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Automóveis: As armas do ar

Contra a poluição cada vez mais assustadora nas grandes cidades, novas tecnologias entram em cena para mudar o desempenho do principal culpado: o automóvel.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h58 - Publicado em 31 out 1988, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira e Gisela Heymann

Ligar a ignição e percorrer os 4 quilômetros da praia carioca de Copacabana — que mal poderia causar um inocente passeio de carro pela avenida Atlântica? Na melhor das hipóteses, isto é, se for veículo zero e impecavelmente regulado, só nesse trajeto sairiam pelo escapamento 96 gramas de monóxido de carbono, 8,4 gramas de hidrocarbonetos e 8 gramas de óxido de nitrogênio. Ou seja, quatro a dez vezes mais do que poderia emitir um carro com equipamentos antipoluentes, como os que rodam em outros países. E. mesmo assim, dependendo de uma série de outros fatores ambientais, como topografia, direção dos ventos, clima, o resultado serão índices de poluição às vezes intoleráveis à saúde.

Pois aqueles gases de nomes complicados aos não – iniciados em Química têm efeitos ainda mais complicados sobre os seres vivos, desde atrofia em plantas até alergias, problemas respiratórios e mesmo risco de câncer em animais e homens. Como se já não bastassem as inacreditáveis estatísticas de mortandade causada por acidentes com carros no mundo inteiro—nos últimos dez anos, milhões de mortos e 300 milhões de feridos. Os Estados Unidos, em meados dos anos 60, foram os primeiros a promulgar leis para diminuir a emissão de poluentes. Japão, Austrália e Suíça fizeram o mesmo. Detalhe: na época, não havia tecnologia consagrada capaz de tal proeza.

Mas a pressão dos cidadãos sobre os governos e destes sobre a indústria serviu para acelerar o desenvolvimento de equipamentos avançados como catalisadores e controles eletrônicos de combustível, que reduzem a poluição, em alguns casos, quase a zero. Hoje em dia, tão poluídas estão as cidades do planeta que todos os países estão preocupados em fabricar tais equipamentos; afinal, circulam no mundo 400 milhões de veículos movidos a gasolina, diesel ou álcool. Destes, três em cada cem, ou 12 milhões, rodam em solo brasileiro. O Brasil, em marcha mais lenta, só agora caminha para essa tecnologia, depois de episódios de autêntica marcha à ré.

Cerca de 90 por cento da poluição nas grandes cidades brasileiras é de responsabilidade dos veículos. O mal se agrava a partir de fenômenos como a inversão térmica, quando as camadas superiores de ar tornam-se mais quentes e leves — ao invés de mais frias que as inferiores —, impedindo a circulação natural do ar e formando barreiras à dispersão dos poluentes. Daí o smog—palavra inglesa que casa smoke (fumaça) com fog (névoa), a massa tóxica cinzento-avermelhada que se avista no horizonte, em dias de sol. Não é à toa que, só no ano passado, os níveis de monóxido de carbono no ar da capital paulista ultrapassaram 400 vezes o padrão normal, de 9 ppm (partes por milhão), ou seja, mais de uma vez por dia.

Carros a gasolina emitem o dobro desse gás em relação aos carros a álcool, mas nem por isso estes são inofensivos. “Nenhum país como o Brasil tem tamanha quantidade de aldeídos na atmosfera”, compara o biólogo Hamilton Targa, que pesquisa poluentes na Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo), referindo-se às substâncias que os carros a álcool emitem quase três vezes mais em relação aos a gasolina. “Existem estudos com animais mostrando que os aldeídos alteram as células e, assim, provocam o câncer”, informa o biólogo.

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O médico Gyorgy Böhm, do Laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, diverge: “As substâncias liberadas pela gasolina são muito mais nocivas, pelo que pude observar desde 1975, quando iniciei minhas experiências”, diz ele. Mas o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), aprovado pelo governo federal há dois anos a fim de implantar os equipamentos antipoluentes nos carros nacionais, não faz distinção entre álcool e gasolina. Em parte porque as tecnologias de controle são as mesmas. Em parte porque um dos criadores do Proconve, o engenheiro paulistano Gabriel Murgel Branco, acha inútil tentar comparar dos “males qual é o pior”. E em parte pelo fato de que carros a álcool e a gasolina quase empatam como emissores de poluentes. Na verdade, estes se beneficiaram indiretamente.

