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Alzheimer: o retrato do mal antes da hora

Analisando os genes de um jovem, os médicos já podem prever se ele vai ter a síndrome de Alzheimer, que geralmente só ataca na velhice, depois dos 60 anos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h35 - Publicado em 31 jan 1997, 22h00

Carlos Eduardo Lins da Silva, de Washington

Em 1906, ao fazer a autópsia de uma mulher de 55 anos, o médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915) descobriu no cérebro dela lesões que ninguém nunca tinha visto antes. O problema estava dentro dos neurônios – as células cerebrais –, que em vários lugares apareciam atrofiados, cheios de placas estranhas e de fibras retorcidas, enroscadas umas nas outras. Desde então, esse tipo de degeneração nos neurônios ficou conhecido como o mal de Alzheimer.

No início, ele causa uma leve perda de memória e atrapalha o pensamento. Fica difícil até resolver uma conta ou fazer raciocínios simples. Depois vem um período, caracterizado por desorientação constante, grande dificuldade para tomar decisões ou mesmo conversar. Daí para a frente os sintomas se agravam. Até hoje, Alzheimer continua sendo uma síndrome de causa desconhecida. É incurável.

Mas este ano o entusiasmo tomou conta dos médicos porque eles aprenderam a detectar os sinais da síndrome décadas antes de ela surgir. Está claro agora que, se um cidadão possui alguns genes defeituosos (veja à esquerda), ele pode ter Alzheimer no futuro. Foi o que mostrou a pesquisadora Karen Hsiao, da Universidade de Minnesota, Estados Unidos, num importante estudo recente. Com essa técnica, desde os 20 anos de idade um cidadão já pode saber se vai ou não ter Alzheimer no futuro. Com isso, vai ficar muito mais fácil tentar entender o que acontece dentro do cérebro durante a síndrome. Também vai ser possível testar drogas que podem não trazer a cura definitiva, mas pelo menos que aliviem os pacientes.

Molécula do sangue deixa o cérebro louco

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Desde o início do século se sabe que a síndrome de Alzheimer está ligada a duas categorias de lesões cerebrais. Numa delas, os neurônios exibem grandes placas de uma proteína chamada beta-amilóide, que tem efeitos tóxicos sobre as células. Na outra categoria de danos, os neurô-nios criam verdadeiros nós em peças essenciais da sua estrutura interna, os microtúbulos. Estes ficam retorcidos e emaranhados, prejudicando o funcionamento das células cerebrais.

Durante muito tempo isso era tudo o que se sabia sobre o assunto, e ninguém podia dizer que entendia realmente o que estava acontecendo. Por que o cérebro se enchia de placas tóxicas e de neurônios deficientes? Só nos últimos anos surgiram as primeiras pistas concretas sobre o problema. A mais importante veio de um gene defeituoso, chamado Apo-E, cuja função é fabricar a proteína apolipoproteína-E, que é uma molécula tipo “caminhão”, já que faz o transporte de colesterol no sangue (veja o infográfico à esquerda).

Apesar de não ter nada a ver com o cérebro, o Apo-E tem uma ligação inegável – e até contraditória – com o mal de Alzheimer. Basta ver que existem três versões desse gene, denominadas Apo-E2, Apo-E3 e Apo-E4. A versão E2 protege contra Alzheimer. A E4 aumenta bastante o risco da doença e faz os sintomas aparecerem bem antes da idade em que normalmente se manifestam. A E3, finalmente, fica num estágio intermediário. Ou seja, os pacientes que têm essa versão do gene às vezes ficam protegidos e às vezes, prejudicados.

Um cidadão, portanto, pode ter qualquer uma das três versões do Apo-E, cada uma numa quantidade diferente. Além disso, ele herda uma cópia da mãe e outra do pai, e elas nem sempre são idênticas. Com isso, dá um certo trabalho saber qual é a quantidade exata de cada versão do Apo-E num indivíduo e, a partir daí, descobrir o risco de ele ter Alzheimer. A análise é feita por meio de um exame de sangue. Agora já se sabe que se alguém tem duas cópias da versão Apo-E4 sua chance de adoecer é muito alta, de 50%. Quer dizer que, na média, metade das pessoas com dois E4 apresentam sintomas antes dos 70 anos.

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Veneno nos neurônios

O curioso é que o E4 estava há décadas associado a doenças cardíacas. Mas em 1993, o médico Allen Roses, do Departamento de Neurologia do Centro Médico da Universidade de Duke, o vinculou também a Alzheimer. De lá para cá, os médicos passaram a vigiar mais de perto todas as ações desse gene e viram que ele pode realmente criar os efeitos químicos que se vêem nos pacientes de Alzheimer. Pode ser ele o produtor daquelas placas tóxicas, de proteína beta amilóide. Sabendo disso, alguns pesquisadores conseguiram achar as placas ainda em formação, no cérebro.

