A história do Apple 1, primeiro computador da Apple
Em um ano, três garotos construíram e venderam uma das engenhocas mais importantes da história da informática. Relembre o feito.
Aos 23 anos de idade, Steve Jobs valia US$ 1 milhão. Aos 25, mais de US$ 100 milhões. Nunca uma companhia, de qualquer ramo, cresceu tanto em tão pouco tempo quanto a Apple. Esse desempenho impressionante começou no campus da Universidade Stanford, em 1975.
Em um auditório do Centro de Aceleração Linear da faculdade, um grupo de nerds se reunia no Homebrew Computer Club. O criador do primeiro videogame de cartucho, Jarry Lawson, aparecia por lá sempre, assim como Jobs. Steve Wozniak não perdia um encontro, sempre com o hábito de pregar peças – ele provocava os colegas com uma placa capaz de tirar a sintonia das televisões. Quando a vítima se aproximava para arrumar a antena, eis que a imagem reaparecia.
Em certa oportunidade, o clube ficou em polvorosa: era o lançamento do Altair 8800, o primeiro computador pessoal do mundo. Muito usado como calculadora, ele era menor e mais rápido do que tudo o que existia na época. Os dois Steves ficaram malucos com a novidade. Woz já tinha um ou outro protótipo em casa e sabia que podia fazer um trabalho melhor do que a Altair, mas não pensava naquilo como um jeito de ganhar a vida. Foi Jobs quem percebeu que o momento era ideal para transformar em uma empresa o quarto vago da casa de seus pais adotivos, na avenida Crist Drive, 11161, em Los Altos.
Terceiro sócio
Para começar a empreitada, os amigos venderam tudo o que tinham: Woz, uma calculadora científica, por US$ 520, e Jobs, sua Kombi – o carro tinha um problema sério no motor e ele só recebeu metade do combinado. De toda forma, já eram US$ 1,3 mil, pouco mais do que o necessário para comprar a primeira leva de matéria-prima. Quando soube da iniciativa, Ronald Wayne, colega de Jobs na Atari e com o dobro da idade dos dois, foi convidado a participar. Tornou-se o terceiro sócio da Apple, seu rosto mais sério e confiável. Mas a experiência duraria pouco tempo.
Foi Wayne quem escreveu o primeiro contrato social da empresa. Para isso, eles precisavam de um nome. Jobs sugeriu Apple e disse aos dois que, se não apresentassem sugestões melhores até o fim do dia, o assunto estaria encerrado. Foi o que aconteceu, e Wayne se encarregou de desenhar o primeiro logotipo da companhia: a imagem de Isaac Newton sentado sob uma macieira. Em primeiro de abril de 1976, nascia oficialmente a Apple.
Woz já tinha terminado de finalizar o primeiro computador, uma caixa que funcionava como calculadora. Só faltavam clientes dispostos a pagar o preço de US$ 666,66. O primeiro seria um conhecido do Homebrew Computer Club chamado Paul Terrel. Ele estava inaugurando uma loja de computadores, a Byte Shop, e encomendou 50 máquinas. Negociou um desconto pelo lote. Ainda assim, era um bom dinheiro: US$ 500 por computador, US$ 25 mil no total. Para dar conta da demanda, a Apple foi promovida do quarto para a garagem de Paul Jobs, o pai adotivo de Steve.
Nesse meio tempo, Woz teve que resolver um problema: ele era funcionário da Hewlett-Packard e, por força de contrato, toda criação da Apple deveria pertencer a seus patrões. Ele se viu obrigado a apresentar o Apple I aos chefes. Para seu alívio, a HP não demonstrou o menor interesse. “Você diz que seu gadget é feito para as pessoas comuns”, ele ouviu. “Não temos o menor interesse em produzir computadores para elas.” Woz, que até então sonhava em trabalhar na empresa para o resto da vida, pediu as contas meses depois.
Os dois Steve, mais Wayne, Patti, irmã de Jobs, e Dan Kottke, companheiro de faculdade e de aventuras na Índia, trabalharam duro na entrega. Os não-sócios ganharam US$ 1 por placa montada. Mas o dinheiro tão esperado não veio por inteiro: Jobs se confundiu e entregou o computador pelado, sem caixa, como estava combinado – na época, se usava madeira para embalar as placas e circuitos. Terrel teve que bancar esta parte do processo, reclamou muito e fez um pagamento parcial. O amadorismo do fundador mais jovem tinha custado caro.
