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Musaranho, o menor mamífero do mundo

Ele mede apenas 10 centímetros e, por causa do metabolismo acelerado, come sem parar: algumas horas sem comida representam a morte. Venenoso, briga com todo mundo, e é o bicho mais parecido com os primeiros mamíferos que habitaram a Terra.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 out 1992, 22h00

Marcelo Affini

Caminhar sobre as águas não é privilégio de quem faz milagres. O musaranho da espécie Sorex plustris desafia as leis da física quando atravessa um lago correndo pela superfície, sem afundar. Seu tamanho minúsculo e a espessa pelagem ajudam, mas o truque é conseguido graças à capacidade do bicho em conservar um pouco de ar por baixo dos pés, mantendo-os encurvados. Habitante da América do Norte, Europa, norte da África e oeste da Ásia, o musaranho é cheio de esquisitices — come mais que um elefante, tem o metabolismo tão rápido quanto o de um beija-flor e, tal como as cobras, envenena as vitimas de suas dentadas.De focinho pontudo, olhos miúdos, orelhas quase imperceptíveis entre os pêlos densos e dentes pequenos e afiados, esse mamífero em miniatura se alimenta principalmente de insetos, como baratas, larvas e também caramujos.

Sua vida é alvo de cientistas que estudam a evolução das espécies, pois é o animal que mais se assemelha aos primeiros mamíferos verdadeiros descendentes dos répteis mamaliformes, como o Melanodon, que viveu na América do Norte há 160 milhões de anos. Por isso, é considerado o mais primitivo dos primatas atuais.Quando nasce, pelado e de olhos fechados, o musaranho é menor que uma abelha e pesa pouco mais de 2 gramas. Se não virar comida de predadores, vive entre 1 e 2 anos. Entre as mais de cinqüenta espécies, algumas não medem mais de 2,5 centímetros, mesmo na fase adulta. Apesar de ser tão pequeno, a superfície externa de seu corpo é muito grande em relação ao volume interno, o que faz com que ele perca calor com moita facilidade. Para compensar essa perda, tudo no organismo do musaranho funciona depressa. Haja comida para sustentá-lo.

“O menor mamífero é também o mais comilão entre os quase 5 000 animais de sua classe”, afirma o biólogo Ladislau Alfons Deutsch, chefe da seção de mamíferos da Fundação Parque Zoológico de São Paulo durante dezesseis anos. O animalzinho se empanzina porque necessita de energia suficiente para gerar calor e conservar a temperatura do corpo, mantendo o metabolismo em alta velocidade. Isso exige urna respiração rápida, para que seja mantido alto e constante o suprimento de oxigênio utilizado nas reações químicas que transformam o alimento em energia. O suprimento de ar não é interrompido nem quando ele se alimenta. Batendo 1 200 vezes por minuto, o coração trabalha quase doze vezes mais rápido que o do ser humano.

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“Se compararmos o metabolismo especifico do musaranho com o de um elefante, por unidade de massa corpórea, 1 grama do musaranho consome em um dia a energia que 1 grama do elefante consumiria em um mês”, calcula o biólogo José Eduardo Wilken Bicudo, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “Pode-se dizer que, proporcionalmente, elefantes comem bem menos que musaranhos.” Os diminutos mamíferos alimentam-se sem parar — a cada três horas, engolem uma quantidade de comida equivalente ao seu peso. Algumas espécies praticamente não dormem, pois, se deixarem de se alimentar por mais de seis horas, morrem.Num laboratório da Universidade de Lausanne, na Suiça, onde está concentrado o maior número de pesquisas com musaranhos no mundo, uma equipe de cientistas descobriu que algumas espécies não são ativas 24 horas por dia, mas praticam o torpor — entram em depressão metabólica para economizar energia.

O metabolismo desacelera e a temperatura do corpo cai gradativamente, diminuindo a diferença em relação ao ambiente, o que permite a poupança de energia.Extremamente ativo, solitário e hostil, o musaranho é o baixinho invocado do reino animal. Briga com qualquer um, inclusive com seus semelhantes, até durante o acasalamento. No curto período que dura o ato sexual, a união casal de musaranhos quase sempre numa luta sangrenta, em que eles se engalfinham até a morte, quando um chega a devorar o outro. Para conquistar a fêmea, o musaranho macho emite excitados estalos e, se ela não se mostra receptiva, adverte-a com guinchos indignados. Às vezes, o assédio do macho é tanto que a fêmea perde a paciência, e desanda numa tagarelice ultra-sônica. Se o sobrevivente do amor for a fêmea, duas semanas depois nascem de quatro a dez filhotes, muito frágeis e praticamente cegos. Caso a ninhada precise mudar de toca, eles são transportados em fila indiana: um dos filhotes crava os dentes nas costas da mãe e os demais nas costas do que estiver a sua frente.

Assim, não se perdem pelo caminho.Quando um musaranho encontra um inimigo, solta uma secreção de odor repugnante. Por isso, seus principais predadores são os gaviões e as corujas, bons de olho mas ruins de nariz. Se tiver que lutar, o musaranho usa um artifício comum nos répteis: o veneno. As glândulas salivares contêm substâncias que produzem efeitos semelhantes aos de picada de cobra venenosa, e ele as utiliza para imobilizar ou matar as presas e até inimigos. A primeira descrição de envenenamento por mordida de musaranho foi feita por C. J. Maynard, em 1889, ferido na mão por um musaranho que havia segurado.Em poucos segundos, o cientista teve sensações de queimadura, inchaço e dores agudas na mão e no braço. A existência desse veneno só foi comprovada quase cinqüenta anos depois, em 1942, quando o naturalista O. P. Person realizou algumas experiências provando que o veneno causa queda da pressão sangüínea, diminuição do ritmo cardíaco e inibição respiratório. Uma mordida, porém, não é suficiente para matar urna pessoa. Essa substância tóxica geralmente não é utilizada como mecanismo de defesa, mas sim para ataque.

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Para saber mais:

Toda a vida do mundo

(SUPER número 7, ano 4)

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