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A insanidade, a safadeza e o brilho por trás do sobe e desce do mercado

A flor que custava o preço de uma casa, a pizza de 100 milhões e a esquizofrenia no mercado de ações. Veja como a história da economia nos trouxe até aqui.

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 mar 2020, 14h33 - Publicado em 11 set 2019, 18h53

Era uma beleza: você aplicava o que tinha guardado para dar entrada numa casa e, em pouco tempo, já tinha o suficiente para comprar a casa. À vista. Nunca tinha sido tão fácil fazer dinheiro. Todo mundo queria entrar nessa. Tinha até gente largando o trabalho para ficar só especulando no mercado financeiro e dava certo.

Isso parece alguma coisa que você já viu. Mas trata-se de um mercado diferente: o da compra e venda de tulipas, que floresceu (rs) na Holanda do século 17. Essas flores caíram no gosto dos endinheirados da Europa logo que foram trazidas da Turquia. E os holandeses, que sabiam fazer dinheiro tão bem quanto faziam moinhos, começaram a plantá-las a rodo para abastecer esse povo.

Aí apareceu um elemento surpresa nessa história: um vírus. Quando ele contaminava uma tulipa, deixava a flor fraquinha e danificava o pigmento dela. Péssimo para a planta, ótimo para os humanos: o que era um dano para o vegetal deixava a flor mais bonita, com listras brancas, leitosas, entremeando a pigmentação da flor.

Em 1624, uma tulipa do tipo Semper Augustus custava o mesmo que uma casa em Amsterdã.

Esse vírus, porém, só atacava as plantas de vez em quando, o que tornava essa variedade um tipo raro, exclusivo. Tão exclusivo que ganhou um nome pomposo, Semper Augustus, e um preço estrondoso. Em 1624, um botão custava, em florins holandeses, o mesmo que uma casa em Amsterdã – ou, para ficar só nos artigos de nome pomposo e preço estrondoso, valia basicamente o que um Rolex Platinum Diamond Pearlmaster custa hoje: um apartamento R$ 800 mil.

Desse jeito, a Semper Augustus logo deixou de ser um mero luxo para virar simplesmente um luxo. Seu preço alto também puxou para cima a cotação das outras tulipas – a mera existência de um Rolex de R$ 800 mil faz um de R$ 30 mil parecer barato, certo? Então. Com as tulipas ordinárias foi a mesma coisa. Bastava ser tulipa que já estava bom: não faltaria gente a fim de pagar caro por qualquer uma.

Os floristas só faziam negócios na primavera, quando os bulbos (as raízes das quais nascem as tulipas) floresciam. Mas, conforme os preços foram aumentando, isso deixou de fazer sentido. Se você fosse um florista e precisasse de dinheiro no meio do inverno, meses antes de ter como vender as plantas, não teria problemas para levantar capital. Era só vender o próprio bulbo sem a flor e deixar o cliente esperando a tulipa surgir.

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Um mercado novo foi nascendo. Especuladores passaram a comprar bulbos aos montes na esperança de revender mais caro quando as flores dessem as caras.

Convenhamos, um investimento bem esperto, já que os preços não paravam de subir. Na verdade, os especuladores nem precisavam levar o bulbo para casa. Ficavam só com um contrato (um “título”, no jargão financeiro) que lhes dava direito ao dinheiro que a flor rendesse mais tarde.

Não demorou, e passaram a comercializar os próprios contratos. Quem tivesse pagado 1.200 florins 1 por um desses títulos, esperando que o bulbo subisse de preço até a primavera, às vezes preferia vender a algum interessado por 1.300 e embolsar o lucro na hora a ficar esperando. Esse outro sujeito podia encontrar alguém a fim de pagar 1.400 e vender de uma vez, levando 100 florins para casa sem fazer força.

A coisa era tão tiro certo que os mais espertos começaram a fazer um malabarismo financeiro: pegar, digamos, 1.400 florins emprestados para comprar o bulbo e vendê-lo no mesmo dia por 1.500. Isso é mais do que dinheiro fácil. É lucrar sem ter investido nada – coisa que os especuladores chamam de “alavancagem”. Um holandês qualquer que acordasse sem um tostão no bolso podia fazer o empréstimo de manhã, comprar a tulipa ao meio-dia, vender mais caro à tarde, pagar o que devia com juros e ir dormir com o lucro.

