Mulheres que mudaram a história: a filósofa Hipácia de Alexandria
A filósofa e astrônoma mais importante de uma das cidades mais cultas do Ocidente foi torturada e assassinada por um grupo de cristãos
O que foi: Filósofa, matemática e astrônoma
Onde viveu: Egito
Quando nasceu e morreu: ?-415
A turba enfurecida considerava que Hipácia era uma bruxa. Ela foi retirada de sua carruagem e levada para a Igreja Cesarión, dedicada ao imperador romano. Ali, o grupo de cristãos arrancou suas roupas e a espancou – ou, de acordo com outro relato, sua pele foi raspada com ostras. Seus membros acabaram arrancados e os restos mortais queimados. O ano era 415, e Alexandria foi declarada livre daquela pensadora pagã.
Naquele momento, a cidade era uma sombra de seu passado. Criada em 332 a.C. por Alexandre, o Grande, manteve uma biblioteca onde estudaram vários dos mais importantes sábios gregos, egípcios, hebreus e sírios. A partir do ano 115 da nossa era, uma série de guerras e incidentes abalou a capital da cultura.
CIDADE ARRASADA
A cidade onde Hipácia nasceu havia sido arrasada por um tsunami no ano 365. A biblioteca, lentamente destruída, já não abrigava nem uma fração de seus livros. Ainda assim, Alexandria se mantinha um centro de referência. E ela era a filósofa e cientista mais respeitada da região.
Nascida entre 350 e 370, ela era a única filha do matemático Téon de Alexandria. Passou os primeiros anos de sua formação em Atenas. Ao retornar para casa, tornou-se líder da escola neoplatônica.
Discutiu conceitos de aritmética, geometria e astronomia. Desenvolveu seu próprio hidrômetro e um astrolábio. Entre seus alunos havia seguidores da antiga religião greco-romana, judeus e cristãos. Mas a cidade se via dividida.
Roma, que dominava a cidade desde o século 1, estava virtualmente arrasada: a data oficial para a queda do império é 476, poucas décadas adiante. Os muçulmanos ainda não haviam dominado o Egito, o que aconteceria no ano 641.
No mundo em que Hipácia vivia, sua cidade caminhava para se tornar controlada pelo cristianismo. E ela era considerada uma ameaça por ser pagã e por ensinar filosofia grega. Quando a autoridade cristã se voltou contra o líder civil, a pensadora acabou vitimada.
PROFESSORA INFLUENTE
O bispo Cirilo de Alexandria começou a bater de frente com o prefeito Orestes, que tinha em Hipácia uma de suas mais importantes consultoras. Foi Cirilo quem armou para que um grupo de fiéis matasse a cientista e filósofa. Ele espalhou boatos de que ela fazia sacrifícios humanos.
Hipácia entrou para a história como um modelo de inteligência e de virtude – manteve-se celibatária a vida toda porque tinha o objetivo de dedicar todos os seus dias aos estudos. Recusou as investidas de vários de seus alunos que se apaixonaram por ela.
No relato do historiador Sócrates, o escolástico, do século 5, não havia mulher mais bela nem mais inteligente. Já o bispo egípcio do século 7 João de Nikiû a descreveu como uma defensora do satanismo.
Quanto a Cirilo de Alexandria, acabou sendo canonizado. Sua festa é celebrada no dia 27 de junho.
SEUS MAIORES ACERTOS
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Revisou obras clássicas
As anotações da pensadora sobre o Cânone Astronômico e as obras dos gregos Diofanto e Apolônio continuam sendo estudadas -
Formou lideranças
Ricos e cultos, seus alunos costumavam assumir altos postos de governo, tanto em Alexandria como em outras cidades egípcias, gregas e romanas -
Foi gestora
Como consultora do prefeito, Hipácia participou de decisões administrativas da cidade, algo raro para uma mulher na época
SEUS MAIORES FRACASSOS
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Subestimou o bispo
Confiante no grau de poder de seus aliados e seus alunos, a filósofa se descuidou e acabou nas mãos de um grupo violento -
Só educou homens
Hipácia era uma exceção, uma mulher que teve acesso a bons estudos. Como professora, repetiu o padrão e deu aulas exclusivamente a homens -
Não foi diplomática
A filósofa não fez nenhum esforço para que o prefeito conversasse com o bispo. Poderia ter trabalhado pela conciliação dos dois
Dica de filme
Rachel Weisz interpreta Hipácia na produção espanhola Ágora, dirigida por Alejandro Amenábar