse o molho de tomate novo que estava testando. Passou mal, vomitou, teve diarreira e, às quatro da manhã do dia seguinte, já estava morto. A infecção comprometeu seriamente o fígado, provocando necrose e falência do órgão, além de uma possível pancreatite aguda. Se passaram apenas 10 horas entre a refeição e o óbito. O caso foi relatado detalhadamente neste artigo científico.
A Bacillus cereus adora qualquer carboidrato deixado fora da geladeira – principalmente se a temperatura alcançada durante o preparo não superar 100 ºC. Esporos sobrevivem à passagem pela panela e geminam no alimento recém-cozido quando ele é deixado ao ar livre, sem refrigeração. Entre 2% e 5% das intoxicações alimentares são culpa da dita cuja (embora nem todas sejam letais, é claro).
Essas duas são só exemplos – a ideia não é fazer uma lista exaustiva. Micróbios folclóricos à parte, é sempre bom lembrar que as bactérias mais perigosas que há por aí não são necessariamente as que matam rápido, mas que não podem ser mortas. A versão resistente a antibióticos do bacilo de Koch, causador da tuberculose, atinge de 250 mil pessoas por ano segundo a OMS. Ainda na década de 1960, 80% das Staphylococcus aureus já riam na cara dos remédios – a variedade resistente é conhecida pela sigla MRSA.
Fontes: “Necrotizing fasciitis: clinical presentation, microbiology, and determinants of mortality, 2003″; “Bacteriology of necrotizing fasciitis“, 1977; “Diagnóstico e tratamento da fasciite necrotizante: relato de dois casos“, 2008; OMS; “Antimicrobial resistance: the example of Staphylococcus aureus, 2003.