Em setembro, enquanto as primeiras entregas eram feitas, Ronald Wayne abandonou a empresa – vendeu sua parte, 10%, por US$ 2,3 mil. Deve ter se arrependido amargamente. Dois meses depois, um empresário apareceria na garagem dos pais de Jobs para oferecer um investimento de US$ 250 mil. Ele também ficaria incomodado com a inexperiência dos sócios.
Para o alto e avante
Em 1976, Mike Markkula era um aposentado de 34 anos. Funcionário do marketing da Intel, ele tinha vendido as ações da empresa e estava milionário. Ele propôs profissionalizar a Apple, que oficialmente surgiu em janeiro de 1977. Convenceu os dois Steve a aceitar Mike Scott como o primeiro diretor executico da nova empresa. Ex-diretor da National Semiconductor, ele já chegou cometendo uma gafe: elegeu Woz funcionário número 1. Jobs passou a se denominar o número 0.
Nessa época, Steve Jobs, já de cabelos curtos e um bigodinho no lugar da barba, convocou o publicitário Regis McKenna, da agência da propaganda da Intel, para criar o novo logotipo da Apple. Regis comprou um pacote de maçãs, cortou algumas e ficou observando as frutas por horas. Até que bolou um desenho. Jobs não gostou: queria cores e, principalmente, uma mordida – uma brincadeira com a palavra “byte” e uma forma de garantir que as pessoas não confundissem o desenho com um tomate. Junto com a identidade visual, surgiu um novo produto, o Apple II. Foi uma revolução: ele tinha tela, teclado, processador MOS Technology 6502, 4 kB de memória RAM, drive para disquete e gabinete de plástico. Mas, principalmente, era fácil de usar.
Em 1977, a empresa vendeu 2,5 mil máquinas. Em 1978, quando Jobs completou 23 anos, 8 mil. Em 1979, 35 mil. Com todas as atualizações, a máquina continuaria a ser produzida até 1993 e acumularia 6 milhões de unidades vendidas. “O Apple II criou o mercado de computadores pessoais. Foi tão marcante que, no começo dos anos 1980, Jobs tinha dezenas de concorrentes”, diz Mike Swaine, jornalista e coautor de Fire in the Valley: The Making of The Personal Computer (McGraw-Hill, 2000). Como aconteceria muitas vezes depois, a Apple ditou um padrão ao lançar uma máquina útil para qualquer pessoa. Depois que o VisiCalc, o primeiro editor de planilhas, foi lançado em 1979, a quantidade de softwares disponíveis se multiplicou.
A Apple era uma potência, e queria mais. Só que o crescimento acelerado deixou marcas profundas na empresa. O período entre 1978 e 1984 seria caracterizado por brigas internas, produtos malssucedidos e a longa gestação do Macintosh.
O roubo do artista
Para criar o Macintosh, Jobs se apropriou de um projeto da Xerox
Em 1979, Steve Jobs vendeu ações da Apple para a Xerox. Ele tinha segundas intenções. O Centro de Pesquisas de Palo Alto da empresa (PARC, sigla em inglês) ficava ali perto, mas os executivos moravam em Nova York e não entendiam o trabalho revolucionário que seus pesquisadores faziam na Califórnia. “As inovações da Xerox eram um segredo público. Os funcionários ficavam inconformados com a quantidade de iniciativas barradas na matriz e agendavam visitas guiadas pelas instalações do PARC”, diz o jornalista Mike Swaine. Como novo parceiro da empresa, o fundador da Apple agendou logo duas. Na primeira, mandou uma equipe. Na segunda, percorreu pessoalmente o local. Ali, conheceu o Xerox Alto, o primeiro computador da história com mouse e interface gráfica – mas que não seria comercializado. Jobs, que começava a buscar algo parecido, encontrou um produto pronto e não teve escrúpulos. Ele gostava de citar a máxima atribuída a Pablo Picasso, um de seus ídolos: “Bons artistas copiam, grandes artistas roubam”. Com o complemento: “E nunca tivemos vergonha de roubar grandes ideias”. Jobs foi ainda mais longe: contratou vários engenheiros da Xerox envolvidos no projeto. O Apple Lisa seria lançado em 1983 e tomaria o ineditismo do Xerox Alto. Em 1984, o Macintosh transformaria a novidade em padrão para todo o mercado. Em 1989, a Xerox processaria a Apple, sem sucesso.
Para saber mais
• Triumph of the Nerds, dir. Robert Cringely, 1996.