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O corpo humano em expansão

Durante o crescimento, uma seqüência de metamorfoses transforma o bebê no complexo organismo do homem adulto.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 5 mar 2024, 14h40 - Publicado em 31 jan 1990, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Nada mais errado do que pensar que uma criança é um adulto em miniatura. Entre a célula-ovo fecundada, com seus 200 milionésimos de milímetros e os 60 trilhões de células do organismo plenamente desenvolvido, há não apenas um enorme aumento de tamanho mas uma tremenda sucessão de metamorfose que se desenrolam por mais de vinte anos. Trata-se do maior projeto de expansão de que se tem notícia e é impossível registrá-lo apenas em centímetros. É preciso usar outros sistemas de medida, como o termômetro. Sem a ajuda de agasalhos o bebê não conseguiria manter a temperatura de 36 graus Celsius que o corpo humano exige para funcionar direito. Afinal, a maior parte das substâncias encarregadas de segurar o calor no organismo, fabricadas pela glândula tireóide (no pescoço), está sendo consumida em uma tarefa nobre: amadurecer o sistema nervoso, para que se possa, desde o início da vida, gravar nesse computador o maior número de informações sobre o mundo onde ele vai viver.

No começo da vida, mesmo aqueles adultos que se tornaram refinados gourmets tiveram um paladar bastante limitado. Há uma experiência clássica que comprova isso: oferece-se a um recém-nascido soluções de vitamina, leite de vaca e leite materno. Só a última opção desse cardápio é recebida sem choro ou careta. Sinal de que o bebê ou sente o sabor apenas do leite materno ou o cérebro está programado pelos genes a dar um gosto horrível a todos os outros alimentos. Uma sábia precaução do sistema nervoso: o aleitamento materno é a única maneira de garantir que o organismo receberá no início da vida toda a matéria-prima necessária para o crescimento.”O sistema nervoso ajusta os ponteiros do relógio biológico, despertando padrões de comportamento conforme a fase do crescimento”, explica o cronobiologista José Cipolla Neto, da Universidade de São Paulo, preocupado em verificar as mudanças nos ritmos do organismo, como o de sono e vigília. “Ser pequeno é ser um grande dorminhoco”, ele exemplifica. De fato, o recém-nascido passa dezesseis horas por dia dormindo. Mais tarde a quantidade de sono diminui aos poucos, alcançando o padrão adulto por volta dos 4 anos. Não é à toa que o período em que o corpo mais espicha dura até essa idade. A hipófise — uma glândula situada logo abaixo da região cerebral do hipotálamo — aproveita as duas primeiras horas de sono para fabricar uma substância cujo nome é exatamente hormônio do crescimento. “Como o bebê dorme cerca de três horas, desperta, para em seguida adormecer de novo “, conclui Cipolla,” é lógico que nele essa produção acaba sendo maior.”Nas células, o hormônio do crescimento alcança o núcleo navegando por um mar de gotículas gordurosas, onde existem proteínas mergulhadas. Ali, os hormônios reagem com os genes que, assim, liberam o molde de uma proteína, sob a forma de uma molécula de RNA (ácido ribonucléico). O molde então é copiado pelas substâncias fora do núcleo. Como é preciso fazer cópias de um por um das centenas de aminoácidos que formam uma proteína, pode demorar muitos dias até a reprodução ficar pronta. Mas, quando finalmente isso ocorre, a célula aumenta de volume por conter mais proteína — e, algumas vezes, se divide. Apesar de o hormônio do crescimento ser o protagonista dessa ação, ele pode contracenar com outros hormônios, como os sexuais, produzidos a partir da adolescência pelos ovários nas meninas e pelos testículos nos meninos. Além de promoverem o crescimento — especialmente de músculos nos rapazes e de gordura nas moças —, esses hormônios são os responsáveis pelo desenvolvimento das características que marcam na aparência adulta a oposição entre masculino e feminino. Por exemplo, barbas e seios. “Curiosamente, o garoto recém-nascido possui doses dez vezes maiores de hormônios sexuais do que o adulto”, conta o endocrinologista Fábio Bessa Lima, da Universidade de São Paulo. “E como a produção dessas substâncias só é retomada na puberdade, seus órgãos genitais, ao contrário do restante do corpo, diminuem nas primeiras semanas de vida”. Essa quantidade de hormônios tem uma razão de ser: apesar de o sexo masculino já ter sido determinado pelos genes, todo embrião tende a formar um corpo feminino. São necessárias, portanto, doses elevadas do hormônio masculino, a partir do terceiro mês de gestação, para garantir que o menino continuará menino. O hormônio do crescimento começa a ser fabricado pelo embrião na mesma época — sua entrada em cena é tão impressionante que, se continuasse se desenvolvendo no mesmo ritmo após o nascimento, o ser humano alcançaria o tamanho adulto aos 2 anos de idade. “Não que exista mais hormônio do crescimento nesse período de gestação”, esclarece Bessa Lima. “A maioria das taxas hormonais, aliás, permanecem idênticas por toda a vida. Ocorre que, à medida que se cresce, as células perdem receptores, as portas de entrada para os hormônios.”Nunca, porém, se aumenta de tamanho simultaneamente da cabeça aos pés, pois nesse jogo de abrir e fechar receptores nas células o organismo estabelece, de acordo com a sua necessidade, o que deve aumentar de tamanho em cada momento. Assim, na gestação, os braços e as pernas — curtos no bebê — parecem sair perdendo. A cabeça, por sua vez, é proporcionalmente maior do que em qualquer outra etapa da vida. E, como se essa vantagem inicial não bastasse, ela se torna cada vez mais larga, até o sexto mês, porque não pára de aumentar a fontanela — conhecida por moleira —, um espaço de até 4 centímetros entre os ossos superiores do crânio, que se fecha por volta dos 2 anos de idade. Não são tanto os cerca de 330 gramas do cérebro ao nascer que exigem essa reserva de espaço.

