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As verdades e os mitos sobre a vacina contra a Aids

Primeiro teste em humanos de uma nova técnica acendeu esperanças de que a vacina contra o HIV está próxima. Mas o que dá para esperar, de fato, dela?

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 26 nov 2018, 11h12 - Publicado em 10 jul 2018, 20h26

Fazia tempo que uma notícia sobre HIV não chamava tanto a atenção: uma nova tentativa de criar uma vacina que imunizaria pessoas saudáveis contra a infecção do HIV fez seus primeiros testes com humanos. Os resultado, promissores, foram publicados no periódico  Lancet. A Aids voltou a ser manchete, um dia antes da morte de Cazuza completar 28 anos.

Só que a Aids carrega um impacto emocional que poucas outras doenças são capazes de alcançar. E, em assuntos como esse, é difícil separar fatos de especulação – e até exagero.

Então vamos aos poucos: o que é uma vacina contra o HIV, como essa nova vacina foi criada, o que ela já pode fazer, e o que ela, por enquanto, só promete.

Imunizar as pessoas contra o HIV é uma ambição mundial há pelo menos 35 anos. Uma intervenção só que conseguisse prevenir esse mal causaria um impacto tremendo, que nem os avanços incríveis dos tratamentos conseguiram trazer.

Mas até hoje, só 5 – isso mesmo, CINCO – tentativas conseguiram demonstrar potencial a ponto de serem levadas a testes em humanos, em mais de três décadas de pesquisa. Mesmo os testes mais simples e preliminares. A recém-publicada é apenas a quinta candidata.

Das quatro anteriores, nenhuma foi parar na farmácia. Uma quase deu certo. A RV144, testada na Tailândia. Conseguiram provar que ela era segura para ser ingerida por humanos (primeiro passo para uma substância virar remédio). Depois, que ela era útil em imunizar pacientes contra o HIV (segundo passo: mostrar que aquela substância tem efeito).

Eficácia ela até tinha. Pecou na eficiência. Protegia as pessoas? Sim. Mas não todas. 31% das “cobaias” expostas ao vírus ficavam de fato imunes. 3 em cada 10. Era longe de ser o suficiente. Descartaram o projeto.

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A nova vacina vai ser diferente?

Bem, a verdade é que ainda não dá para saber. Porque a nova vacina ainda está em uma etapa anterior à da Tailândia. Mas, por enquanto, ela conseguiu cumprir todos os requisitos de uma vacina de verdade.

E quais são esses requisitos?

Uma vacina clássica (como a da gripe, que você pode tomar todo ano) ensina seu corpo a produzir uma resposta imunológica específica à uma doença, sem ter que passar por ela. É como uma simulação de incêndio: você repete o protocolo em uma situação de mentira até saber executá-lo com perfeição caso seja exposto a um incêndio de verdade.

Se tudo dá certo, você não chega a contrair a doença em si. Esse é o objetivo com a vacina do HIV: criar uma resposta imunológica para que qualquer contato com o vírus acabe antes de uma infecção se instalar.

Geralmente, isso é feito com pedaços ou versões mais fracas do vírus que se quer combater. Só que o HIV é um vírus absurdamente diverso e esperto. Por causa disso, os cientistas criaram o chamado “mosaico”: um quebra-cabeças onde cada peça é um pedacinho de HIV diferente. E esse mosaico fica dentro de um vírus de resfriado (o Ad26), modificado para não ser capaz de se replicar e se espalhar. O título técnico dessa estrutura toda é Ad26.Mos.HIV – tão feio que parece nome de arquivo pirata baixado por torrent.

Os cientistas injetaram 400 pessoas saudáveis, entre 18 e 50 anos, com oito versões diferentes do mosaico. Várias vezes: a maioria recebeu 4 injeções em um período de 48 semanas (ou um ano, se você nunca engravidou). Cada injeção estimulava um pouquinho mais o sistema imunológico. E cada mosaico gerava respostas imunológicas para vários tipos de HIV de uma vez.

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Quais os pontos fortes da nova vacina?

Até aqui, o negócio deu muito certo: os oito tipos de mosaico produziram uma resposta imunológica bem positiva se comparados ao placebo. Ou seja, o corpo daquelas pessoas ficou ótimo e muito rápido em identificar e reagir ao HIV.

Mas tudo isso segundo exames ex vivo – ou seja, em tubinhos de laboratório. Ninguém saiu expondo essas pessoas a HIV só para ver o que acontecia. Eles verificavam num exame de sangue se existia reação imunológica – é o que se faz tradicionalmente, num hemograma, para saber se uma vacina “pegou” ou se é preciso repetir.

