Ícone de fechar alerta de notificações
Avatar do usuário logado
Usuário

Usuário

email@usuario.com.br
Black das Blacks: Super com preço absurdo

Cientistas descobrem antibiótico até 100 vezes mais potente que compostos atuais

Molécula revelou ação promissora contra bactérias resistentes que desafiam os medicamentos atuais – e estava bem embaixo do nosso nariz o tempo todo.

Por Luiza Lopes
31 out 2025, 18h00

Pesquisadores das universidades de Warwick (Reino Unido) e Monash (Austrália) identificaram um novo e poderoso antibiótico. Ele é capaz de matar algumas das bactérias mais resistentes do mundo, incluindo aquelas que causam infecções hospitalares graves, como Staphylococcus aureus, resistente à meticilina (MRSA), e Enterococcus faecium, resistente à vancomicina (VRE).

A descoberta, publicada no Journal of the American Chemical Society na última segunda (27), surpreendeu até os próprios autores, já que, segundo eles, o composto estava “escondido à vista de todos”.

Trata-se da lactona de pré-metilenomicina C, uma molécula produzida naturalmente pela bactéria Streptomyces coelicolor. Essa bactéria é uma “veterana” da microbiologia: vem sendo usada desde os anos 1950 como modelo para entender como certos microrganismos fabricam antibióticos.

“Encontrar um novo antibiótico em um organismo tão familiar foi uma verdadeira surpresa”, afirmou a química Lona Alkhalaf, da Universidade de Warwick, em comunicado.

O composto é, na verdade, um intermediário químico – uma substância formada temporariamente no meio de uma reação – que aparece durante a produção natural de outro antibiótico, a metilenomicina A, isolada há 50 anos. Até agora, ninguém havia testado se esses intermediários teriam também alguma ação antimicrobiana.

Compartilhe essa matéria via:

Nos experimentos conduzidos pela equipe liderada por Greg Challis, do Departamento de Química da Universidade de Warwick e do Instituto de Descobertas Biomédicas da Universidade Monash, a lactona de pré-metilenomicina C mostrou-se mais de 100 vezes mais potente do que a metilenomicina A contra diversas bactérias Gram-positivas.

Continua após a publicidade

Calma, vamos explicar o que isso quer dizer.

“Gram-positivas” é grupo de microrganismos possui uma parede celular espessa, rica em peptidoglicano, estrutura de açúcares e aminoácidos que atua como um “escudo” molecular. Elas recebem esse nome porque, no chamado teste de Gram, criado no século 19, retêm um corante violeta usado para diferenciá-las de outros tipos de bactérias.

Entre essas Gram-positivas, Staphylococcus aureus e Enterococcus faecium representam ameaça significativa, já que a resistência a antibióticos de última linha, como a vancomicina, limita severamente as opções terapêuticas.

Já as bactérias Gram-negativas, como Escherichia coli e Klebsiella pneumoniae, apresentam uma parede celular mais complexa e dupla, o que dificulta a penetração de medicamentos. Essas espécies já desenvolvem resistência até mesmo a antibióticos de última geração, como os carbapenêmicos e as fluoroquinolonas, usados como “último recurso” em UTIs.

A equipe do novo estudo mediu a concentração mínima inibitória (MIC), ou seja, a menor dose necessária para impedir o crescimento das bactérias em laboratório. A lactona de pré-metilenomicina C conseguiu esse efeito com apenas 1 a 2 microgramas por mililitro, enquanto antibióticos convencionais exigem concentrações dezenas ou centenas de vezes maiores.

Continua após a publicidade

Além disso, mesmo após 28 dias de exposição contínua, as bactérias não desenvolveram resistência ao composto – um sinal raro e animador.

A molécula chamou atenção também por sua estrutura simples e estabilidade química, o que facilita tanto sua síntese artificial (reprodução em laboratório) quanto a criação de análogos – variações do mesmo composto, úteis para entender como pequenas mudanças na estrutura afetam sua eficácia.

“Escondida” no laboratório

A metilenomicina A foi descoberta há 50 anos, e sua via biossintética – o conjunto de reações químicas que a bactéria realiza para fabricá-la – é estudada há décadas. O que os cientistas fizeram agora foi revisitar essa rota e examinar cuidadosamente os intermediários produzidos durante o processo.

Para isso, eles manipularam geneticamente a S. coelicolor, removendo genes específicos e observando como isso alterava a produção de compostos.

Essa técnica é comum na biotecnologia: ao “deletar” genes, o pesquisador consegue ver qual etapa da fabricação depende deles. Assim, a equipe identificou dois intermediários até então desconhecidos – entre eles, a pré-metilenomicina C e sua forma lactônica, o novo antibiótico.