A questão é que o cérebro é o órgão que mais cresce após o nascimento (SUPERINTERESSANTE número 12, ano 3): até o sexto mês, deverá ter a metade do tamanho de um cérebro adulto e esse desenvolvimento não pode ser impedido por falta de lugar disponível entre os ossos cranianos.Trata-se de um privilégio — nenhum outro órgão dispõe dessa folga de espaço para crescer. No tronco, onde estão quase todas as vísceras, o aperto é tamanho que o apêndice, que no adulto fica na altura da virilha, só encontra um cantinho entre o umbigo e a costela da criança. A bexiga é empurrada de tal maneira que encosta na superfície interna do abdome. O que aumenta ainda mais o sufoco é o fato de o fígado já nascer quase com o seu tamanho definitivo: enquanto em pessoas bem crescidas ocupa um quarto do abdome, na parte superior direita, na criança ela se esparrama da costela até um local pouco abaixo do umbigo — daí a barriga saliente característica das crianças.”Para não impedir a saída pelo canal de parto, o corpo nessa fase acomoda todos os órgãos com uma incrível economia de espaço. É um projeto perfeito”, define, o cirurgião Aldo Junqueira Rodrigues Júnior, que, desde a época de estudante tem endereço certo: o departamento de Anatomia da Faculdade de Medicina da USP. Certamente, os ossos são os primeiros a aumentar de tamanho, definindo os limites do corpo — caso contrário, se as vísceras crescessem na frente, o homem literalmente não caberia em si. “De qualquer modo, o corpo humano tenta sempre contrabalançar: o que cresce muito hoje, cresce pouco amanhã”, explica Aldo Junqueira. Por causa de sua desproporção no recém-nascido, as pernas e os braços, alternando-se em fases, são os que mais crescem na infância. Se, graças aos diversos fatores envolvidos no crescimento — hormonais, nutricionais e ambientais —, os braços foram além dos padrões daquela idade em seu momento de crescer, as pernas em compensação espicharão menos. A recíproca é verdadeira. E assim, nesse jogo, o produto final do crescimento são pessoas com os mais diversos tipos físicos: troncudos, franzinos, pernas longas.Na adolescência, é a vez de os ossos do tronco aumentarem e, finalmente, as vísceras comprimidas desde o nascimento descerem e se acomodarem. Nessa lei de equilíbrio, a cabeça, que já veio ao mundo com um tamanho respeitável — metade do tamanho que terá na idade adulta —, é a parte que menos cresce; o que não significa que sua aparência permaneça inalterada. No bebê, a mandíbula, em forma de V, possui um ângulo obtuso e, como seu ramo ascendente é bem mais curto, o queixo acaba puxado para trás, dando um aspecto arredondado à face, as órbitas, por sua vez, são maiores, criando a impressão de que a criança vive com os olhos arregalados. Após os 6 anos, no entanto, as feições se alteram: a mandíbula forma um ângulo cada vez mais reto; pois, além de crescerem os ossos faciais, começam a surgir os 32 dentes permanentes, que são relativamente maiores. O homem primitivo tinha quatro dentes a mais na boca, os quatro molares, que ainda aparecem em uma de cada 500 pessoas negras — a incidência cai para a metade em brancos. “O número de dentes continua diminuindo”, comenta o odontologista Henrique Lefévre Neto, da Universidade de São Paulo. “Com freqüência aparecem casos em meu consultório de gente que precisa arrancar os sisos por falta de espaço.” Uma das explicações para o fenômeno é a falta de uso dos dentes, já que a alimentação do homem moderno exige um esforço menor de mastigação. Aliás, o crescimento também altera a necessidade de alimentos, no sentido inverso do que muitas pessoas imaginam. Entre um bebê mamando e um adolescente devorando um prato cheio, pode-se apostar que a aparência engana, pois é o primeiro quem está se alimentando mais, comparando a ingestão de calorias e o tamanho do corpo. Tem lógica: “Quem é menor tende a crescer mais e, para isso, precisa de matéria-prima”, explica a nutricionista paulista Flora Spolidoro. Isto é, olhando de perto, o crescimento é uma contínua deposição de proteínas, cálcio e fósforo, que o organismo não fabrica e precisa obter no cardápio de todo dia. Finalmente, ainda é preciso uma molécula de vitamina C, que feito cimento cola a célula recém-formada às já existentes. “Estudos de Fisiologia”, conta a nutricionista, “mostram ainda que a fome é mais freqüente nos primeiros anos de vida.”Isso porque é na infância, principalmente nos três primeiros anos, que o cérebro forma ligações entre as suas células — prolongamentos feito uma rede cruzando as informações memorizadas —, gastando muita glicose. Quando o nível dessa substância despenca no sangue, vem a fome: “Eis também o motivo de a merenda escolar existir em qualquer lugar do mundo, caso contrário a criança não memoriza as informações que recebe em aula”, justifica Flora. Com o crescimento tem-se também cada vez mais gordura na massa cinzenta. É um excelente sinal. O revestimento branco e gorduroso chamado mielina acelera as mensagens nervosas. O recém nascido só possui mielina em áreas cerebrais primitivas e por isso possui apenas reflexos, como o de sugar tudo o que lhe chega à boca. À medida que a mielina cresce e reveste novas áreas, surgem os movimentos voluntários.

