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O Partido Nazista do Brasil

Ele pegou carona na imigração alemã, e foi a maior filial formal do grupo de apoio a Hitler fora da Alemanha, com sucursais em 17 estados brasileiros.

Por Maurício Brum
Atualizado em 8 mar 2023, 11h25 - Publicado em 23 mar 2018, 20h03

No Dia do Trabalho de 1937, personalidades da política do Rio Grande do Sul decidiram celebrar a data em meio a uma comunidade conhecida no Estado por seu empreendedorismo e dedicação – os imigrantes alemães. O presidente da Assembleia Legislativa, os comandantes da 3ª Região Militar e da polícia, e até mesmo um representante do general Flores da Cunha, então governador gaúcho, dirigiram-se ao campo do Renner, um time de futebol de Porto Alegre, para as festividades de 1º de maio.

Seria uma formalidade qualquer, mas, dentro de campo, o patriotismo alemão era exibido com bandeiras pintadas com suásticas e com o braço direito estendido ao alto para saudar um ausente Adolf Hitler. A cena parece chocante nos dias de hoje, mas, naquela época, antes do início da 2a Guerra, não causou estranheza. Membros do Partido Nazista do Brasil organizaram a cerimônia e em nenhum momento foram questionados pelas autoridades. A normalidade com que tudo aconteceu refletia uma constante no País. Em um tempo em que Getúlio Vargas flertava com ideias totalitárias, o nazismo era tolerado no Brasil. Até 1937, sucursais do partido de Hitler existiam havia quase uma década por aqui, espalhadas em 17 Estados.

O primeiro registro de um Partido Nazista em solo brasileiro é de 1928, no município de Timbó, em Santa Catarina. Logo a sede estadual se mudaria para a vizinha Blumenau, a 30 quilômetros dali, presidida por Otto Schinkel, um veterano da 1a Guerra. Na década de 1930, emissários de Hitler que passassem por Santa Catarina faziam visita obrigatória a Blumenau e às indústrias fundadas ali por alemães, como a companhia têxtil Hering. Em seus primeiros dias de Brasil, o partido não parecia diferente de outras organizações fundadas para congregar os recém-chegados da Europa e seus descendentes: era uma forma de manter a comunidade unida na nova terra.

Diferentemente de outros grupos de viés fascista dessa época, como a Ação Integralista Brasileira, os nazistas nunca tentaram se envolver na política nacional. A vocação da instituição era de aproximar o povo germânico em torno de uma mesma ideologia. Só os imigrantes alemães de primeira geração eram bem-vindos ao braço tupiniquim do Partido Nazista, que por aqui também disseminava a ideologia de superioridade racial e combate ao comunismo. Os descendentes diretos tinham espaço em outras organizações ligadas ao partido, como a Frente Alemã para o Trabalho e o Círculo da Juventude Teuto-Brasileira.

No Brasil, a estrutura era muito menos centralizada do que na Alemanha. Os núcleos formados em cada cidade se organizavam da maneira que dava e, até 1934, sequer existia uma orientação unificada para os partidos nazistas de cada Estado. Sua tática para obter poder entre os imigrantes, porém, seguia um padrão: os seguidores do Führer buscavam posições de liderança nas associações e clubes alemães que já existiam no Brasil.

Por trás dessa estratégia estavam dois conceitos: volksgemeinschaft (comunidade nacional) e volksgenosse (compatriota). Todos os alemães eram parte da primeira, mas, na visão do nacional-socialismo, só aqueles que concordassem com a ideologia do partido e aceitassem Hitler como seu líder poderiam ser vistos como volksgenosse. O que o Führer tentava, tanto na Europa quanto entre seus cidadãos emigrados, era igualar a noção da pátria alemã à do Partido Nazista – os dois deveriam ser vistos como a mesma coisa.

Pregar a superioridade racial em um país marcado pela miscigenação não era um tema fácil. No Brasil, o mito nacionalista apontava em outra direção: a força da “raça brasileira” viria da mestiçagem. Muitas vezes, a ideologia nazista original foi adaptada e suavizada.

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Por aqui, os discursos de pureza racial e contra os judeus apareciam menos do que na Europa. Isso fazia parte da estratégia internacional do nazismo para a América Latina. Cada vez mais pensando em uma futura guerra de influência com os Estados Unidos, a ordem do dia era não criar problemas demais com as autoridades locais.

Mesmo assim, o antissemitismo não deixou de cobrar seu preço em solo brasileiro: um dos casos mais famosos foi o afastamento de Robert Löw, imigrante tcheco de origem judia, da direção do Die Serra-Post, um dos mais importantes jornais em língua alemã do interior gaúcho.

Casado com uma “ariana pura”, Löw era visto como um mau exemplo para os demais imigrantes, e seu afastamento da publicação foi resultado de pressão direta do consulado alemão e de grupos nazistas locais.

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(Bruno Algarve/Superinteressante)

Na carona de Hitler

Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha em janeiro de 1933. O vácuo de poder causado pela Grande Depressão fez o então presidente Paul von Hindenburg nomeá-lo chanceler para tentar contornar a crise. Hitler, que já era um nome popular, deveria ser uma liderança “acima dos partidos”. Mas, em março, quando os nazistas conquistaram a maioria das cadeiras no Parlamento germânico, seu verdadeiro plano tornou-se claro.