Dava para viver disso, até. E ainda dá. Tanto que os bancos fazem dinheiro exatamente assim até hoje. Eles pegam emprestado pelo menos o triplo do que têm e usam o dinheiro para investir. Depois pagam tudo e vão dormir com o lucro. O Lehman Brothers, maior banco de investimentos dos Estados Unidos até 2008, chegava a tomar empréstimos de US$ 30 bilhões para cada US$ 1 bilhão que tinha nas mãos. É como se alguém que ganha R$ 5 mil por mês hoje pegasse empréstimos de R$ 2 milhões todo ano. Pagar tudo isso e ir dormir mais rico não é para qualquer um – nem para o Lehman, que faliu, levando a economia mundial junto. Mas essa é uma história para o capítulo 13 deste livro.

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Por enquanto, vamos voltar a falar de flores. A especulação com os bulbos de tulipa crescia, e o preço ia na mesma toada. No auge do boom, em 1636, a Semper Augustus subiu 300%, de 2 mil para 6 mil florins. Com as flores menos caras, foi mais ainda. A tulipa do tipo Gouda, mais comum, subiu de 20 para 225 florins – mais de 1.125%.

O mercado das tulipas tinha pegado fogo: se você adquiria um título de bulbo, pelo preço que fosse, sempre aparecia alguém para comprá-lo por um valor maior. Só que fogo não é eterno, posto que é chama. “Mas que seja infinito enquanto dure”, torciam os especuladores. Não foi.

O mercado das tulipas tinha pegado fogo: se você adquiria um título de bulbo, pelo preço que fosse, sempre aparecia alguém para comprá-lo por um valor maior. Só que fogo não é eterno, posto que é chama. “Mas que seja infinito enquanto dure”, torciam os especuladores. Não foi.

Esse mercado só se sustentaria se os preços continuassem subindo para sempre.

Mas os valores ali já não tinham mais nada a ver com a demanda pelas flores como artigos de luxo. Não havia tantos nobres dispostos a gastar o preço de uma mansão numa florzinha para mostrar aos amigos. A quantidade de gente assim é um recurso finito. Àquela altura, não havia mais um consumidor final para valer.

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As pessoas só compravam os títulos por valores extorsivos na esperança de que surgisse alguém “mais otário” lá na frente disposto a pagar mais ainda por eles.

Mas otários também são um recurso finito. Uma hora começaram a faltar compradores. Para piorar, descobriram um monte de fraudes: floristas estavam vendendo mais contratos do que a quantidade de bulbos que tinham em estoque. Era como imprimir dinheiro falso. Outra: ninguém sabia que o responsável pela existência da Semper Augustus era um vírus (nem se fazia ideia do que era um vírus, já que a vida microscópica era desconhecida na época).

Se o vírus não infectasse o bulbo, nascia uma tulipa normal. E o investidor via que tinha comprado gato por lebre. Quando tudo isso veio à tona, a desconfiança reinou. E o mercado minguou. De vez. Quem tinha vendido casa e carruagem para investir no dinheiro fácil das tulipas se viu com as calças na mão de uma hora para a outra. Os contratos tinham virado “títulos podres”, como dizem os economistas. Não valiam mais nada.

 A pizza de US$ 100 milhões

Quando saiu a primeira edição deste livro, em 2011, a mania das tulipas estava prestes a completar quatrocentos anos no posto de evento mais insólito da história da economia. O que ninguém esperava era que ela perderia esse posto para outro evento: a mania do bitcoin.

Um caso particular ilustra bem o que aconteceu. Em 2010, um certo Laszlo Hanyecz, um programador americano de ascendência húngara, fez aquela que é considerada como a primeira transação comercial envolvendo bitcoins. Comprou pizza.

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Não de uma pizzaria, mas de um amigo, Jeremy Sturdivant. Jeremy topou pagar duas pizzas a serem entregues na casa de Laszlo em troca de 10 mil bitcoins – que na época não tinham valor nenhum, por pura falta de gente interessada. Sete anos depois, no final de 2017, 10 mil bitcoins valiam US$ 200 milhões. Ou seja: cada pizza saiu pelo preço de um Boeing 737.

O maior pico do bitcoin antes desse de 2017 tinha acontecido no final de 2013, quando ele chegou a US$ 1.000. Depois veio uma queda lenta e constante, e a criptomoeda passou a maior parte de 2015 relativamente estável, com um preço médio de US$ 250.

No ano seguinte a escalada começou de novo, e no início de 2017 o bitcoin já tinha quadruplicado de valor, voltando ao patamar de mil dólares. Aí a porteira abriu de vez. Uma manada de investidores entrou na onda, e o preço subiu até desaparecer de vista. No meio do ano estava a US$ 2.500. Em setembro, US$ 4.500. E tocou para foi US$ 8.000 em novembro de 2017.