Para isso, fazem uma tomografia sofisticada, chamada PET (sigla em inglês para tomografia por emissão de pósitrons) em uma pessoa que tem uma ou duas variantes Apo-E4. Ela mostra a montagem das placas até quinze anos antes de elas começarem a produzir efeitos tóxicos sobre os neurônios. Em resumo, se a cura da doença ainda não está visível no horizonte, o fato é que a esperança de chegar lá cresceu muito, este ano. E isso deve ter conseqüências positivas para os doentes. Roses diz que dá para fazer drogas que barram a ação do E4. E se o E4 ficar de mãos amarradas, os sintomas não se manifestam. “Acho que podemos atrasá-los uns 20 anos”, disse Roses à SUPER.

O incrível rato fabricado para ter a doença

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No início de 1996, a pesquisadora americana Karen Hsiao criou um rato simplesmente incrível. Implantando genes humanos nos embriões do roedor, ela construiu um bicho que por sua própria natureza tem Alzheimer desde o nascimento. Seu genes simplesmente o obrigam a apresentar as mesmas lesões cerebrais que um ser humano. Foi a primeira vez que alguém conseguiu reproduzir no laboratório as alterações químicas que o mal causa no cérebro. E não são só as lesões químicas: o rato geneticamente engenheirado tem até a falta de memória típica da doença. Traduzindo, é um laboratório vivo, no qual os cientistas querem testar drogas com possibilidade de dar mais conforto aos doentes.

Esse feito admirável, cheio de promessas, não significa que o mal está compreendido e explicado. Ele não está. Ninguém descreveu ainda exatamente de que maneira os defeitos dos genes levam o organismo à demência. Ou seja, ainda não está muito claro se as placas tóxicas e os filamentos torcidos, típicas de Alzheimer, são a causa dos sintomas ou se são só sintomas também. Além disso existem vários outros enigmas sobre as células nervosas. É que elas são frágeis e morrem à toa.

A prova que veio das freiras

A maioria dessas lesões ocorre em áreas do cérebro ligadas à linguagem (veja a ilustração). E os erros de linguagem às vezes denunciam muito cedo na vida de uma pessoa as chances de ela vir a desenvolver o mal. Esse fato ficou claro depois que um convento doou à Universidade do Estado do Kentucky, os cérebros conservados de 678 freiras com o objetivo de ajudar o estudo sobre Alzheimer. Constatou-se que 90% das irmãs que haviam tido a doença mostravam, aos 22 anos de idade, em redações que fizeram para ingressar na escola, habilidades lingüísticas menores do que as das colegas que morreram sadias.

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Mas as coisas não são tão simples como pode parecer. Descobrir cedo se alguém poderá vir a ter os sintomas de Alzheimer, apesar de agora possível, talvez não seja uma boa idéia. Afinal, a cura ainda não existe, nem dá para ter certeza absoluta quando o mal vai irromper, ou se vai mesmo despontar. Então, se alguém souber que tem predisposição ao mal pode acabar vítima de uma ansiedade e de uma tensão desastrosa. No limite, o que parecia um benefício pode inviabilizar o futuro do indivíduo. São informações preciosas, que interessam a uma parcela considerável da população. Os pacientes de Alzheimer já são quatro milhões, nos Estados Unidos. No Brasil, não há dados precisos, mas estima-se que a confusão mental atinge por volta de meio milhão de idosos.

Para saber mais:

Memory and Brain, Larry R. Squire, Oxford University Press, New York – Oxford, 1987.

Como e por que envelhecemos, Leonard Hayflick, Ph.D., Editora Campus, Rio de Janeiro, 1996.

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O xis da questão

Dos 100 000 genes existentes no corpo humano, três são cúmplices da doença. O mais importante mora no cromossomo 19 e os outros dois, nos cromossomos 14 e 21.

O cérebro com problema de manutenção

A história começa quando alguns genes não fazem bem suas tarefas e montam proteínas com defeito. Aí, os neurônios perdem a capacidade de pensar, degeneram e morrem.

1 – A proteína-tau tem uma função essencial nos neurônios, pois faz a manutenção dos microtúbulos, que são o “esqueleto” da célula. Só que às vezes as coisas complicam. Veja, a seguir, a seqüência de erros ligados |a essa proteína.

2 – Já se sabe que os problemas da proteína-tau podem vir de vários genes. Para entender como é isso, veja o caso de um deles, o gene chamado Apo-E, que constrói uma outra molécula, a apolipoproteína-E.

3 – Observe essa representação do gene Apo-E, que fica no cromossomo 19. É só um punhado de átomos na imensa fita que é a molécula de DNA. Mas é isso mesmo. Basta uma peça fora do lugar para o Apo-E desviar de função. Acompanhe o processo.

4 – Normalmente, o gene Apo-E constrói a apolipoproteína e ela vai para o sangue, sem problema. Mas nos pacientes de Alzheimer parece que o gene faz alguma coisa errada, pois a apolipoproteína acaba grudando na proteína-tau.

5 – Não se sabe direito o que acontece, então. O certo é que a proteína-tau fica com excesso de átomos de fósforo e isso danifica os microtúbulos. Eles ficam retorcidos e emperram todo o funcionamento dos neurônios.

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