Oficina de agulhas de 4 mil anos mostra os primórdios da produção industrial na China
Quase 19 mil instrumentos de ossos foram encontrados no local, o primeiro dedicado à manufatura especializada e em grande escala do país.
Arqueólogos descobriram na China um local que servia como uma espécie de “oficina” para a produção de agulhas há quatro mil anos. Mais de 18 mil itens foram encontrados na escavação, revelando detalhes sobre os primórdios de uma produção especializada e em larga escala, uma espécie de prelúdio ao modelo industrial que se desenvolveu no país nos séculos posteriores.
A construção faz parte do sítio arqueológico de Shimao, no interior do país, que data de 2.000 a.C – justamente na transição entre o período Neolítico para a Idade do Bronze na China. O local, um dos mais antigas proto-cidades de pedra da China, foi escavado pela primeira vez em 2016 e vem sendo estudado desde então. Shimao era importante porque era uma espécie de centro urbano primitivo, bem na zona de contato entre os povos agropastoris do Planalto de Loess e os povos pastores-caçadores do Planalto Mongol.
No centro de Shimao está uma região conhecida como “monte do terraço real”, localizada em cima de uma colina natural e com paredes de pedra ao seu redor. Nessa região ficavam casas de pessoas da elite, templos, esculturas de pedras e gravuras em pedras. E, agora, sabemos que uma oficina de agulhas também existia por lá.
Quase 19 mil instrumentos feitos de pedaços de ossos foram encontrados, incluindo artefatos completos e outros ainda não finalizados. Desses, a enorme maioria – mais de 16 mil – eram agulhas de osso. Outros instrumentos incluíam coisas como pontas de flechas, colheres e objetos perfurantes.
A maioria desses itens era feita de ossos vindos de caprinos – grupo que inclui ovelhas e cabras, que eram abundantes naquela região. Por terem ossos longos e retinhos, esses bichos eram ideais para as ferramentas. Antes disso, é claro, os animais serviam como comida daquele povo, e possivelmente usados também em sacrifícios de rituais religiosos. Ou seja, eram aproveitados por completo.
Os pesquisadores acreditam que as agulhas eram utilizadas para a produção de vestimentas. Não havia um padrão específico de tamanho ou formato das ferramentas, o que, segundo a equipe, indica que elas podiam ser aplicadas em etapas diferentes da confecção de roupas, e/ou para tecidos e materiais distintos (como seda ou couro).
A prática de fabricar agulhas feitas de osso ou de pedra é bem mais antiga – as mais velhas já identificadas têm 9 mil anos e foram encontradas no Tibete, também na China. Mas, no Neolítico, essa produção era feita em pequena escala, conforme a necessidade, e não havia locais onde se concentrava todo o trabalho (como oficinas).
Já na Idade do Bronze, que começa por volta de 2 mil a.C na China, sabe-se que várias cidades asiáticas já tinham uma economia mais complexa, envolvendo a produção em grande escala de produtos e o comércio deles, incluindo em sítios arqueológicos como os de Zhengzhou, Anyang e Zhouyuan.
A peça que ficava faltando nessa história era justamente o ponto de virada: quando os chineses começaram essa produção em grande escala? E a nova oficina descoberta traz exatamente essa resposta, já que data justamente da transição entre o Neolítico e a Idade do Bronze, e é o mais antigo local de produção em massa de objetos de osso já encontrado no país asiático.
Prova disso é que Shimao possui características de ambas as eras. No Neolítico, as ferramentas eram produzidas com ossos de vários animais diferentes e não possuíam um padrão específico. Na Idade do Bronze, as agulhas costumavam ter um tamanho e formato padronizados e eram feitas a partir de uma mesma espécie animal. Na oficina descoberta, não havia um modelo, mas a matéria prima vinha de um só grupo de bicho (ovelhas e cabras).
Além da idade, o sítio arqueológico também impressiona pela grande quantidade de artefatos, indicando que a labuta ali concentrada era intensa. Provavelmente, muitos artesãos em tempo integral trabalhavam na oficina.
O fato de que a oficina ficava na região central, conhecida como “terraço real”, também intrigou cientistas. Esse local, no topo de um monte, era relacionado à elite da proto-cidade e à religião, com templos e pinturas ancestrais indicando possíveis rituais. Além disso, é possível que um palácio da nobreza também existisse por lá.
“Acredito que Shimao era um centro de peregrinação”, opina Li Min, arqueólogo da Universidade da Califórnia em Los Angeles e um dos autores do estudo. “As vestes de seda, cânhamo e pele de carneiro produzidas no monte central eram provavelmente trajes xamânicos, adornados com conchas, botões de turquesa e pequenos acessórios de cobre.”
O estudo descrevendo a descoberta foi publicado no Journal of Anthropological Archaeology.