Lembra do primeiro passo para criar um remédio? Primeiro era preciso saber se as pessoas não passavam mal com a candidata à vacina. Deu certo: só cinco participantes relataram efeitos colaterais como náusea ou diarreia. Toleráveis.

Mas os cientistas ainda estavam com oito mosaicos diferentes na mão. Sabiam que todos funcionavam, mas não sabiam qual funcionava melhor. E ainda não sabem.

As etapas acima são chamadas de “Fase 1” e “Fase 2” no desenvolvimento de um remédio – e o foco é, principalmente, em segurança e eficácia. Falta a parte mais crucial (e mais cara). A Fase 3: verificar em milhares de pessoas se o remédio realmente cumpre o que promete. Se impede as pessoas de contraírem o HIV em situações reais. E com que frequência ele faz isso.

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Mais algum motivo para ficar animado?

Falei que, até agora, ninguém saiu expondo pessoas ao vírus, certo? Pessoas não, mas macacos sim. Existe uma mistura do HIV com o SIV (o vírus da imunodeficiência símia, dos macacos), criado para testar remédios contra a AIDS em macacos. Tem o nome criativíssimo de SHIV.

Os mesmos cientistas aplicaram a nova vacina em 72 macacos rhesus saudável. E depois fizeram algo chamado “desafio viral intraretal”. Isso mesmo: injetaram SHIV pela mucosa do reto dos bichos para testar a vacina que eles tinham criado.

De todo esse método bizarro (mas comum nesse tipo de teste), saiu uma boa notícia. 67% dos macacos ficou imune ao vírus. Uma eficiência bastante promissora.

Agora manda o balde de água fria: por que não se animar com a vacina?

67% é muito melhor que 31%. Mas imunizar 7 em cada macacos é MUITO diferente de imunizar 3 em cada 10 humanos. E estamos falando até em vírus diferentes. Não seria a primeira vez que um método que funciona superbem em macacos com SHIV não dá certo para pessoas com HIV.

Mas o mais complicado é que ninguém sabe ainda como declarar que uma pessoas está totalmente imune ao HIV.

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Pensa na Hepatite B, por exemplo. Se você toma a vacina e faz um hemograma, no laboratório vão colocar seu sangue e o antígeno (o agente da doença) para reagir. Dependendo da intensidade da resposta do seu corpo, dá para garantir que ele daria conta de acabar com a doença. Existe uma escala: a partir da intensidade X, protege. Abaixo da intensidade X, não protege. Ninguém precisa te contaminar com Hepatite B para ter certeza absoluta da imunização.

Esse padrão de predição ainda não existe para Aids. Ninguém sabe a intensidade de resposta imunológica que é “suficiente” para não permitir que o vírus se aloje no corpo.

A vacina teve uma das melhores respostas imunológicas já induzidas por qualquer teste com HIV, na história. Mas só conseguimos afirmar, de fato, que ela foi melhor do que as vacinas que deram errado. Não sabemos se ela está perto de dar certo.

Ou seja: a vacina já ultrapassou todas as outras competidoras na corrida pela imunização. Mas não há, no mundo, quem saiba dizer o quão longe ainda está a linha de chegada.

Qual o veredicto sobre a nova vacina?

Os resultados são bons o suficiente para garantir que vale a pena insistir na vacina. O investimento e a esperança na técnica não são em vão. Ela é segura e merece ir para uma próxima fase – que, inclusive, pretende reunir mais de 2.500 mulheres voluntárias na África Subsariana, em regiões de alta incidência de Aids.

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Mas não dá para pular direto para vacinar as pessoas e soltá-las no mundo para ver quem pega e quem não pega a doença. A próxima etapa ainda é refinar o mosaico ideal para criar uma vacina universal. E só muito depois vamos saber se os números finais de proteção superam os 31%.

Qualquer relato que retrate as próximas etapas como simples ou rápidas são ilusórios. Testar essas substâncias sem o máximo de cuidado e paciência é brincar de roleta russa com a vida das pessoas. Não é interessante para ninguém criar um tratamento que piore a saúde de qualquer paciente, seja soropositivo ou soronegativo. Daí a importância de não sair classificando essa como a “mais promissora novidade sobre a AIDS dos últimos 35 anos” – ainda que, no fundo, a gente torça para que seja, mesmo.

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