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E se… O Império Romano não tivesse caído?

A manutenção do sistema que levou Roma ao auge impediria boa parte dos avanços tecnológicos e sociais do Ocidente.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 set 2023, 16h08 - Publicado em 28 jan 2020, 16h28

Uma coisa engraçada acontece a caminho do fórum. Você está atrasado, dá uma corridinha e tropeça na barra da sua toga. Quase vai de nariz para o chão. As crianças escravas vendendo jornal chegam a esboçar uma risada, mas param, petrificadas, ao receber seu olhar de autoridade.

 O fórum também é a estação central da cidade. Você olha para o relógio encravado no frontão triangular da entrada (não há relógios de pulso; esqueceram de inventar). Ufa: dá tempo. Atravessando o pórtico até a plataforma, você passa pela estátua de Silvio Berlusconi, se instala no vagão e abre seu jornal com cheiro forte de tinta. Começa pela manchete: Raio de Júpiter: o mistério da eletricidade.

Um filósofo franco acaba de afirmar que a força misteriosa que surge ao atiçar âmbar com uma flanela é a mesma dos raios, como os de Júpiter.

Aí você passa a vista nos classificados: aluguel de residência em ínsula, trigésimo andar: 5 libras por ano. Será que vale a pena? Desde os motores a vapor, a água e o esgoto chegam nos últimos andares dos prédios residenciais (ínsulas). Os elevadores não caem mais tanto. A vista é incrível, mas essas moradias altas jamais terão o mesmo status do bom e velho primeiro andar.

Pois é, se Roma tivesse se mantido viva, o mundo do século 21 provavelmente seria low-tech. Não exatamente igual à Roma que caiu, claro, mas o avanço teria sido mais lento. Por paradoxal que pareça, a ordem romana centralizada, urbana, organizada e relativamente secular, em contraste com a Idade Média feudal, fragmentária, rural e religiosa, não conduziria à evolução tecnológica que conhecemos.

E a razão maior para acreditar nisso é que o Império Romano não caiu realmente: caiu a parte sediada em Roma, o Império Romano do Ocidente. A outra parte, o Império Romano do Oriente – ou Império Bizantino, ainda que esse seja um nome inventado depois – viveria mais quase mil anos. 

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Então, deixando claro, o ponto aqui é a queda do Império Romano do Ocidente, o que todo mundo costuma ter na cabeça ao falar na queda do Império Romano. Isso mudaria muita coisa, mas não como se costuma imaginar. 

A história da queda: no ano 476 d.C., o bárbaro germânico Odoacro depôs Rômulo Augusto, o último imperador romano. Seguiria-se a  “Idade das Trevas” na Europa.  Mas três coisas que ficam fora dessa história: a cidade que Odoacro conquistou era Ravena; Roma já não era a capital desde 286. O líder do Império Romano do Oriente, Zeno, reconheceu Odoacro como rei. E, finalmente, o “bárbaro” Odoacro se converteu ao cristianismo –  ou seja: aceitou a cultura local, em vez de impôr outra.

Assim, historiadores contemporâneos preferem falar mais em transformação do império do que em “queda” pura e simples. Dessa forma, se o Império Romano do Ocidente tivesse sobrevivido como estava, o impacto seria praticamente nulo. Ele já havia perdido grande parte de seu território.

No momento da queda, resumia-se à Itália, à parte sul da Península Ibérica e trechos no noroeste da África. As terras onde hoje ficam a França e a Grã-Bretanha já eram independentes, em mãos germânicas. A verdade é que Roma estava tão nas cordas que, se não caísse em 476 d.C., dificilmente duraria muito mais.

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 Mas a coisa fica mais interessante quando tentamos imaginar como a Roma poderosa do passado poderia ter sobrevivido. Para criar esse cenário, é preciso mudar algo bem antes de 476 d.C. Mais precisamente: Roma teria que se manter da forma que era um pouco antes do ano 200 d.C.

