Texto Pedro Burgos
Isso mesmo que você acabou de pensar. Sem a preocupação de engordar, comeríamos mais. E muito pior. Substituiríamos, sem dor na consciência, folhas e verduras por muita massa, fast food e doces, aumentando em pelo menos 50% o número de calorias que ingerimos ao dia. Segundo a projeção de Rafael Claro, nutricionista da USP, passaríamos facilmente de 2 300 para 3 200 calorias diárias (veja o gráfico ao lado). O problema é que a gordura, os carboidratos e os açúcares continuariam em nosso sangue, causando estragos no organismo.
Seria como fazer uma experiência do Super Size Me, só que sem engordar. Fredrik Nyström, pesquisador da Universidade de Linköping, na Suécia, mediu o prejuízo. Reuniu 20 voluntários saudáveis e dispostos a comer somente tranqueira por um mês. O resultado foi marcante no fígado, órgão responsável pelo metabolismo de álcool e gorduras. Em média, a quantidade de ALP, uma enzima liberada no sangue quando uma célula do fígado é danificada, foi multiplicada por 3. Além disso, a resistência à insulina – que determina o desenvolvimento da diabete tipo 2 – dobrou. A pesquisa não obteve resultados conclusivos sobre outros fatores, mas é provável que o colesterol potencializasse os riscos cardíacos. Os EUA são a prova disso. Lá, onde a população já come em média 3 770 calorias diárias, as mortes por ataque cardíaco representam 28% do total – 3 vezes mais do que no Brasil.
A economia também sentiria os efeitos da comilança. Trigo, aveia, milho e soja seriam matérias-primas ainda mais requisitadas, já que são base para comidas processadas. Se, no começo deste ano, um aumento no consumo de alimentos em países emergentes, como China, Índia e Brasil elevou em 130% o preço de uma commodity como o trigo, é de esperar que, com o aumento do consumo nos países desenvolvidos, essa crise assumisse patamares assustadores. Quem sairia ganhando seriam a América do Norte e a Europa, sedes das maiores empresas de alimentos, e as nações exportadoras de grãos, como o Brasil. Mas uma inflação descontrolada poderia abocanhar boa parte desses lucros e levar países pobres ao limiar da miséria.
Sem limites de calorias?
Não seria tão perfeito quanto você imagina
1. Vida junkie
Sem culpa, nos dedicaríamos muito mais ao prazer da alimentação, principalmente de coisas com gordura e açúcar. A explicação é evolutiva: os alimentos calóricos construíam um estoque de energia para garantir a sobrevivência nos períodos de fome. Frutas e legumes ficariam relegados às prateleiras de comidas exóticas.
2. Todo lugar é lugar
Além de serem mais gostosos que os naturais, alimentos pré-preparados ou industrializados são mais práticos e adequados à vida moderna: basta abrir o saquinho e comer. Sem a preocupação com o peso, comeríamos mais vezes e em qualquer lugar.
3. Magra, mas feia
Uma alimentação pobre em vitaminas e sais minerais se refletiria em baixa resistência imunológica, anemia, pele ruim, cabelos e unhas quebradiços. Nem alimentos fortalecidos resolveriam o problema. “Os nutrientes existentes nas frutas e verduras são mais facilmente absorvidos pelo nosso organismo”, diz Rafael Claro.
4. Haja remédio
Consumo excessivo de gordura e açúcares prejudica o fígado e os rins, aumenta a resistência à insulina (diretamente ligada à diabete tipo 2) e poderia provocar arteriosclerose e hipertensão, elevando o risco de infartos e outros problemas cardíacos. “A indústria farmacêutica certamente ficaria muito feliz”, diz o médico infectologista Ricardo Mangabeira.
5. Padrão anoréxico
O padrão de beleza continuaria sendo o magro. “Já são 15 anos vivendo nessa cultura, seria difícil mudar”, diz Mirela Berger, doutora em antropologia social. Mas é provável que quiséssemos ser ainda mais magros. Assim aumentariam os casos de anorexia, o consumo de inibidores de apetite e a busca por definição muscular.