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Quem foi Gustav Wagner, a “Besta de Sobibor”

O nazista se refugiou no Brasil após a 2ª Guerra. Mas sua vida aqui não foi fácil: em 1978, entregou-se à polícia com medo de ser assassinado

Por Emiliano Urbim
Atualizado em 13 fev 2019, 18h19 - Publicado em 12 fev 2019, 17h25

Durante a ditadura militar, poucos civis entravam por vontade própria em um prédio do DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) de São Paulo, órgão responsável por prisões, torturas e mortes clandestinas. Foi uma surpresa, portanto, quando em 30 de maio de 1978 um senhor alto, de rosto sério e olhos azuis, se apresentou no DEOPS do Campo Belo, na capital paulista, para se entregar.

Tratava-se do austríaco Gustav Franz Wagner, oficial nazista, um dos comandantes do campo de Sobibor. Após ver seu nome divulgado na imprensa, o responsável pela morte de 200 mil pessoas temia ser assassinado. Foi o fim de 28 anos de esconderijo no Brasil.

Gustav Wagner nasceu em Viena, em 1911. Aos 20 anos, filiou-se ao partido do seu compatriota Hitler. No final da década, já fazia parte da temida SS (“Schutzstaffel”, literalmente “topa de proteção”). Durante a 2ª Guerra, coube à SS a gestão dos campos de concentração e extermínio onde morreram milhões de judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias.

O primeiro contato de Wagner com a máquina da morte nazista foi em 1940, no Centro de Eutanásia Hartheim, onde, apesar do nome, ocorriam execuções: considerados dispensáveis, milhares de doentes mentais e deficientes físicos tinham seu fim em câmaras de gás. Elogiado por sua eficiência, em 1942 ele foi enviado para Sobibor, na atual Polônia. Uma de suas funções era selecionar quais dos recém-chegados iriam para o trabalho escravo e quais morreriam nas câmaras de gás.

Wagner também era responsável por supervisionar os prisioneiros, tarefa na qual exerceu o que a filósofa Hannah Arendt chamou de “banalidade do mal”. Sádico e frio, era conhecido por açoitar prisioneiros regularmente, além de matar judeus sem razão ou restrição. “Talvez fora dali fosse civilizado, mas em Sobibor sua ânsia de matar não conhecia limites”, conta o sobrevivente Moshe Bahir no livro The Operaton Reinhard Death Camps (Os Campos de Morte da Operação Reinhard, sem edição em português), de Yitzhak Arad.

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“Eu vi ele espancar dois homens até a morte com um rifle porque não seguiram suas instruções corretamente, já que não sabiam alemão. Lembro de um jovem de 15 anos, Abraham, que ele foi acordar no dormitório, mas não ouviu seu chamado. Furioso, Gustav puxou o garoto da cama, começou a bater nele e, quando se cansou, deu um tiro na sua cara, na frente de nós todos e do irmão menor.” Atos macabros como esse fizeram com que Wagner ficasse conhecido como A Besta de Sobibor.

Vida pacata em Atibaia

Wagner não estava no campo de extermínio em 14 de outubro de 1943, data em que centenas de presos fugiram – os detentos calcularam que teriam mais chance na sua ausência. Após o levante bem-sucedido, foi determinado que o campo seria apagado do mapa. Wagner comandou a tarefa com a crueldade costumeira: judeus vieram de Treblinka para a demolição e, concluída a tarefa, foram todos mortos. O oficial da SS foi então para a Itália, encarregado dos últimos deportamentos de judeus.

Após o fim da guerra, Wagner e o seu colega Franz Stangl viveram anos na clandestinidade. Contavam com a ajuda de membros da Igreja Católica, que criaram rotas de fuga para nazistas conhecidas como “caminhos de rato”. Após uma passagem pela Síria, ambos vieram para o Estado de São Paulo.

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Wagner chegou em 12 de abril de 1950. Em 4 de dezembro daquele ano, conseguiu um passaporte brasileiro com o nome “Günter Mendel”, sua nova identidade. Casou com uma mulher que já tinha uma filha e tratou de tocar uma vida discreta em Atibaia, a 50 quilômetros de São Paulo.

Estava trabalhando como caseiro de um sítio quando foi surpreendido com a notícia de que ele havia sido reconhecido em um encontro de simpatizantes do nazismo em Itatiaia, no Rio. Era fake news, uma invenção de Simon Wiesenthal, que caçou nazistas pelo mundo, com o jornalista brasileiro Mario Chimanovitch. Ambos sabiam que Wagner estava no Brasil e, para tirá-lo da toca, resolveram provocar.

Não deu outa: a falsa reportagem de Mario saiu no Jornal do Brasil em 18 de maio de 1978: doze dias depois, Wagner se apresentava no DEOPS, onde seria preso logo depois. Seu temor era ser pego pelo Mossad, o serviço secreto israelense, que capturou vários fugitivos nazistas na América do Sul.

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O facínora contava uma história diferente: seria um burocrata. Foi preciso que um sobrevivente de Sobibor radicado em Goiânia, Stanislav Sznajner, o reconhecesse e o forçasse a confessar. Houve então um nebuloso processo jurídico, como descreve o pesquisador Felipe Cittolin Abal no livro Nazistas no Brasil e Extradição (2014). Em uma análise histórico-jurídica, ele detalha como pedidos de extradição de Alemanha Ocidental, Áustria, Israel e Polônia foram negados. Wagner acabou solto em 22 de junho de 1979.

O nazista tentou o suicídio algumas vezes na cadeia. Livre, voltou a Atibaia, onde foi encontrado morto com facadas em 3 de outubro de 1980, aos 69 anos. Há quem creia em assassinato. Antes de falecer, deu uma entrevista à BBC, na qual não demonstrou remorso por seus crimes: “Tornou-se mais um trabalho. À noite, nunca discutíamos nosso dia. A gente só bebia e jogava cartas.”

 

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