O pediatra Paulo Roberto Carvalho se dedica há mais de dez anos a estudar a evolução dos movimentos, que ensina aos estudantes de Educação Física da USP. “O controle é do cérebro. A primeira parte que se movimenta voluntariamente, por volta de um mês de idade, são os olhos — a retina, afinal, é uma extensão do próprio cérebro. E, por último, depois até de aprender a andar, a criança controlará a evacuação”, explica. No início, a criança, ao olhar para um objeto, vê apenas uma mancha. Ao querer descobrir do que se trata, passa a enxergar duas manchas a segunda é o seu próprio braço, que lhe parece algo fora do corpo. A essa altura, ela já movimenta o pescoço: “Embora seja capaz de escutar desde a época do útero”, explica a fonoaudióloga Liliane Desgualdo Pereira, da Escola Paulista de Medicina, “só quando movimenta o pescoço a criança aprende a localizar sons. E há quem diga que, com isso, ela desenvolve a percepção de espaço.” Assim, entre 1 e 2 anos de idade, quando também já sabe que aquele braço lhe pertence, ela consegue calcular o movimento para, por exemplo, pegar um brinquedo. “No início, porém, faz esforço enorme, movendo dos ombros aos dedos. Só com o tempo aprende que basta mover os dedos para apanhar o que quer”, descreve Paulo Roberto. “O movimento tende a se tornar mais simples para o organismo poupar energia.” Segundo o médico, porém, na adolescência existe uma espécie de regressão.O corpo cresce rápido demais e o cérebro não consegue se adaptar à mesma velocidade. “O sistema nervoso continua comandando um bracinho quando na realidade existe um braço imenso”, explica o pediatra. “É por isso que nessa idade todos são desajeitados, esbarram em objetos, derrubam coisas.” O neurologista José Salomão, da Escola Paulista de Medicina, não considera saudável estimular o crescimento do sistema nervoso, como acontece, por exemplo, quando se ensinam duas línguas, simultaneamente, à criança. E justifica: “No desenvolvimento, tudo tem o seu momento adequado. Não é à toa que se aprende a escrever por volta dos 6 ou 7 anos: só com essa idade a mielina avançou até as áreas cerebrais responsáveis pela escrita”. A capa de gordura, aliás, continua a crescer muito além da adolescência, até por volta dos 26 anos. O interessante, porém, é que parar de crescer não significa virar o Cabo da Boa Esperança, rumo à velhice. “Na realidade”, explica o professor Salomão, “desde o nascimento cada centímetro que o organismo conquista são milhares de neurônios vencidos pelo desgaste.” Crescer, teoricamente, faz envelhecer, mas quem de partida conta com 20 bilhões de células nervosas não sentirá o tamanho dessa perda.

