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Linguista afirma ter decifrado o misterioso manuscrito de Voynich

Mas especialistas em cultura medieval questionam validade do artigo científico – que foi publicado nesta semana e noticiado em jornais do mundo inteiro.

Por A. J. Oliveira
Atualizado em 17 Maio 2019, 11h35 - Publicado em 16 Maio 2019, 19h06

Há mais de um século, eruditos do mundo todo se debruçam sobre o enigmático Manuscrito Voynich, que data do século 15, e tentam entender o que está escrito em suas 234 páginas. Quem o descobriu foi o polonês Wilfrid Voynich, fanático por obras literárias raras que comprou o livro em 1912 durante visita à uma villa de aristocratas italianos. Desde então, criptógrafos, especialistas em linguística e até programas de computador tentam, sem sucesso, decifrá-lo. 

A cada tentativa fracassada, o texto ganhava um pouquinho mais de fama. Não demorou até que começassem a chamá-lo de o livro “mais misterioso do mundo”, ou aquele “que ninguém consegue ler”. Tanto mistério se deve ao fato de não haver pistas sobre o autor, mas sobretudo pela linguagem ser incompreensível, e o sistema de escrita, desconhecido.

Nesta semana, após tantas tentativas frustradas, um linguista britânico afirma ter desvendado o enigma. Gerard Cheshire, pesquisador da Universidade de Bristol, levou apenas duas semanas para quebrar o código que ocultava os segredos de Voynich. Em um artigo publicado no periódico Romance Studies, ele descreve em detalhes o passo a passo da investigação. 

O problema é que outros pesquisadores da área afirmam que o anúncio está repleto de sensacionalismo da parte do autor – e a própria assessoria Universidade de Bristol pediu desculpas: “Após cobertura jornalística, acadêmicos dos campos da linguística e dos estudos medievais demonstraram preocupação com a validade da pesquisa. Nós levamos tais preocupações muito a sério e, desta forma, removemos a matéria sobre esta pesquisa do nosso site.”

Cheshire afirma que este é o único exemplar conhecido da língua proto-românica: mãe de todas as línguas latinas faladas hoje. Durante o Império Romano e o início da Idade Média, só as elites falavam o latim clássico – era o idioma dos documentos oficiais e textos religiosos. Mediterrâneo afora, o povão se comunicava por meio do latim vulgar, que foi se misturando aos dialetos locais em uma espécie de “língua comum”, depois fragmentada. Tinha traços do português, espanhol, francês, italiano, romeno, catalão e galego.

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Como era a forma de se expressar da ralé, o proto-românico limitava-se quase que só à oralidade. Por sorte, freiras dominicanas usaram-no para escrever o Manuscrito Voynich em 1404 como fonte de referência para a pequena Maria de Castela, rainha de Aragão, tia avó da famosa Catarina de Aragão (primeira esposa do rei Henrique VIII, da Inglaterra).

Ou pelo menos é o que afirma Cheshire. Lisa Davis, diretora executiva da Academia de Medievalistas dos EUA, discorda, e soltou o seguinte tweet: “Desculpa, galera, ‘linguagem proto-Românica’ não existe. Isso aqui é só mais nonsense circular e aspiracional, que cumpre a si próprio.” O que ela quer dizer é que Cheshire encontrou uma maneira coerente de interpretar os símbolos do manuscrito, mas é impossível provar que essa seja a maneira correta. Há muitas interpretações possíveis.

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Cheshire diz ter vivenciado uma série de momentos eureka enquanto decifrava o código. Ele ficou incrédulo e empolgado ao perceber a relevância de sua conquista intelectual. “Não é exagero dizer que este trabalho representa um dos mais importantes desenvolvimentos até hoje em linguística românica”, afirma em comunicado. Segundo o pesquisador, o que torna o manuscrito tão peculiar é o fato de estar escrito em uma língua extinta, cujo alfabeto mistura símbolos familiares e outros nem tanto.

Não há quaisquer sinais de pontuação, indicada apenas por certas variantes nos símbolos, que também remetiam aos acentos fonéticos — a forma de se pronunciar as palavras. Além disso, todas as letras do texto são minúsculas e vogais na mesma sílaba são muito comuns: há não só ditongos (duas vogais) e tritongos (três), mas até encontros vocálicos quíntuplos!

Ao The Guardian, Kate Wiles, medievalista e chefe de redação da History Today, afirma que a cada seis meses aparece alguém dizendo que solucionou o manuscrito – e que a solução de Cheshire não é muito melhor que a média: “Ele toma liberdades com a maneira como nós entendemos o funcionamento das linguagens. Ele argumenta que o manuscrito foi escrito em uma linguagem composta de palavras de vários lugares e períodos, mas juntas elas não geram algo que seja convincente como uma linguagem funcional.”

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“Uma pessoa não pode dizer sozinha: ‘Eu decifrei!’. Toda a área de pesquisa precisa concordar.”

Ou seja: o anúncio de Cheshire quase com certeza foi precipitado. E o mistério continua valendo. Indiana Jones, precisamos de você.

 

 

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