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A ciência do cocô

Suas fezes dão indícios de como andam sua saúde e mente. Mas análises de cocô já nos levaram ainda mais longe: aos nossos antepassados.

Por Ana Prado
Atualizado em 14 jan 2019, 10h33 - Publicado em 19 nov 2012, 22h00

Estudar as fezes não é coisa de maluco. Pode servir para entender melhor a nossa saúde, a nossa mente e até mesmo o passado de toda a humanidade. Seja bem-vindo ao mundo da coprologia, a ciência que estuda o conteúdo da sua privada.

O que é isso na minha privada?
Cerca de 3/4 das fezes é água pura. Mas a proporção pode variar de acordo com a consistência. Quanto menos água tiver, mais duras elas serão. O resto é sobra de alimento, bactérias mortas e um pouco de muco do intestino grosso para facilitar a passagem.

Pequeno manual do cocô
Uma peça saudável é marrom graças à estercobilina, um pigmento escuro formado na digestão da bile – aquele fluido produzido pelo fígado que facilita a ação das enzimas que digerem as gorduras. Alterações na cor podem vir da ingestão de certos alimentos ou corantes, mas também podem indicar doenças. As principais “cores erradas” são:

Branco ou cinza
Sem a estercobilina, o cocô fica com cara de argila. Isso pode acontecer por algum problema no fígado, pâncreas ou vesícula biliar que esteja bloqueando a passagem da bile. Pode ser uma simples pedra na vesícula ou um tenebroso câncer de pâncreas.

Vermelho
Alguns alimentos, como a beterraba, dão essa cor. Mas se ela persistir pode ser sinal de que você está sangrando em algum lugar do tubo digestivo. Se for vermelho vivo, o problema é na parte final – falando reto: um sangramento anal, as famosas hemorroidas.

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Preto
Cocô preto indica sangramento na parte inicial da digestão – talvez na garganta ou estômago. Nesse caso, o sangue é digerido junto e chega preto à privada. O cheiro é importante: dizem que a coisa é tão feia que quem conhece não esquece.

Amarelo
Pode indicar gordura, o que não é bom, já que o corpo deveria absorvê-la. Assim, pode haver algo errado com o seu sistema digestivo (ou a sua dieta). E a cor é a parte menos nojenta: o cocô “gordo” cheira muito pior do que o normal e flutua (o normal é afundar).

Verde
Uma dieta com muito ferro (ou suplementos) pode deixar seu cocô com essa cor. Mas pode ser também uma infecção, como a doença de Crohn (doença em que células imuno-lógicas atacam os tecidos digestivos e provocam dor, diarreia e muco nas fezes. Écati).

Formato cilíndrico

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Esse é o formato ideal. Com uma ponta para facilitar a saída. Mas não é regra: cada pessoa tem um padrão de cor, forma e frequência. Nesse item, a variação é enorme: segundo o livro O que Seu Cocô Está Dizendo a Você, de Anish Sheth, pessoas do sul da Ásia evacuam até três vezes mais do que ocidentais. Isso acontece por causa das fibras da dieta indiana. Ou seja, cuidado com o curry.

Tipo cabrito
Típico de quem sofre de prisão de ventre (até 15% das pessoas), a forma indica que o cocô demorou para chegar ao reto e está sem água. Pode sinalizar pouca fibra na comida ou o costume de “segurar”. Sim, segurar resseca – e pode machucar na saída.

Tipo poça
O cocô na forma líquida (como na diarreia) pode ser causado por bactérias. Mas também pode ser uma irritação do intestino por causa de alimentos exóticos, a que o corpo não está acostumado. Isso agride a mucosa intestinal, e impede a absorção da água.

Tipo tripinha
Fezes finas são provavelmente apenas um sinal de que você está forçando demais e contraindo o esfíncter (a válvula que controla o abre e fecha do ânus). Mas, se isso persistir, pode ser indício de que algo está obstruindo o caminho. Vale dar uma olhada.