“Isso se deve à tecnologia que tivemos de desenvolver para motores a álcool, que só trabalham bem quando recebem uma dose exata de combustível. Resultado: no final os automóveis a gasolina também lucraram”, explica Murgel Branco. Dosar o combustível é fundamental. Numa combustão perfeita, a combinação de combustível com o oxigênio do ar deve produzir apenas gás carbônico e vapor de água. Mas, no motor a explosão dos automóveis, concebido pelo alemão Nikolaus August Otto, há mais de cem anos, esse casamento nunca é perfeito. É verdade que apenas uma parte mínima dos gases que saem pelo escapamento são poluentes — cerca de 1 por cento, segundo a indústria automobilística, e 10 por cento, segundo a Cetesb. Mas essa quantidade proporcionalmente pequena já é um grande problema.

Quando ocorre a chamada mistura rica — em que há excesso de combustível —, parte dele fica sem reagir ou reage pela metade, formando os hidrocarbonetos e monóxido de carbono. Já quando o carburador acerta a mistura, a eficiência do motor é máxima, mas das altas temperaturas obtidas surgem os óxidos de nitrogênio. “A questão dos poluentes está sempre ligada ao desempenho dos carros. Quanto menos potência o carro necessitar, menos poluirá”, diz o engenheiro Murgel Branco. “Isso até que facilita as coisas. Se fizesse um programa que prometesse um ar melhor, nem todos se interessariam. Mas, como para ter um ar mais limpo é preciso um carro mais econômico, qualquer cidadão se interessa.”

A idéia do Proconve surgiu há – mais de dez anos, quando engenheiros da Cetesb, onde Murgel Branco é superintendente de pesquisas, começaram a testar os modelos de carros nacionais em laboratório. Os carros são colocados em rolos sobre o chão que oferecem a mesma resistência do chão das ruas. Então, simula-se o anda – e – pára do trânsito em velocidades que variam de zero a 90 quilômetros por hora, num total de 12 quilômetros. Nessa extensão, um aparelho capta os gases do escapamento, que são misturados com ar filtrado, para não se condensarem. Uma amostra é colhida em sacos plásticos e depois passada a sofisticados analisadores que medem a quantidade de cada substância presente.

Na primeira das três fases do Proconve, que entrou em vigor este ano, os novos lançamentos devem estar dentro da média de emissão dos modelos já existentes no mercado: 24 gramas de monóxido de carbono por quilômetro (quando há veículos que jogam no ar quase o dobro disso); 2,1 gramas de hidrocarbonetos (existem modelos que emitem 30 por cento mais do que isso); 2 gramas por quilômetro de óxido de nitrogênio (o valor máximo emitido por certos modelos nacionais é 10 por cento maior).

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Em junho do ano que vem, metade da produção nacional deverá sair das fábricas respeitando tais limites; em janeiro de 1990, será a produção inteira. Os carros que poluem mais do que a média precisarão ou receber equipamentos antipoluentes ou ter um motor mais bem regulado—como, aliás, prefere a indústria. Mas, daqui a quatro anos, na segunda fase do programa, certamente uma simples calibrada não conduzirá a indústria automobilística aos novos limites exigidos. Será necessário recorrer, por exemplo, à injeção eletrônica— uma espécie de computador que regula o motor a cada segundo, calculando a demanda de combustível conforme os dados captados por sensores de aceleração, de temperatura e de pressão atmosférica.

A injeção eletrônica — que ainda não foi desenvolvida para motores a álcool — economiza até 20 por cento de combustível. O mais importante, porém, é que ela prepara o carro para receber o catalisador, um equipamento capaz de reduzir a poluição em 90 por cento, mas que só funciona com motores rigorosamente regulados. O catalisador é uma espécie de filtro cilíndrico de cerâmica impregnado de metais preciosos: platina e ródio para os carros a gasolina, palácio para os carros a álcool. O cilindro, envolto por uma carapaça de ferro aluminizado ou de aço inoxidável, é colocado no escapamento, a cerca de 1 metro do motor.

A primeira vista, parece uma colméia, com uma infinidade de canais a serem atravessados pelos gases a uma temperatura de nada menos de 500 graus centígrados. “Um grama dessa cerâmica tem de 200 a 1000 metros quadrados de superfície”, contabiliza o químico Modesto Danese, que estuda o assunto no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) da USP. A cerâmica que vai para o catalisador pesa em torno de 1 quilo. Em contato com os metais, os poluentes são convertidos nos inofensivos vapor de água, nitrogênio puro e gás carbônico. Os carros que o Brasil exporta para os Estados Unidos já saem da fábrica devidamente equipados, respondendo às rigorosas exigências da legislação americana.

Recentemente, o químico Fernando Galembeck, da Universidade Estadual de Campinas, anunciou o projeto de um catalisador mais econômico: um chumaço de lã de vidro impregnado de óxido de manganês. “Por enquanto, só testamos sua eficiência em relação ao monóxido de carbono. O resultado foi 90 por cento positivo para os carros a álcool e 60 por cento para os a gasolina.” Mas, para o administrador e químico José da Silva Neves, diretor da subsidiária brasileira da multinacional Degussa da qual as montadoras importam catalisadores para os carros destinados ao exterior, o problema maior está fora do alcance desse equipamento.