E sim: também não havia “consumidor final” aí – até porque um bitcoin é algo até mais abstrato que uma flor, como vamos ver mais adiante neste livro. Cada comprador de bitcoin, então, estava só esperando que houvesse alguém “mais otário” lá na frente. Pagava caro na esperança de que amanhã haveria gente a fim de desembolsar ainda mais pela coisa. Como a esperança, naquele momento, era universal e tendia ao infinito, o mercado pegou fogo. Era a mais completa reencarnação da mania das tulipas.

Sem exagero. Lá atrás, um bulbo de Gouda subiu de 20 para 225 florins em questão de meses, certo? Bom, 20 florins era mais ou menos o equivalente a um mês do salário médio da época. Quem tinha comprado a coisa pelo equivalente a um mês de salário, então, podia vender agora por um ano de salário. Com o bitcoin foi a mesma coisa. Em outubro de 2016, ele valia um mês do salário médio brasileiro da época (R$ 2.230).

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Claro que o preço do bitcoin não tem a ver com a média salarial do Brasil, mas vale a comparação para entendermos o grau de “tulipagem” da criptomoeda. E o fato é que, no dia 19 de novembro de 2017 ela chegou a R$ 26.400. Doze meses do nosso salário médio. Igual à Gouda – com uma diferença: enquanto esse foi o auge dessa variedade de tulipa, o bitcoin seguiu subindo. No dia 17 de dezembro de 2017, bateu em quase R$ 70 mil. Isso dá 3.300% em pouco mais de um ano. E rendeu ao bitcoin o título de maior bolha da história da humanidade – que você vê em detalhes no capítulo 14.

O mercado de ações

A insanidade, de qualquer forma, não está restrita a histórias que beiram o folclore. O mundo dos investimentos convencionais também é bipolar. Também vive entre euforias e depressões.

Na bolsa de valores brasileira, por exemplo, os primeiros anos do deste século

foram tão animados quanto o início da mania das tulipas. Inclusive, boa parte das ações subiu tanto quanto as flores de trezentos anos atrás. Sem exagero, nos três anos anteriores à crise de 2008, os papeis da Vale se valorizaram quase tanto quanto a Semper Augustus nos três anos de pico da bolha holandesa: 200%. Os da Gerdau foram no mesmo pique das tulipas Gouda: 1.000%.

Quem separou R$ 50 mil do FGTS para investir nisso, por exemplo, chegou a ter mais de R$ 500 mil na conta em 2008 – e fazendo menos esforço do que se tivesse ganhado esse dinheiro no Big Brother; ou na Holanda do século 17.

E a onda não afetou só quem operava diretamente na bolsa. As 312 mil pessoas que optaram por deixar uma parte de seus fundos de garantia em ações da Petrobras quando o governo criou esse programa, em 2000, viram seu dinheiro dar cria. Quem separou R$ 50 mil do FGTS para investir nisso, por exemplo, chegou a ter mais de R$ 500 mil na conta em 2008 – e fazendo menos esforço do que se tivesse ganhado esse dinheiro no Big Brother; ou na Holanda do século 17.

A diferença é que esse não foi um jogo entre malandros e otários. Os lucros dessas empresas estavam subindo no mesmo ritmo que o preço das ações – às vezes até mais rápido. Isso deixa tudo mais concreto.

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(Raul Aguiar/Superinteressante)

Se você tem uma ação da Vale, por exemplo, significa que é dono de 0,2 bilionésimo da empresa. Como proprietário de uma parte da mineradora, você tem direito a um pedaço dos lucros dela – os “dividendos”, no jargão financeiro. E esse dinheiro pinga na sua conta de tempos em tempos. É para isso que serve uma ação: pagar dividendos.

Se os lucros estão altos, o dinheiro que entra para você também é alto. Ter esses papéis nas mãos é um bom negócio quando a empresa é lucrativa. Tão bom que outras pessoas vão querer comprá-los de você para ficar com o direito de receber um naco dos lucros da companhia. Aí é a lei da oferta e da procura: se muita gente está interessada nelas, o preço sobe. E você pode vender na bolsa por mais do que pagou. Básico.

É para isso também que serve uma ação – lucrar sobre as expectativas dos outros. Quem compra, em tese, é um sujeito interessado em ficar com o papel para que a grana dos dividendos caia na conta dele. Mas, como tem muita gente nesse mercado, na prática o comprador típico é alguém que só espera vender a ação por um preço maior no futuro, igual ao mercado de tulipas lá de trás, ou no de criptomoedas de agora.

