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Risco à democracia nos EUA permanece

A invasão ao Capitólio completa um ano. Saiba como esse ataque fez parte de um movimento antidemocrático que ainda ameaça os americanos – e o Brasil também.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 6 jan 2022, 17h38 - Publicado em 6 jan 2022, 16h30

Este 6 de janeiro marca o primeiro aniversário de um dos episódios mais tristes e perigosos da história da democracia moderna. Foi quando uma massa de apoiadores do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, invadiu o Capitólio para tentar impedir que o Congresso americano certificasse a vitória de John Biden nas urnas. A turba de vândalos, com alguma condescendência da polícia, quebrou janelas, móveis, ameaçou violentamente congressistas e até o vice de Trump, Mike Pence. Os invasores se sentiram tão à vontade com a vista grossa dos agentes que deveriam detê-los que até tiraram selfies durante a ação. Isso até que houve conflito. E sete pessoas morreram em consequência do ataque.

Fato inédito na sólida democracia americana, a invasão foi encorajada pelo próprio Trump, que espalhava a mentira de que as eleições para presidente haveriam sido fraudadas, e que ele seria o verdadeiro vencedor. Os invasores, para a surpresa de ninguém, eram todos “trumpistas”.

Como se sabe, o ataque acabou sendo controlado, John Biden assumiu a Presidência, e o mundo civilizado respirou com alívio ao ver fora do Poder Executivo nos EUA um político de extrema-direita, xenófobo, misógino, simpático a grupos racistas, disseminador de fake news e negacionista da Covid (lembra alguém?). 

Jacob Chansley, que chamava atenção durante o ataque por usar um tipo de capacete coberto de pele de animal com chifres, foi sentenciado em novembro do ano passado a 41 meses de prisão. 

Mas, mais do que a cicatriz deixada na história americana, aquele ataque foi um marco de algo maior: um movimento antidemocrático que veio à tona com a eleição de Trump e continua colocando em risco instituições, cidadania, direitos das minorias, respeito ao resultado de eleições… todas as bases de que uma democracia depende para se manter viva. 

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A mentalidade autoritária se espalhou pelo país mais poderoso do mundo como um vírus resistente a vacinas. De acordo com o Survey Center on American Life uma organização sem fins lucrativos, dedicada a entender como as transformações políticas, tecnológicas e culturais estão mudando a vida do povo nos EUA , 36% dos americanos acham que o tradicional american way of life está desaparecendo e que é válido “ter de usar a força” para salvá-lo. Um modo de pensar muito íntimo ao que tem se tornado o Partido Republicano desde Trump nos EUA. O Washington Post noticiou que 40% dos republicanos acreditam que uma ação violenta contra o próprio governo pode ser justificável. 

O que é do jogo – e o que não é

E aí há um risco enorme à democracia. Diferentemente do cenário de pluripartidarismo do Brasil, nos EUA só dois partidos governam: o Democrata e o Republicano. Isso sim é polarização. Mas esse não é, em si, um problemão. O problema é quando um dos lados começa a adotar o culto à personalidade de um político antidemocrático, como Donald Trump. E atacar a democracia, veja bem, é diferente de ter visões distintas de mundo. 

Republicanos são, em sua maioria, contra o direito ao aborto, contra que o governo estenda o acesso aos serviços de saúde a toda a população (acreditam que a iniciativa privada deve ser soberana nessa oferta que aí é paga e, portanto, restrita a quem pode pagar) e até contra o controle de armas. Essas posições, mesmo que você discorde delas, fazem parte do jogo democrático. Melar uma eleição com base em mentiras para se manter no poder não faz parte. Ameaçar deputados violentamente não faz. Censurar a imprensa também não. Neste exato momento, políticos republicanos de diversos Estados agem para aprovar leis que mudem as regras das eleições e na prática restrinjam a ida às urnas e facilitem que o resultado seja contestado. Isso mexe com prazos para registro eleitoral, votação e contagem de votos, que eles querem cada vez mais minguados. A identificação dos eleitores na hora do voto também se tornaria mais excludente. 

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Deixar menos acessível o voto, claro, é um golpe nesse direito de todos. Quanto menor a representação popular nas eleições, mais fraca é uma democracia.

Por conta do aniversário do ataque ao Capitólio e das consequências do movimento de que essa invasão fez parte, o ex-presidente Jimmy Carter, do alto dos seus 97 anos, saiu de sua aposentadoria política para se pronunciar: “Os políticos em meu Estado natal, a Geórgia, bem como em outros, como Texas e Flórida, aumentaram a desconfiança que criaram para promulgar leis que capacitam legislaturas partidárias a intervir nos processos eleitorais”, disse. “Eles buscam vencer por qualquer meio, e muitos americanos estão sendo persuadidos a pensar e agir da mesma forma, ameaçando colapsar os alicerces de nossa segurança e democracia com velocidade estonteante.”

Ao jornal New York Times, o cientista político Steven Levitsky, autor de Como As Democracias Morrem, declarou: “Estamos em uma situação terrível na qual um dos dois partidos majoritários não está mais comprometido a jogar pelas regras democráticas.”

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Alerta para o Brasil

Uma série de evidências dá a entender que o bolsonarismo, no Brasil, não tem a mesma força que a influência de Trump, ídolo de Bolsonaro, possui nos EUA. Prova disso é a ampla adesão da população brasileira à vacinação contra a Covid, batendo de frente com o presidente daqui, que faz declarações e age contra a vacina dia sim, outro também. Por lá, a ausência dos republicanos nos locais de vacinação tem mantido alto o número de mortes por Covid, mesmo num país pleno de oferta dos melhores imunizantes contra o coronavírus. Mais uma evidência é que, nas pesquisas de intenção de voto, Jair não tem chegado a metade da porcentagem dos que declaram que votarão em seu rival político, Lula. Se a eleição fosse hoje, provavelmente o petista ganharia no primeiro turno.

Ainda assim, o risco inédito à democracia americana, muito mais madura que a nossa (lembrando que os EUA nunca tiveram uma ditadura em seus 245 anos como país independente), precisa servir de lição aos brasileiros. A perseguição do Ministério da Justiça a jornalistas críticos ao governo, a vista grossa do procurador-geral da República a óbvias delinquências do presidente, o aparelhamento de órgãos públicos com mais de 6 mil militares e os ataques de Bolsonaro ao STF e ao nosso moderno sistema eleitoral, baseado na confiável urna eletrônica, revelam que o jogo democrático por aqui não está imune a novos rompantes autoritários.

Saibamos ouvir esses alertas com a altura que eles soam aos ouvidos da democracia.

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