Revista em casa por apenas R$ 9,90/mês
Continua após publicidade

Quem inventou a ordem alfabética, e por que ela é parecida em grego?

Alpha, beta... O batismo das variantes do coronavírus é uma ótima deixa para entender a origem comum de três alfabetos: latino, grego e cirílico.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 jun 2021, 16h57 - Publicado em 1 jun 2021, 15h58

Para evitar que mutações perigosas do coronavírus sejam associadas a povos ou países, a OMS decidiu nesta segunda (31) que passará a se referir às variantes do Sars-CoV-2 por letras gregas. E a onipresença do alfabeto helênico em várias áreas da ciência – quem nunca ouviu falar em raios gama? – sempre atiça os leitores da Super: porque as letras gregas são tão parecidas com as nossas, mas não iguais? Por que seguem quase a mesma ordem?

A ideia de alfabeto surgiu apenas uma vez na história humana, por volta de 2 mil anos antes de Cristo, na região do Oriente Médio que hoje é chamada de Levante e corresponde a países como Israel, Síria, Jordânia etc. Até essa época, não existiam letras: os símbolos usados pelos outros povos que desenvolveram a escrita – como os chineses, sumérios e egípcios – representavam palavras ou no máximo sílabas, mas não sons individuais (fonemas).

Os autores do primeiro alfabeto foram os semitas, falantes de línguas parecidas com o árabe e o hebraico atuais. Esses povos existem no imaginário popular, por exemplo, na forma dos israelistas e dos povos que eles expulsam de Israel no Antigo Testamento, como os cananeus e os amaritas. Apesar da briga bíblica, a verdade é que os israelitas eram só cananeus com outras crenças. Geneticamente, eram todos semitas, e eles falavam línguas parecidas.

Outro bom exemplo de povo semita eram os fenícios. Eles estabeleceram uma próspera civilização em torno do comércio por via marítima no Mediterrâneo, e construíram cidades-estado similares às pólis gregas. Colonizaram lugares tão distantes quanto a península Ibérica e o Marrocos. Foram os fenícios que levaram sua versão aperfeiçoada do pioneiro alfabeto semítico, de navio, para a Grécia e Roma (por meio dos etruscos), onde a ideia se espalhou pelo que hoje chamamos de Ocidente.

Todos os alfabetos que existem hoje derivam, em última instância, desse ancestral comum proto-semítico. Inclusive na ordem das letras, que é um mistério. Os historiadores não sabem por os semitas listaram as letras na ordem que conhecemos, e não outra qualquer. Pode haver uma razão simbólica que se perdeu nos últimos 4 mil anos, mas essa também pode ter sido uma convenção meramente prática.

A ordem alfabética daquela época permanece quase idêntica até hoje por motivos óbvios: ela se tornou um pilar da organização do mundo, dos primeiros dicionários às bases de dados atuais. Não dá para mexer em um time que está ganhando há tanto tempo.

Continua após a publicidade

A árvore genealógica

O alfabeto hebraico e o árabe são primos mais distantes do nosso. Surgiram a partir do alfabeto aramaico, também uma língua semítica. Já os três alfabetos europeus (latino, grego e cirílico) são mais parecidos entre si, porque derivam todos da versão do alfabeto semítico usada pelos fenícios. Por causa da origem compartilhada, a ordem das letras, nesses três, é aproximadamente a mesma, com poucas modificações. Por exemplo: a segunda letra do alfabeto, o “B” latino, corresponde a “β” em grego e “Б” em cirílico. Todas têm o mesmo som.

Elas também têm um desenho muito parecido porque todas derivam da letra fenícia com som de “b”, que você vê aqui embaixo.

Quem inventou a ordem alfabética, e por que ela é parecida em grego?

 

Há uma exceção à aleatoriedade: as vogais. Elas seguem um critério, pois são distribuídas da mais aberta (A) para a mais fechada (U). Essa pontinha de organização provavelmente é crédito dos gregos, já que fenícios não usavam vogais (apenas o símbolo que daria no A estava presente no alfabeto original, mas essa é uma exceção complicada, com que não vamos incomodar o leitor).

Continua após a publicidade

Nos escritos fenícios, os sons de vogal ficavam subentendidos e não eram grafados. Como nós fazemos hoje ao escrever “vc” em vez de “você”, com o problema nada sutil de que essa também seria a grafia de “vaca”. Dá para entender os gregos, principalmente considerando que a língua deles dependia um bocado de diferenças na abertura e duração dos sons vocálicos.

A criação das vogais com a chegada dos alfabetos na Grécia ilustra algo que se repetiu muitas vezes depois:

Ao longo da história, quando uma língua precisava adaptar um alfabeto pré-existente às suas necessidades, havia muitas estratégias possíveis para contornar o problema: criar letras novas, acentos gráficos, cedilhas ou até reciclar uma letra para representar outro som. Os romanos não tinham V e W, por exemplo. Esses sons eram representados pelo U. As duas letras foram criadas só na Idade Média e foram parar no final da lista, junto de outras adições posteriores como Y e Z.

Cada língua modificou o alfabeto para suas necessidades. Há letras que algumas línguas não usam, e sons órfãos que ficam sem letras. A letra G, que é a quarta em cirílico e terceira em grego (gama), foi substituída pela letra C no alfabeto latino. Isso foi movido por mudanças fonéticas: o G e o C são articulados de maneira parecida na boca, e é comum que falantes de uma língua troquem um pelo outro de maneira sistemática ao longo de centenas de anos.

Continua após a publicidade

Mutações como essas ocorreram gradualmente. Línguas e alfabetos se transformam como seres vivos ao longo das gerações.

A origem do alfabeto

Os semitas que inventaram o alfabeto tiraram a ideia dos hieróglifos egípcios. Eles funcionavam como os kanjis (ideogramas) japoneses: cada desenho representava uma palavra inteira. Mas os egípcios também tinham símbolos para as consoantes sozinhas – para sons individuais. Ou seja: de certa forma, foram eles que realmente inventaram o alfabeto. Só não perceberam como poderiam usá-lo.

Esses símbolos para as consoantes, na verdade, eram símbolos para palavras que eram bons exemplos dessas consoantes. Imagine o seguinte: a gente não diz “B de bola” ou “C de casa” para evitar confusão no telefone? Então, na hora de criar um alfabeto, é natural que a letra B passe a ser o desenho de uma bola, e a letra C, o desenho de uma casa.

Era isso que os egípcios faziam, e foi isso que os semitas fizeram: a palavra “aleph”, que significava “boi”, começava com A, então a letra A passou a ser o desenho da cabeça de um boi. A palavra “beth”, que significava “casa”, começava com B, então a letra B passou a ser o desenho de uma casa. E foram esses os desenhos que evoluíram para se tornar as nossas letras:

Continua após a publicidade
Quem inventou a ordem alfabética, e por que ela é parecida em grego?
O aleph (letra A) no alfabeto proto-semítico. ()

 

Quem inventou a ordem alfabética, e por que ela é parecida em grego?
O aleph no alfabeto fenício, já parecido com a nossa letra A – é só girar. ()

 

 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Oferta dia dos Pais

Receba a Revista impressa em casa todo mês pelo mesmo valor da assinatura digital. E ainda tenha acesso digital completo aos sites e apps de todas as marcas Abril.

OFERTA
DIA DOS PAIS

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 9,90/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.