Relâmpago: Revista em casa a partir de 9,90

O que os números de Israel indicam sobre o futuro da pandemia

O país foi o primeiro a vacinar sua população e retomar a “vida normal". Mas os casos de Covid voltaram a disparar por lá. Por quê? As vacinas perderam a força? Isso pode se repetir em outros lugares? Veja as respostas.

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 14 out 2021, 06h35 - Publicado em 14 out 2021, 06h24

Você deve se lembrar. Em março, quando o Brasil patinava na escassez de vacinas e vivia seu pior momento da pandemia, chegando a superar 3.700 mortes diárias pelo Sars-CoV-2, o cenário em Israel era o completo oposto: líder mundial em vacinação, o país começava a abandonar as restrições sanitárias e retomar o cotidiano normal. Outras nações invejavam e tentavam copiar o êxito israelense – cujo trunfo era ter apostado na vacina da Pfizer, que viria a demonstrar 94% de eficácia, quando ela ainda estava em desenvolvimento. Mas o tempo passou, e as coisas mudaram.

O Brasil finalmente conseguiu avançar na imunização, e nossos números de casos e mortes caíram. Já em Israel, aconteceu algo diferente. A partir de julho, o número de infectados pelo coronavírus voltou a subir e não parou mais: em meados de setembro, chegou a superar 10 mil novos casos por dia, ultrapassando o pior momento da pandemia no país (que havia sido janeiro, com média diária de 8 mil novos casos). O governo divulgou dados alarmantes, indicando que a efetividade da vacina havia caído para apenas 39%, e correu para começar a aplicar uma terceira dose – primeiro nos idosos, depois nas pessoas acima de 50 anos, e por fim em toda a população. Puxa vida. Será que isso vai acabar acontecendo aqui também?

A primeira coisa que você precisa saber é: mesmo antes de Israel decidir aplicar a dose de reforço, as vacinas continuavam funcionando. Os dados israelenses de julho e agosto, meses em que a nova onda de Covid explodiu no país, mostram o seguinte: entre as pessoas que haviam tomado duas doses da vacina (nada de terceira dose), o número de casos graves quase não subiu: ele se manteve no patamar de 20 doentes a cada 100 mil pessoas. Já entre os israelenses que não tinham se vacinado, esse número mais do que sextuplicou, e chegou a 150 casos graves a cada 100 mil pessoas. O gráfico parece uma boca de jacaré se abrindo: a linha de baixo (Covid entre os vacinados) fica na horizontal e não se mexe, enquanto a linha de cima (Covid entre os não vacinados) sobe em ângulo agudo.

Ué, mas como assim “Covid entre os não vacinados”? Israel não foi o primeiro país a imunizar toda a sua população? Não foi, não. No final de setembro, 83% dos israelenses haviam sido vacinados. Mas esse número é enganoso, por várias razões. Primeiro, ele exclui as crianças de 0 a 12 anos, que ainda não estão sendo vacinadas (com exceção daquelas que possuem comorbidades graves). Por motivos que a ciência ainda não explica, a Covid grave é mais rara nessa faixa etária. As crianças não correm grande risco dela. Mas, mesmo assim, elas podem pegar e transmitir o coronavírus, contribuindo para que continue circulando pela sociedade – e causando casos graves em adultos.

Além disso, esse número de 83% inclui israelenses que só tomaram a primeira dose da vacina, que não oferece um grau satisfatório de proteção. Se você pegar toda a população israelense, de 9 milhões de pessoas, e só considerar as pessoas que já receberam duas doses da Pfizer, o número de imunizados (1) é muito menor: 62,1%. No cômputo geral, 3 milhões de israelenses não tomaram nenhuma dose da vacina.

Continua após a publicidade

Segundo o governo israelense, esses não vacinados se concentram em dois grupos: árabes e judeus ultraortodoxos. No primeiro caso, uma possível explicação está no menor acesso à vacina, pois há menos postos de saúde nas regiões com população árabe. Também há despreocupação com a Covid e desconfiança com a vacina – fatores preponderantes entre os ultraortodoxos.

Assim como o Brasil, Israel sofre com a desinformação: em fevereiro, o governo do país chegou a fazer um alerta público contra Yuval Asherov, um rabino que vinha publicando vídeos antivacina nas redes sociais. Não é o único caso, tanto que o Ministério da Saúde de Israel acabou criando uma operação permanente de combate às fake news vacinais.

Mas a nova onda de Covid em Israel não é só uma questão sociológica; também há aspectos virológicos envolvidos. O avanço da variante Delta, que é mais contagiosa e se tornou dominante por lá, reduziu a eficácia da vacina contra a transmissão do vírus. Ela continua oferecendo mais de 90% de proteção contra sintomas graves, mas não impede que as pessoas contraiam o vírus – em julho, os dados oficiais mostraram que a efetividade contra isso caíra para pífios 39%. Foi aí que, para tentar reverter essa tendência de queda, o governo decidiu começar a aplicar a terceira dose (no final de setembro, 3 milhões de israelenses já haviam tomado).

Continua após a publicidade

A proteção contra infecção cai com o tempo porque há uma diminuição progressiva na quantidade de anticorpos circulando no organismo. Isso é esperado, e não significa que o vacinado esteja em risco: o corpo constrói uma “memória imunológica” e volta a fabricar anticorpos caso necessário. Mas essa menor proteção contra o contágio facilita a propagação do vírus na sociedade, e também ajuda a explicar a nova onda de Covid em Israel.

Além disso, um estudo publicado em agosto pela Universidade de Oxford, que comparou os efeitos de médio prazo das vacinas Pfizer e AstraZeneca no Reino Unido (2), onde as duas foram usadas, indicou o seguinte: inicialmente, a da Pfizer parece proteger um pouco mais contra infecção do que a AstraZeneca (que usa a tecnologia de vetor viral, totalmente diferente do RNA mensageiro, adotado pela Pfizer). Mas sua proteção também declina um pouco mais rápido. Ao contrário da maioria dos países, Israel só usou a Pfizer. E adotou um espaço curto, de apenas 21 dias, entre as duas doses (hoje é sabido que intervalos maiores, de até 90 dias, geram maior resposta imunológica).

A terceira dose tem servido para remediar isso, pois está sendo aplicada com intervalo maior. Os primeiros dados mostram que a dose de reforço da Pfizer reduziu em 11 vezes a taxa de infecções pelo coronavírus (3) em israelenses acima de 60 anos (e, para Covid grave, a redução é de 19 vezes). Ou seja, o efeito é muito potente. Se ele persiste ou não, só o tempo dirá. O certo é que a situação de Israel tem uma série de particularidades – e, por isso, não pode ser diretamente transposta a outros países.

Continua após a publicidade

No Brasil e no resto do mundo, talvez a vacinação contra a Covid termine mesmo na segunda dose, com a terceira reservada só aos idosos (e a pessoas muito expostas ao vírus, como profissionais de saúde). E fique nisso. Ou o Sars-CoV-2 ainda possa nos surpreender. Se acontecer, não terá sido a primeira vez.

***

Fontes (1) Israel Covid-19 Dashboard. Disponível em datadashboard.health.gov.il/COVID-19/general. (2) Impact of Delta on viral burden and vaccine effectiveness against new SARS-CoV-2 infections in the UK. K Pouwels e outros, 2021. (3) Protection of BNT162b2 Vaccine Booster against Covid-19 in Israel. Y Bar-On e outros, 2021.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 5,99/mês
DIA DAS MÃES

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 10,99/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a R$ 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.