Produtos de limpeza podem estar criando bactérias super resistentes
A utilização generalizada e inadequada de produtos de limpeza pode não matar as bactérias – mas ajudá-las a se tornarem mais resistentes.
Para todas as pessoas germofóbicas, os produtos de limpeza são fortes aliados contra os microrganismos. Porém, essa parceria pode ter um efeito reverso: uma nova pesquisa revelou que esses produtos podem, na verdade, estar criando superbactérias.
O estudo foi publicado na Nature Microbiology na última segunda (9), com a premissa de analisar os efeitos colaterais que o uso indiscriminado que os produtos de limpeza podem ter nas bactérias.
Pesquisadores da Universidade Macquarie, na Austrália e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, estudaram uma espécie de bactéria chamada Acinetobacter baumannii. Essa é uma bactéria tipicamente encontrada no meio ambiente, como no solo ou em água, mas também em superfícies do nosso dia a dia, como maçanetas, corrimãos, mesas, etc.
Ela é uma das bactérias mais resistentes a antibióticos, e consta nos relatórios do Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (o CDC), na lista das ameaças urgentes. Geralmente, não ataca tanto pessoas saudáveis, mas pode ser fatal para aquelas que estão com o sistema imunológico comprometido. Elas podem causar doenças graves, que vão desde pneumonia a meningite e infecções no sistema nervoso.
Na pesquisa, os cientistas descobriram que superfícies com quantidades baixas de biocidas comuns, como os detergentes e antissépticos, podem tornar as bactérias mais resistentes ao seu efeito. Assim, eventualmente, elas se tornam resistentes não só aos produtos químicos, mas também aos medicamentos.
Se a quantidade de produto utilizada for pequena, e com uma baixa frequência, as bactérias ali presentes podem ser tornar resistentes aos produtos de limpeza.
“Nossos achados sugerem que biocidas em baixas concentrações podem comprometer a eficácia dos antibióticos e levar ao desenvolvimento de resistência a antibióticos”, disse Liping Li, autor líder do estudo e pesquisador da Universidade de Macquarie, à Live Science.
O que são bactérias resistentes?
Resistência bacteriana é um dos maiores desafios da ciência e medicina moderna, e o uso controlado de antibióticos por médicos e farmacêuticos se deve justamente a isso. Quando esse tipo de medicamento é prescrito, sua eficácia depende do paciente utilizá-lo nos horários e dias certos para que a infecção bacteriana seja eliminada.
Quando um antibiótico ou biocida é utilizado, nem todas as bactérias presentes no organismo morrem de primeira. E aí entra a seleção natural. As bactérias se reproduzem muito rápido, permitindo sua adaptação ao ambiente. Assim, algumas sofrem mutações aleatórias que as tornarão imunes aos medicamentos ou produtos químicos. Caso não sejam eliminadas rapidamente com a ação contínua do tratamento, elas conseguirão se reproduzir, e assim passar os genes resistentes para frente.
Método da pesquisa
Para comprovar a capacidade de resistência da A. baumannii, os pesquisadores manipularam o genoma da bactéria para saber quais genes seriam capazes de fazer a bactéria resistir a 10 diferentes tipos de biocidas. Eles viram que as bactérias possuem vários genes resistentes diferentes, agindo em diversas partes da célula. Alguns genes codificam proteínas de proteção que agem fora da célula, enquanto outras codificam proteínas para atuarem na parte interna.
E é justamente nas proteínas da parte externa da célula que um dos principais fatores de resistência acontece. Os pesquisadores descobriram que a principal forma dos biocidas atacarem as células é alterando a atividade elétrica das membranas. Para isso acontecer, é necessário uma concentração alta do produto. Do contrário, as bactérias não só irão sobreviver, como também se tornarão mais resistentes.
Dos 10 biocidas testados, sete conseguiram de alguma forma perturbar a membrana celular da bactéria, mas sem que a matasse. A baixa concentração também dificultou para que os antibióticos que agem dentro das células bacterianas conseguissem penetrar na célula. Ou seja, a utilização de biocidas em baixas concentrações cria bactérias resistentes à ação de outros biocidas e ao funcionamento de antibióticos.
Mesmo que o estudo tenha sido realizado em laboratório, os pesquisadores acreditam que o mesmo pode acontecer em ambientes como hospitais ou indústrias, onde ocorre a desinfecção de superfícies. Para eles, o principal desafio após o estudo está no gerenciamento de biocida, que consiste em adotar medidas para evitar o uso generalizado e indiscriminado desses produtos, a fim de evitar o surgimento de bactérias cada vez mais resistentes.