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Deveria ser ilegal desperdiçar comida?

Nós produzimos mais alimentos do que o necessário, mas ainda temos milhões de brasileiros que não têm o que colocar no prato. Essa conta não bate justamente porque muitos produtos — ainda em boa qualidade — vão parar no lixo

Por Priscila Bellini
Atualizado em 7 mar 2024, 16h22 - Publicado em 3 jun 2015, 21h15

Na terra do Napoleão, uma só pessoa joga fora até 30 kg de alimento por ano. A situação ficou tão feia que o jeito foi mesmo apelar para multas e fazer pesar no bolso dos mercados. Na prática, ficou proibido encaminhar para a lata de lixo o que não for vendido, mas que ainda está em boas condições para consumo. Para isso, as saídas possíveis são instituições de caridade, a compostagem agrícola ou até o uso dos produtos para preparar ração animal.

Os brasileiros não ficam para trás em matéria de desperdício — por aqui, cerca de 26 milhões de toneladas são desperdiçadas todos os anos. É um dado alarmante, considerando que mais de 7 milhões de pessoas ainda passam fome no país. O desperdício está presente em todas as etapas da trajetória dos alimentos: desde a colheita até o prato do consumidor. O Chefe do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Celso Moretti, destacou os problemas que os produtos alimentícios sofrem no transporte. A falta de refrigeração dos alimentos, a colheita feita de modo errado e recipientes inadequados para transporte contribuem para que alimentos em perfeito estado sejam descartados. “Realizamos uma pesquisa que acompanhou o transporte de melões do Rio Grande do Norte até São Paulo. A temperatura no topo da carga chegou a 48ºC”, diz.

No Brasil, a ONG Banco de Alimentos tenta reverter o enorme desperdício: ela é uma das grandes responsáveis por atuar na distribuição da comida que seria jogada fora. “Atualmente complementamos a alimentação de mais de 21 mil pessoas por dia doando, em média, 30 mil quilos de alimentos por mês só em São Paulo”, detalha a nutricionista Marcela Correa, que trabalha no projeto. “Esses alimentos são adquiridos por meio da colheita urbana, na qual os doadores cadastrados em nosso programa cedem as sobras de comercialização que serão redistribuídas pela ONG nas instituições cadastradas no projeto.”

E há, ainda, outros motivos para o desperdício. Existe um preconceito muito grande (e infundado) contra alimentos considerados “feios”. Por falta de informação, esses alimentos são descartados mesmo estando em perfeitas condições de utilização. Sobre esse problema, Marcela comenta que, para plantar, colher e transportar os produtos, são gastos inúmeros recursos como água, petróleo e terra, aumentando a rede de desperdício.

Em 2014, alguns supermercados da França lançaram uma campanha para incentivar o consumo de frutas e legumes “feios”. O incentivo era um desconto de até 30% nos alimentos. A iniciativa foi um sucesso. Existe também em Portugal a cooperativa Fruta Feia, que trabalha diretamente com o produtor, recolhendo os produtos que seriam descartados e preparando cestas que são vendidas aos associados. Todo o lucro arrecadado é revertido para o próprio projeto. Com o slogan “Gente bonita come Fruta Feia”, a cooperativa evita semanalmente o desperdício de 2 toneladas de alimentos hortifruti.

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Outro método que evita o desperdício de comida é o aproveitamento integral de alimentos (ou AIA). Ou seja: cascas, sementes, talos, folhas e qualquer outra parte do alimento pode ser usada. Além de evitar o desperdício, essas partes não convencionais são mais ricas em nutrientes e podem render receitas gostosas (dá até pra fazer um beijinho com bagaço de beterraba). O que existe é um preconceito rodeando essa prática, já que ela é comumente associada a pessoas de renda mais baixa.

Aproveitamento completo

Mas as iniciativas para barrar o desperdício não pipocaram só no Velho Continente. No Brasil, um dos exemplos vem da lei Bom Samaritano, que altera a responsabilidade dos empresários sobre frutas, verduras e alimentos perecíveis em geral levados a instituições de caridade. Atualmente, se alguém passar mal depois de comer produtos doados, o doador pode ser responsabilizado juridicamente. Pelos novos padrões, se o doador não tiver noção sobre problemas com o alimento e quem recebê-lo não identificar nenhum estrago, fica tudo bem. Ou seja, se a pessoa que adquiriu o produto passar mal e isso não tiver nada a ver com o que o doador ofereceu, a lei não pode puni-lo por isso. A medida motivaria mais companhias a aderir aos esquemas de doações e a combater também a fome, que atinge milhões de brasileiros — ainda que nossa produção supere em 30% o necessário para abastecer todos os habitantes do país.

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