Continua após a publicidade

O gene chamado mmyE mostrou-se crucial: ele transforma a pré-metilenomicina C na versão final, metilenomicina A. Quando esse gene foi desativado, o processo ficou “incompleto”, e o intermediário acumulado revelou ser, ironicamente, muito mais potente que o produto original.

Do ponto de vista químico, o novo antibiótico pertence à família das lactonas, moléculas em forma de anel que se formam quando um ácido reage com um álcool. Esse tipo de estrutura é comum em várias substâncias naturais, como eritromicina, penicilina e lovastatina, e costuma estar associado à atividade biológica, ou seja, à capacidade de interagir com células ou enzimas e, por exemplo, inibir o crescimento de bactérias.

Além disso, a lactona de pré-metilenomicina C possui um anel de ciclopentanona funcionalizado, o que significa que o anel de cinco átomos de carbono está modificado com grupos químicos que aumentam sua reatividade e sua capacidade de se ligar a alvos biológicos específicos.

O estudo também destacou a importância da epoxidação, uma reação química que insere um átomo de oxigênio formando um anel epóxido. Essa modificação muda a forma da molécula e altera sua reatividade, ativando-a contra bactérias resistentes.

Novo aliado em meio à crise global

A descoberta da lactona de pré-metilenomicina C chega em um momento crítico. O mundo enfrenta uma crise de resistência antimicrobiana (RAM), uma vez que bactérias e outros microrganismos têm se tornado capazes de sobreviver aos medicamentos que antes os eliminavam.

Continua após a publicidade

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a RAM é uma das maiores ameaças à saúde pública do século 21. De acordo com o relatório global de 2025, cerca de uma em cada seis infecções bacterianas confirmadas em laboratório no mundo em 2023 era resistente a antibióticos de uso comum.

A resistência aumentou em mais de 40% das combinações patógeno-antibiótico monitoradas entre 2018 e 2023, com taxas médias de crescimento anual entre 5% e 15%. Estima-se que, em 2021, a RAM tenha causado aproximadamente 1,14 milhão de mortes diretas, e estudos anteriores indicam que quase 5 milhões de óbitos anuais estão associados a infecções resistentes.

O avanço da resistência é impulsionado pelo uso excessivo e inadequado de antibióticos em humanos e animais, pela automedicação, pela interrupção precoce de tratamentos e pela limitação de diagnósticos precisos em muitos países.

Além do potencial terapêutico, o estudo propõe uma nova estratégia de pesquisa: revisitar compostos já conhecidos e investigar seus intermediários. “Essa descoberta sugere um novo paradigma para a descoberta de antibióticos”, afirmou Challis em nota. “Ao identificar e testar intermediários nas vias de síntese de compostos naturais, podemos encontrar novos antibióticos potentes e mais resistentes à resistência antimicrobiana.”

O artigo indica que a lactona de pré-metilenomicina C provavelmente age de maneira diferente da metilenomicina A. Os pesquisadores apontam que um grupo químico específico, chamado γ-butirolactona, funciona como o “centro ativo” da molécula — ou seja, a parte que se liga diretamente à bactéria.

Continua após a publicidade

Essa ligação desestabiliza a parede celular bacteriana, dificultando que a bactéria se multiplique. Segundo o estudo, essa diferença na estrutura química pode explicar por que as bactérias encontraram mais dificuldade em desenvolver resistência ao novo antibiótico.

A equipe agora se prepara para os testes pré-clínicos, fase em que o antibiótico será avaliado em modelos animais para verificar sua eficácia e segurança antes de qualquer teste em humanos.

Como a substância já pode ser sintetizada em laboratório, será possível produzir lotes maiores e explorar modificações químicas que aumentem sua estabilidade e reduzam possíveis efeitos adversos. Embora ainda leve anos até que a lactona de pré-metilenomicina C possa ser usada em pacientes, o achado é visto como um sinal promissor.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

SUPER BLACK FRIDAY

Digital Completo

Enquanto você lê isso, o mundo muda — e quem tem Superinteressante Digital sai na frente.
Tenha acesso imediato a ciência, tecnologia, comportamento e curiosidades que vão turbinar sua mente e te deixar sempre atualizado
De: R$ 16,90/mês Apenas R$ 3,99/mês
SUPER BLACK FRIDAY

Revista em Casa + Digital Completo

Superinteressante todo mês na sua casa, além de todos os benefícios do plano Digital Completo
De: R$ 26,90/mês
A partir de R$ 9,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$47,88, equivalente a R$3,99/mês.