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Hoje, seríamos parte do império, pagando impostos para algum César (ou Berlusconi) sentado num trono na Cidade Eterna. (Foto Wikimidia Commons/Colagem Lucas Jatobá/Superinteressante)

A decadência de Roma começou com o fim da Pax Romana – a época do império próspero, unido e estável, com poucas guerras relevantes. O último dos imperadores dessa era foi Marco Aurélio, que reinou de 161 d.C. a 180 d.C. O que se seguiu a ele foi um período de crise econômica, tirania, usurpação e guerra civil. Essa recessão gigantesca culminaria com a divisão do império em Oriente e Ocidente, em 313 d.C.

Sem a crise pós-Marco Aurélio, o império continuaria gigantesco, estendendo-se da Península Ibérica à Palestina, e sediado em Roma. Com isso, dificilmente o cristianismo se tornaria a religião oficial. É que a religião prosperou entre as classes baixas, notoriamente os soldados, durante a crise.

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Cristãos diziam que o caos era provocado pela ira de Deus, por conta do culto às divindades romanas e aos imperadores.  Sem tal perrengue, é difícil imaginar que o cristianismo se tornaria a religião oficial do império (tanto o do Ocidente como o do Oriente, em 380 d.C.). Cristãos continuariam a existir como um grupo menor, caso não se extinguissem. O Islã, que derivou do cristianismo no século 7, talvez nem tivesse nascido.   

A paz da ignorância

Na ausência da Igreja Católica e do Islã, o mundo não seria um lugar melhor. Essas religiões criaram universidades e sistemas de educação formal. Tudo justamente na Idade das Trevas – que, vale lembrar, foi bem mais iluminada do que o nome diz. 

O mais próximo que o Império Romano teve de uma instituição de ensino foi o Mouseion de Alexandria, um grande centro de aprendizado, que incluía a famosa Biblioteca de Alexandria, e entrou em decadência no século 3.

O Mouseion era um só: os romanos aprendiam mesmo era por homeschooling. A elite pagava professores privados para dar aula em casa; a massa ensinava aos filhos o ofício da família, e pronto. Além de não fomentar a educação, Roma era obcecada pelo próprio passado –  algo pouco amigável ao progresso tecnológico. Heron de Alexandria, funcionário do Mouseion, inventou autômatos e um motor a vapor no século 1. Tudo foi visto mais ou menos como atração de parque de diversões. 

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Em impérios pré-industriais estáveis, como Roma da Pax Romana, grandes invenções surgiam e eram adotadas, mas o processo entre uma coisa e outra podia levar séculos. Entre a pólvora ser criada e o início de seu uso em armas, na China, se passaram sete séculos. 

A China era avançada, não tem segredo, dando ao mundo também a bússola, o papel, a imprensa e os concursos públicos. Mas, sendo um império estável pré-industrial, quando ela finalmente enfrentou o Ocidente numa guerra, em 1839 (a Primeira Guerra do Ópio), basicamente contava com tecnologia do século 14.

O que nos leva de volta à especulação inicial: dá para imaginar Roma com as tecnologias chinesas, já que elas chegariam ao Ocidente de um jeito ou de outro: papel, imprensa, pólvora. O motor a vapor provavelmente surgiria – já havia sido criado, como dissemos. 

Os romanos já tinham elevadores, movidos a força animal, humana ou hidráulica: se dominassem o vapor, isso permitiria não só elevadores, mas também uma rede de água pressurizada, permitindo que seus edifícios – as ínsulas, que já chegavam a nove andares – se tornassem arranha-céus.

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Só que a economia, como a do século 2, permaneceria baseada em comércio e agricultura e indústria de baixa tecnologia, movidas a trabalho escravo.

Em algum momento, os romanos chegariam à América, quem sabe já com vapor. Com seu aço, sua pólvora e seus germes, dominariam nosso continente, e hoje seríamos parte do império, pagando impostos para algum César sentado num trono na Cidade Eterna. Na ausência das grandes religiões, esse César seria visto como uma divindade.  

Em suma: tudo continuaria meio parado por mera tendência à inércia. Para não mexer em time que está ganhando. E a Pax Romana era um senhor time para a elite de Roma. Sem grandes crises, essa realidade teria se mantido. E teríamos um mundo mais estável, pacífico, desigual, retrógrado, ridículo. Não existe paz grátis.

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