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Após a morte de Hindenburg, em 1934, os nazistas proibiram qualquer oposição, ocuparam todos os cargos de poder e alçaram Hitler à condição de Führer (líder) da nação. O Partido Nazista se tornou a única organização política permitida, e a própria bandeira alemã foi abolida: o novo símbolo seria o estandarte do nacional-socialismo, vermelho com uma suástica dentro de um círculo branco ao centro.

Os nazistas brasileiros incentivaram campanhas de votação em Hitler por meio da embaixada alemã e, em alguns casos, até mesmo financiaram viagens de retorno à Alemanha para os imigrantes que apoiavam o Terceiro Reich. Ao mesmo tempo, a relação com os políticos brasileiros era de tolerância: assim como ocorria em outros lugares do mundo, o expansionismo alemão demorou para causar alarme e encontrou conivência e silêncio por parte de Vargas e outros líderes locais, simpáticos ao novo regime.

No auge, o Partido Nazista chegou a contar com mais de 2,9 mil membros no Brasil, um número pequeno frente aos 87 mil alemães natos que, segundo o Censo de 1939, viviam no País. Mas era impossível determinar o total de simpatizantes e adeptos das ideias de superioridade racial. Em geral, aqueles que efetivamente se filiaram ao partido eram adultos jovens de até 35 anos, moradores de áreas urbanas. São Paulo contou com o maior número de membros (785), seguido por Santa Catarina (528), Rio de Janeiro (447), Rio Grande do Sul (439) e Paraná (192).

Conforme os nazistas ganharam influência na Alemanha, também se estruturaram melhor pelo mundo. Seções do Partido Nazista começaram a aparecer em outros países e a ser coordenadas pela Organização para o Exterior (Auslands-Organisation, ou AO), parte do Ministério das Relações Exteriores de Hitler, que coordenava “filiais” em 83 nações.

A partir de 1934, a AO passou a exercer a direção política formal dos vários braços nazistas em solo brasileiro, ajudando a coordenar o recrutamento e a circular propaganda favorável ao Terceiro Reich, sob o comando do adido cultural da Embaixada Alemã no Rio, Hans Henning von Cossel. Apenas os grupos conectados por meio da AO eram considerados sucursais oficiais do Partido Nazista. Assim, embora houvesse coalizões nacional-socialistas mais numerosas na Europa (na Holanda, por exemplo, o movimento hitlerista teve mais de 100 mil membros), o Brasil contou com o maior Partido Nazista formal fora da Alemanha.

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A comunidade teuto-brasileira exercia importante influência econômica, principalmente no Sul. Em Porto Alegre, a lista de anunciantes do jornal Für Dritte Reich (“Pelo Terceiro Reich”) incluía várias empresas fundadas ou trazidas por imigrantes: entre elas, os Laboratórios Bayer, o Banco Alemão Transatlântico, a fábrica de tintas Renner, a Companhia de Eletricidade Siemens-Schuckert (atual Siemens) e a Viação Aérea Rio-Grandense (Varig), fundada pelo alemão Otto Ernst Meyer.

Brasil e Alemanha eram “nações amigas”. Sozinha, a Alemanha comprava cerca de 20% das exportações brasileiras. Os nazistas não queriam se indispor com as autoridades brasileiras, e a recíproca era verdadeira. Em 25 de julho de 1936, o governador gaúcho Flores da Cunha discursou: “Eu poderia, como homem de Estado, ser colocado como cego se eu não quisesse ver e reconhecer que Hitler, com sua visão de mundo nacional-socialista, salvou a Alemanha e a cultura do caos”, bradou, sob os aplausos do grande líder do nazismo em seu Estado, Walter Horning. A semente estava plantada em solo brasileiro.

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Outros grupos alemães

Organizados pelo próprio partido como órgãos de apoio, ou de forma autônoma por dissidentes, eles também mobilizaram os imigrantes alemães.

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Frente Alemã para o Trabalho: na Alemanha, ela funcionava como uma espécie de “sindicato estatal”, substituindo todas as uniões de trabalhadores que existiram antes da ascensão nazista. No Brasil, serviu como fachada para os nazistas que não queriam apoiar Hitler abertamente, e seguiu funcionando mesmo após o fechamento do partido no País.

Schützenvereine: as sociedades de tiro eram tradicionais entre os alemães do sul do Brasil. Locais de congregação da comunidade, foram das primeiras organizações que os grupos nazistas tentaram aparelhar para conquistar apoiadores para o partido.

Círculo da Juventude Teuto-Brasileira: organização para reunir os jovens filhos de imigrantes, era a versão nacional da Juventude Hitlerista.

Der Kompass: o jornal Der Kompass (“A Bússola”), de Curitiba, era publicado em língua alemã e foi um dos principais órgãos de oposição ao regime, tornando-se o veículo mais importante de questionamento às políticas de Hitler entre os imigrantes.

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