A evolução da Bovespa

Em 2001, o valor das cinco maiores empresas do Brasil juntas era de US$ 68 bilhões (em dólares de 2019, corrigidos pela inflação americana). Em 2019, só a quinta colocada já valia quase isso. E a soma das top 5 passava dos US$ 400 bilhões.

Top 5 na Bovespa em 2001

1. Petrobras: US$ 24,3 bilhões
2. Vale: US$ 8,8 bilhões
3. Itaú: US$ 8,6 bilhões
4. Ambev: US$ 7,8 bilhões
5. Eletrobrás: US$ 7,6 bilhões

Top 5 na Bovespa em 2019

1. Petrobras: US$ 100 bilhões
2. Itaú: US$ 95 bilhões
3. Ambev: US$ 78 bilhões
4. Bradesco: US$ 77 bilhões
5. Vale: US$ 67 bilhões

Os ganhos entre a compra e a venda de uma ação podem ser tão grandes que, na prática, a bolsa gira em torno disso. Quase todo mundo que compra papéis faz isso esperança de vendê-los por mais dinheiro um dia. E os dividendos acabam vistos como meros adicionais, só um dinheirinho que chega de vez em quando. O que vale mesmo é a expectativa de vender as ações por um valor duas, três, dez vezes maior. Mas isso é uma inversão de valores que só atrapalha na hora de entender a lógica do mercado acionário.

Para começar, o que faz o preço de uma ação subir? O óbvio: quanto mais pessoas estiverem interessadas no papel, mais caro ele vai ficar no mercado. Normal. Mas o que faz com que muita gente decida comprar ações de alguma empresa em especial, levando o preço lá para cima? O potencial de lucros dessa empresa. Quanto mais a companhia faturar, maior será a capacidade de ela pagar dividendos polpudos.

 Ou seja, os dividendos não são meros extras. Eles formam a essência do mercado financeiro. Se existe a expectativa de que uma empresa vai dar mais lucros, de que vai pagar dividendos melhores lá na frente, mais investidores correrão para as ações dela. E o preço vai subir.

Mas tem um problema aí: expectativa é só expectativa. Ninguém tem como dizer se uma empresa vai dar mais ou menos lucro no futuro. E, se ela começar a viver no prejuízo e acabar falindo, o destino das ações será o mesmo dos títulos de tulipas: não valer mais nada.

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(Raul Aguiar/Superinteressante)

É por causa dessa incerteza que o mercado financeiro está cheio de analistas pagos para estudar a saúde financeira das empresas. Eles fuçam os balanços e escarafuncham o mercado em busca de indícios sobre a capacidade de uma companhia continuar dando lucro. Mas não é o suficiente.

Por exemplo, você compraria ações de uma empresa que aumentou seu faturamento de US$ 13 bilhões para US$ 100 bilhões em cinco anos? Para completar, imagine que essa mesma companhia ainda afirmasse por A mais B que iria dobrar esses US$ 100 bilhões logo ali, no ano seguinte. Adicione o fato de que ela já era tão grande e aparentemente segura como uma Vale da vida. Não comprar ações de uma empresa dessas seria rasgar dinheiro.

E essa companhia existiu de fato: era a Enron, a maior distribuidora de energia elétrica dos EUA no fim do século 20. Depois de quase multiplicar seu faturamento por dez, ela foi para a confortável posição de segunda companhia que mais faturava no mundo, atrás apenas da Exxon Mobil, a maior petroleira da Terra.

Não podia haver investimento mais seguro. Era a empresa responsável por iluminar boa parte do território da maior economia do mundo. Para a Enron deixar de ganhar, só se os americanos abdicassem da eletricidade para viver sob luz de velas.

Por isso mesmo, as companhias de energia elétrica geralmente são garantia de um fluxo constante de dividendos. Um negócio quase sem risco. Tanto que, em épocas de vacas magras, muita gente corre para as ações delas – enquanto a Bovespa derretia na crise de 2008, por exemplo, os papéis de várias empresas dessa área ficaram imunes.

Mas claro: se fosse só por isso, todo mundo só compraria ação de companhia de energia elétrica. Mas tem uma questão aí. Se, por um lado, essas ações garantem dividendos faça chuva ou faça sol na economia, por outro, elas dificilmente sobem grande coisa. O potencial de lucro dessas empresas está restrito ao consumo de energia das pessoas. E isso nunca dá grandes saltos de uma hora para a outra. Então, as expectativas de lucro nunca batem no teto. Ficam sempre ali, numa zona morna.