“A gasolina brasileira tem chumbo na sua composição e este metal estraga qualquer catalisador em pouco tempo”, explica Neves, desalentado. De fato, a adição de chumbo parece ser o maior empecilho para o Proconve. Metal pesado que se acumula no organismo, seja qual for a dose, é usado para aumentar a eficiência da gasolina. Mais de 0,01 ml de chumbo por litro de combustível, porém, destrói o catalisador. Segundo a Petrobrás, a quantidade de chumbo acrescentado à gasolina no Brasil varia de acordo com cada refinaria.

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Isso significa que nem todos os brasileiros sofrem por igual as conseqüências dessa adição. Os paranaenses, por exemplo, consomem gasolina com 0,01 ml de chumbo por litro; os paulistas 0,42; os cariocas e os capixabas, as piores vítimas, 0,68. O limite legal é de 0,80 ml por litro. Muitos países, a começar pela União Soviética em 1959, aboliram o chumbo do combustível, por ser este também um poluente que causa incuráveis doenças no sistema nervoso e nos ossos. Nos Estados Unidos, gasolina sem chumbo é disponível desde 1974.

De forma indireta, o Proconve espera que o mesmo aconteça no Brasil, pois exige tamanha redução nos limites de emissão de poluentes, que os catalisadores, o único recurso conhecido, tornam-se inevitáveis. Apesar disso, a Petrobrás avisa que o chumbo será eliminado da gasolina apenas daqui a seis anos. Até lá, é bem provável que sejam impostas restrições ao uso do carro particular nas áreas mais atingidas pela poluição nas grandes cidades. Será para valer, então, o ensaio realizado num dia do último inverno em São Paulo, quando o centro ficou livre do transporte individual e se pôde ali, enfim, respirar um pouco de ar limpo. Se depender da população, esse veto ao uso do carro em certas circunstâncias será bem recebido. De fato, segundo uma pesquisa, 96 por cento dos paulistanos aprovaram a primeira experiência.

 

 

Para saber mais:

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O mundo de cada um

(SUPER número 4, ano 4)

 

Redomas de calor

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(SUPER número 4, ano 6)

 

Ecologia nas fábricas

(SUPER número 11, ano 6)


A vida na Terra velha

(SUPER número 6, ano 7)

 

Fábrica de precisão

(SUPER número 8, ano 6)

 

 

 

Os grandes poluentes

 

Monóxido de carbono (CO)

O que é Molécula formada por um átomo de carbono e um átomo de oxigênio

Como Age Ao combinar-se à hemoglobina do sangue nolugar do oxigênio, impede que este circule no organismo

O que provoca no Organismo Dores de cabeça, desconforto, cansaço, palpitações no coração, vertigem, diminuição dos reflexos; em ambiente fechado, mata

 

 

Óxidos de nitrogênio (NOx)

O que é Molécula formada por um átomo de nitrogênio e um ou mais átomos de oxigênio

Como Age Transforma-se em ácido ní- trico quando entra em contato com líquidos do organismo , como a lágrima

O que provoca no Organismo Irritação nos olhos, nariz, garganta e pulmões. Agrava doenças respira

 

 

Hidrocarbonetos (HC)

O que é Compostos formados por uma cadeia de átomos de carbono e hidrogênio

Como Age Não se sabe

O que provoca no Organismo Supõe-se que alguns hidrocarbonetos causem câncer

 

 

Ozônio (O3)

O que éMolécula formada por três átomos de oxigênio. Ozônio não é produzido diretamente por veículos; é uma combinação de óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos na presença de luz solar

Como Age Não se sabe

O que provoca no Organismo Irritação nas mucosas, redução na capacidade pulmonar Acredita-se que destrua enzimas e proteínas

 

 

Chumbo

O que é Metal pesado

Como Age Acumula-se no organismo

O que provoca no Organismo Saturnismo – um lento envenenamento que causa uma degeneração no sistema nervoso central e doenças nos ossos, principalmente em crianças

 

 

Aldeídos

O que é Compostos formados por uma cadeia de átomos de carbono e hidrogênio e um átomo de oxigênio

Como Age Não se sabe

O que provoca no Organismo Acredita-se que o aldeído fórmico tumores em cobaias. Sobre os efeitos no homem ainda não há informações

 

 

Material particulado

O que é Poeira e fuligem emitida -por veículos a diesel

Como Age Abaixo de 10 milionésimos de milímetro, não são retidas pelas defesas naturais do organismo (pêlos das mucosas)

O que provoca no Organismo Irritação e entupimento dos alvéolos pulmonares

 

 

 

 

 

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