Arqueologia fecal
O cocô não revela informações apenas sobre quem somos hoje. Coprólitos, fezes fossilizadas, dizem muito sobre a vida dos homens do passado – de hábitos alimentares a doenças. E, por causa disso, são considerados um tesouro para arqueólogos. Os fósseis só se formam em duas condições: debaixo d´água, se a matéria orgânica do cocô for substituída por minerais, ou quando o material resseca em ambientes áridos. “Por isso, fezes de ancestrais são muito raras”, explica Eske Willerslev, biólogo evolucionista da Universidade de Copenhague. Foi graças à análise de coprólitos humanos encontrados no Oregon, nos EUA, que Willerslev fez uma descoberta importante: o homem chegou à América mil anos antes do que se imaginava. Até pouco tempo, a teoria mais aceita era a de que uma leva de migrantes saiu da Ásia, cruzou o Estreito de Bering e chegou ao Alasca há cerca de 13 mil. A partir daí, eles teriam se espalhado pelo continente. Mas a análise dos coprólitos comprovou que o material tem mais de 14 mil anos de idade – mil a mais do que as pontas de lanças mais antigas encontradas. O estudo do DNA mitocondrial das fezes fossilizadas também revelou que eles pertencem a pessoas de um genoma vindo de outra parte da Ásia, que poderiam ser os antecessores da população indígena americana atual.

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Terapia de privada
A crença de que o intestino preso pode interferir na personalidade vem da Idade Média (e se propagou depois. É só pensar em alguém “enfezado” = cheio de fezes). Mas a ciência comprovou agora que existe, sim, uma relação direta entre o nosso estado psicológico e o funcionamento intestinal. Um estudo feito na University College Cork, na Irlanda, mostrou que bactérias intestinais benéficas – os famosos lactobacilos vivos – podem influênciar o nível de estresse em ratos. Para o experimento, 16 ratos saudáveis foram alimentados com o Lactobacillus rhamnosus, encontrado em iogurtes. Outros 20 receberam um caldo sem bactérias. Resultado: o primeiro grupo ficou mais aventureiro e explorou duas vezes mais seus labirintos, sugerindo menos ansiedade. Além disso, quando foram forçados a nadar, eles também lutaram mais para não afogar. E houve diferenças na química cerebral: depois do mergulho, os ratos alimentados com as bactérias tinham metade do corticosterona (hormônio relacionado ao estresse) no sangue do que os outros. Agora só falta saber se isso também funciona com humanos. Outros trabalhos já mostraram que probióticos podem melhorar a saúde mental de pessoas com síndrome da fadiga crônica – além de melhorar a memória em humanos saudáveis.

4 cocoriosidades

Troca-troca
O transplante de cocô existe. E pode salvar vidas em caso de infecções de superbactérias, como a Clostridium difficile. Os antibióticos usados contra ela, além de serem ineficientes, matam toda a flora intestinal. Aí a estratégia é repovoar o intestino com as bactérias naturais e fazer com que elas lutem contra a Clostridium. Para isso, é só pegar 30 g de cocô de um doador, misturar com água salgada e inserir por um tubo que entra pelo nariz (ugh) e vai até o estômago do paciente.

Que sensação
É possível chegar a um estado de euforia e êxtase quando se vai ao banheiro – semelhante ao orgasmo. “A passagem das fezes no reto ativa o nervo vago, que sai do crânio e leva impulsos nervosos ao estômago e intestino delgado. Isso pode pro-vocar a diminuição dos batimentos cardíacos e do fluxo de sangue para o cérebro”, explica Anish Sheth em O que Seu Cocô Está Dizendo a Você. A sensação é de relaxamento, arrepios, tontura – e até de perda de consciência.

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Pum nosso
Só 10% dos gases vêm da fermentação do alimento. A maior parte vem da boca, quando engolimos ar sem querer ou em bebidas com gás. Os gases produzidos pelas bactérias do intestino não têm cheiro. Os alimentos é que têm. Feijão, ervilha e repolho, por exemplo, contêm rafinose, um açúcar que não digerimos e que produz muitos gases. Mas as maiores responsáveis pelo futum são as proteínas, cuja fermentação gera enxofre (!). Comer carne, meu amigo, é garantia de cheiro ruim.

PARA SABER MAIS

O que seu cocô está dizendo a você
Anish Sheth e Josh Richman, Matrix, 2008.

Fontes Orlando Ambrogini Junior, médico gastroenterologista da Unifesp. Flavio Antonio Quilici, professor da PUC Campinas e presidente da Sociedade de Gastroenterologia de São Paulo. “O que Seu Cocô Está Dizendo a Você”, de Anish Sheth e Josh Richman

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