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Estudo sobre Ilha de Páscoa põe em xeque tese de que povo rapanui fez ecocídio

Por 300 anos, acreditou-se que os nativos haviam destruído o ecossistema da ilha. Agora, novas evidências mostram que eles eram agricultores sustentáveis.

Por Eduardo Lima
21 jun 2024, 19h00

Há cerca de mil anos, um pequeno grupo de polinésios navegou pelo Pacífico até chegar a um dos lugares mais isolados do planeta Terra: a Ilha de Páscoa, originalmente chamada por eles de Rapa Nui (“ilha grande”, ainda que ela tenha só cerca de 10% do tamanho da cidade de São Paulo).

Por muito tempo, a hipótese padrão para explicar com o modo como os polinésios habitaram a ilha foi a de ecocídio: a população ficou muito grande para a área, destroçou a mata nativa, extinguiu espécies de pássaros, exauriu os solos com a agricultura…

No final das contas, os polinésios tornaram o local quase inabitável com a exploração insustentável dos recursos naturais. E essa civilização insular entrou em colapso. 

Quando os europeus chegaram, em 1772, encontraram apenas alguns poucos nativos remanescentes, bem como as estátuas cabeçudas que seus antepassados mais prósperos haviam talhado na pedra, os famosos Moais.

Agora, porém, um novo estudo de pesquisadores da Columbia Climate School, nos Estados Unidos, desafia essa versão canônica da história, que envolve superpopulação e destruição do meio ambiente.

Ciência ou eurocentrismo?

“Quando os europeus primeiro chegaram na ilha [no século 18], encontraram uma sociedade de pessoas vivendo numa paisagem rochosa e, em sua maior parte, sem árvores”, explica Dylan Davis, arqueólogo e autor principal da pesquisa. Já que era uma população pequena, a narrativa que se popularizou foi de que o povo Rapanui destruiu seu meio ambiente e teve um colapso populacional como consequência.

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O historiador Jared Diamond popularizou essa hipótese em seu livro Colapso, de 2004. Um dos principais argumentos dos defensores dessa tese era que só uma grande população, com dezenas de milhares de habitantes, conseguiria ter construído os moais, as famosas estátuas cabeçudas da Ilha de Páscoa.

Esse raciocínio, porém, não é evidência. O fato é que não se sabe exatamente como os moais foram construídos. Dizer que eles não poderiam ter sido feitos por populações pequenas é só um achismo, motivado pela ideia eurocêntrica de que outros povos não tinham condições tecnológicas de erguer grandes monumentos (vide a ideia disseminada e absurda de que as pirâmides são obra de alienígenas, não dos egípcios).

Jardins de pedra

Um apanhado de dados arqueológicos dos últimos vinte anos mostra que a realidade em Rapa Nui era bem diferente. “Há pouca, se não nenhuma, evidência de grandes populações” na ilha, conta Davis.

Uma dos indícios mais concretos para a ideia de uma superpopulação na Ilha de Páscoa era um estudo antigo que falava dos jardins de pedra na área, estimando que eles produziam comida para cerca de 17 mil pessoas. Agora, a nova pesquisa da Universidade Columbia mostrou que as áreas de plantio eram menores do que se imaginava.

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Esses jardins de pedra eram uma maneira engenhosa que os rapanui encontraram de melhorar a qualidade do solo rochoso da ilha vulcânica. Os nativos quebravam as rochas e posicionavam as peças de tamanhos diferentes diretamente na terra. 

Os pedaços de pedra pequenos continham nutrientes de origem mineral importantes para os vegetais, enquanto os grandes protegiam o solo e as plantas do vento e sal do oceano. Os habitantes da ilha usavam essa técnica para plantar batata-doce, uma das principais fontes de nutrição da dieta deles.

Ecocídio ou história de sucesso?

No estudo dirigido por Davis, os membros do time de pesquisa passaram cinco anos na ilha examinando diretamente os jardins de pedra.

Com os dados recolhidos em campo, eles treinaram uma IA de aprendizado de máquina para detectar esses plantios usando imagens de satélites que, captando raios infravermelhos curtos, conseguem revelar onde estão as áreas com mais nitrogênio e umidade do solo, características essenciais das plantações.

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Fazendo isso, eles descobriram que só 1 km² da ilha era ocupado pelos jardins de pedra, em comparação com outros estudos que estimavam até 76 km². “O total de comida que poderia ser produzido alimentaria não mais que 3 mil a 4 mil pessoas”, explica Davis. As enormes populações que se imaginava antes nunca poderiam ter existido.

“Cada vez que um estudo é feito, parece que o total de jardins de pedra diminui”, conta o pesquisador. Todas as coisas que os europeus imaginavam que exigiriam muitas pessoas para fazer, na verdade, não requeriam grandes populações, e sim cooperação.

“Rapa Nui deveria ser vista como uma história de sucesso”, argumenta Davis. Com a arqueologia contemporânea, é possível enxergar esse povo como um grupo que sobreviveu numa ilha inóspita com engenhosidade.

Eles trabalharam com os recursos naturais limitados e investiram na inovação e na cooperação, e não na exploração sem limites de seu meio ambiente. Talvez, portante, possamos aprender algumas coisas com eles. Coisas que não tem nada a ver com devastação ambiental. 

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