Como funciona a lavagem cerebral forçada?
Há três tipos de lavagem. A forçada, como o nome diz, é a mais radical e eficaz
ilustra Cezar Berje
edição Felipe van Deursen
Imagine perder o controle de seus pensamentos e virar uma espécie de robô que age da forma desejada por um político, um religioso ou uma empresa. Esqueça, porém, a imagem de alguém alterando seu cérebro com choques, cirurgias ou pílulas. Não há fórmula mágica na lavagem cerebral. “Trata-se de uma aplicação de técnicas psicológicas comuns, mas em um nível muito extremo e coercitivo”, diz Kathleen Taylor, pesquisadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e autora de Brainwashing – The Science of Thought Control (“Lavagem cerebral, a ciência do controle do pensamento”, sem edição no Brasil). O conceito de lavagem cerebral remete a um termo do mandarim, “hsi-nao“, usado na meditação para definir a limpeza da mente ou do coração. Ele surgiu nos anos 1950, quando o jornalista norte-americano Edward Hunter buscava uma explicação para a súbita mudança de comportamento de soldados de seu país. Eles haviam sido reféns de chineses e norte-coreanos na Guerra da Coreia e, ao voltarem aos EUA, tornaram-se comunistas ferrenhos.
LEIA A REPORTAGEM “CÉREBROS DOMADOS”
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Na base da porrada
Há três tipos de lavagem. A forçada, como o nome diz, é a mais radical e eficaz
1. Na quebra da identidade individual, o perpetrador mergulha a pessoa em um ambiente de extrema pressão, com torturas físicas e psicológicas. A intenção é evocar sentimentos como culpa e auto-traição até que a vítima não aguente e peça ajuda
2. O algoz introduz a ideia de salvação e apresenta uma saída, sempre ligada à aceitação da nova crença (religiosa, política, ideológica etc.). Ele então manipula a pessoa a pensar que ela é a única responsável por estar ali, mas, se confessar seus “pecados”, pode “se ajudar”. Isso serve para que o torturado acredite que, apesar de tudo, ele ainda controla suas próprias ações
3. Hora de reconstruir a identidade individual. Gradativamente, a tortura é substituída por um ambiente mais amigável, em que favores são concedidos para que a sensação de bem-estar fique associada à nova crença. Mais ou menos como os adestradores de animais, que dão comida quando eles acertam um movimento
Plantando a semente
As técnicas típicas da lavagem forçada
Alternância entre mau e bomDeixa a vítima confusa, sem saber como agir para melhorar a própria situação
Ameaça física e psicológica Serve para desestabilizar a vítima e mantê-la com medo e obediente
Autoridade Domínio do agressor, que determina o que a vítima faz ou deixa de fazer
Cantos ou repetição de frasesAjuda a fixar o novo conteúdo que se quer impor
Necessidade de aprovação O agressor alternadamente pune ou recompensa atitudes similares, o que confunde a vítima
Sensação de culpa Fazer a vítima se sentir responsável por tudo que ela está sofrendo
Novos trajes Impor uma outra maneira de se vestir ajuda a quebrar a individualidade da pessoa
Falta de privacidadeAtrapalha o processamento de tudo o que está acontecendo e fragiliza a vítima
IsolamentoEvita a a influência de ideias ou opiniões que possam atrapalhar a reprogramação
Dieta e drogasA pessoa é forçada a mudar o que come e bebe e, às vezes, a se drogar. Isso deixa seu sistema nervoso mais vulnerável
Sem perguntas Permitir questionamentos incentiva o pensamento individual, algo a ser combatido
Privação de sonoQuem não descansa não raciona direito
NEM A CIA CONSEGUIU
Na Guerra Fria, a CIA investiu em um modo 100% confiável de lavagem cerebral- e falhou. As memórias das cobaias até foram apagadas, mas impor novas crenças se revelou mais difícil do que o esperado. Mesmo que se dominem os métodos apresentados aqui, não é simples manipular totalmente o cérebro de uma pessoa. É o que mostra o clássico filme Laranja Mecânica (1971), em que as convicções do protagonista (submetido à lavagem forçada) não são inteiramente manipuladas
UMA ÚLTIMA CURIOSIDADE A lavagem cerebral pode apagar a memória. Na ficção, quem sofre com isso é o Wolverine
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CONSULTORIA Kathleen Taylor, psicóloga e especialista em neurociência da Universidade de Oxford (Reino Unido) FONTES Livros Brainwashing, de Kathleen Taylor, Dark Psychology 101, de Michael Pace, Banned Mind Control Techniques Unleashed, de Daniel Smith, Thought Reform and the Psychology of Totalism, de Robert Lifton, e The Search of Manchurian Candidate, de John D. Marks