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Para saber mais:

Anos rebeldes

(SUPER número 11, ano 6)

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Vitaminas, você tem que tomar

(SUPER número 3, ano 9)

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ESTÍMULO PARA CRESCER

O crescimento envolve um complexo sistema de mensagens químicas. Por ordem do cérebro, a hipófise libera o hormônio do crescimento, que agirá diretamente na cartilagem dos ossos, desencadeando a formação de novas células. Além disso, esse hormônio tem uma ação indireta, reagindo com as células do fígado para formar a somatomedina C que, no final das contas. também provocará o crescimento dos ossos da mesma maneira. Na adolescência, a hipófise aumenta a fabricação de FSH e LH (do inglês Follicle-stimulating hormone ou “hormônio estimulante dos folículos” e luteinising hormone ou “hormônio luteinizante”, respectivamente), que ao chegarem aos testículos dos meninos e aos ovários das meninas estimulam a produção de óvulos e espermatozóides e dos hormônios sexuais. “Eles fazem crescer rápido, mas também aceleram o fechamento da cartilagem”, explica o endocrinologista Marcello Delano Bronstein, do Hospital das Clínicas em São Paulo.É comum aparecer em seu consultório um adolescente cansado de ser o baixote da turma: “Se os raios X mostram que ele tem pouca reserva de cartilagem para crescer, não posso receitar o hormônio sexual para ter um adolescente alto amanhã e um adulto baixo depois de amanhã”, justifica o médico. Apesar de não oferecer o mesmo risco, por ser um remédio caro, extraído de cadáveres, o hormônio do crescimento costumava ser receitado apenas em casos de deficiência da hipófise. Felizmente, graças à Engenharia Genética que conseguiu sintetizá-lo, o hormônio do crescimento já está sendo testado na Europa em crianças normais, porém com estatura inferior à média. “Se der certo”, imagina Bronstein, “nada impedirá que se cresça além dos limites dos genes. No futuro, os hormônios criarão super-homens.”

ALTOS E BAIXOS

Desde o primeiro instante de vida, quando o ser humano não é maior do que um grão de areia, sua estatura final está escrita em diversos genes. “No entanto, bastam alterações em um único gene para arrasar todo o crescimento”, calcula o ginecologista Thomaz Raphael Gollop, especialista em Genética, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. É o caso do anão, o herdeiro de um gene defeituoso, cujo corpo desenvolve funções de adulto, mas permanece com estatura de criança. “Além disso, conforme os estímulos do organismo”, diz o médico, “podem ser feitas correções nos genes, crescendo-se mais ou crescendo-se menos do que o programado.”Acreditava-se que os genes do crescimento eram influenciados apenas por fatores físicos, como os hormônios e doenças pulmonares crônicas: com a respiração prejudicada, as células têm menos oxigênio para queimar no crescimento — não é à toa que a criança com bronquite costuma ser um adulto franzino. Hoje, porém, diversos estudos provam que, da mesma maneira como o estresse pode levar a hipófise a ordenar uma maior liberação de ácidos no estômago, causando uma úlcera, as emoções negativas também diminuem a safra de hormônio do crescimento. Resultado: criança com problemas psicológicos tende a ser baixa, por mais altos que sejam os pais.

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