E o preço das ações nunca sobe um absurdo do dia para a noite. Se você tem papéis da Petrobras, por exemplo, e ela anuncia que o pré-sal tem o dobro do petróleo previsto, o potencial de lucro dela vai para a estratosfera, e o preço das ações sobe junto. Com uma empresa de energia elétrica é virtualmente impossível acontecer algo assim.

E é isso o que torna o caso da Enron especial. Se uma elétrica desse porte começa a apresentar lucros absurdos, é o mundo perfeito: uma ação com um potencial enorme de subir e que não tem como descer. Era bom demais para ser verdade. Mas era verdade.

Aí não deu outra: as ações dispararam. Para variar, quase naquele ritmo da Semper Augustus, a rainha das tulipas: 200% em três anos – entre 1999 e 2001, a ação da Enron foi de US$ 30 para US$ 90.

Bom para os investidores que compraram essas ações na bolsa; melhor ainda para os executivos da Enron. Eles ganhavam toneladas desses papéis de graça, como parte de seus bônus anuais. Um prêmio merecido, diga-se, se você levar em conta que a Enron recebeu o Prêmio de Empresa mais Inovadora da América, da revista Fortune, por seis anos consecutivos.

Depois que o preço dos papéis triplicou, alguns executivos fizeram o que qualquer um faria: venderam as centenas de milhares de ações que tinham ganhado de bônus, embolsaram o lucro todo e saíram para curtir a vida. Um deles foi Lou Pai, um americano de origem chinesa.

Aos 52 anos, ele controlava uma das divisões da Enron e resolveu se aposentar. Lou conseguiu US$ 268 milhões numa tacada só e foi viver tranquilo numa fazenda de 310 km 2 no Colorado – a segunda maior propriedade daquele estado. Também tinha uma menorzinha, no Texas, para abrigar seu haras.

Um fim de carreira mais do que feliz. Só que a história estava longe de acabar.

Para quem tinha comprado ações da Enron, ela estava apenas começando. Pouco mais de um ano depois de o valor de cada ação ter chegado a US$ 90, a Enron estava falida. E quem tinha apostado suas economias nela também. Perda total. Um investimento que deveria ser à prova de risco − e que já tinha enriquecido muita gente − se mostrava furado. O que aconteceu?

Um crime. Os executivos estavam mentindo sobre os lucros. Eles colocavam valores falsos nos balanços para garantir seus próprios ganhos, na forma de bônus pelo bom desempenho da companhia. Uma hora, porém, as autoridades que fiscalizam empresas com ações na bolsa acabaram descobrindo as fraudes. Refizeram, então, os balanços e constataram que a Enron estava dando prejuízo.

A notícia se espalhou, e as ações despencaram para perto de zero. E em questão de meses foram a zero mesmo: a Enron entrou com um pedido de falência. A tulipa estava morta. Esse foi um caso extremo em que uma mentira estava por trás da escalada nos preços das ações. E que terminou com a empresa fechando as portas. Mas o mercado vive situações parecidas o tempo todo. Não precisa haver uma fraude para que uma ação suba a um valor muito maior do que deveria. Basta que as expectativas sobre os lucros que ela possa dar no futuro sejam exageradas.

Na maioria das vezes, inclusive, a irracionalidade reina não só em relação a uma única empresa, mas no mercado inteiro. Centenas de companhias diferentes podem ver o preço de suas ações subir ao mesmo tempo por conta de expectativas fora da realidade. Se houver uma esperança muito grande de que a economia vá crescer, por exemplo, isso vai se refletir no mercado acionário.

 Claro: uma boa economia oferece mais empregos. Mais empregos = mais consumidores. Mais consumidores = mais possibilidades de lucro para as empresas. Aí as ações sobem e… Opa! Espera um pouco. Primeiro, o que significa exatamente uma “boa economia”? Segundo: um mundo com muito emprego, muito consumo e muito lucro para muita gente é causa ou consequência de “uma boa economia”? A resposta é uma só: “Sim”.

Um mundo ok é causa e consequência de uma economia nos trinques. Mas, para entender exatamente o que essa resposta quer dizer, você precisa compreender outra coisa: o que é o dinheiro. E isso os chimpanzés podem explicar. No próximo capítulo, vamos ver o que eles têm a dizer.

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*Esta é uma adaptação do primeiro capítulo do livro abaixo. O autor, Alexandre Versignassi, é diretor de redação da SUPER.

Crash: Uma Breve História da Economia – Da Grécia Antiga ao Século 21

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