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Códigos secretos

Contas, equações, gráficos e tabelas: para alguns estudiosos, essa é a única maneira de decifrar os mistérios escondidos na Torá. Usando as antigas técnicas de numerologia judaica, seria possível desvendar segredos históricos e entrar em contato com a sabedoria divina.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h36 - Publicado em 19 mar 2011, 22h00

Texto Wilson Weigl

Quem pretende estudar a fundo a cabala corre o risco de tropeçar em uma série de tabelas e códigos aparentemente indecifráveis. São sequências intermináveis de números e letras hebraicas, equações complexas, diagramas e gráficos de todos os tipos. Bom, diria você, se Deus queria revelar seus mistérios aos homens, não poderia ter facilitado um pouco as coisas? Aparentemente, não. Na verdade, o que acontece é o inverso disso. Para penetrar nos mistérios da cabala, é necessário um bocado de tempo, estudo e… bons conhecimentos de matemática.

Explica-se: uma das principais fontes de ensinamentos da cabala é a Torá, a bíblia judaica. Acontece que não basta estudar o texto com atenção, buscando todas as camadas de significado contidas ali. É preciso ir além, fazendo uso da guematria, ou numerologia judaica. Segundo os cabalistas, a principal chave para desvendar os mistérios divinos estaria na combinação das letras do alfabeto hebraico com determinados números. “Do ponto de vista da religião judaica, tudo o que existe, existiu ou vai existir está na Torá. A guematria é uma ferramenta que possibilita decifrar esse conhecimento infinito contido nos textos”, explica David Zumerkorn, professor do Centro de Cultura Judaica e autor de um dos poucos livros disponíveis sobre guematria em português, Numerologia Judaica e Seus Mistérios (Editora Maayanot).

Não é de espantar que as letras hebraicas estejam na base da guematria. Afinal, na visão dos cabalistas, Deus criou o mundo usando as 22 letras do alfabeto hebraico – é o que diz o Sefer Yitizirah, ou Livro da Criação, uma das obras fundamentais dessa corrente mística. Vistas dessa maneira, as letras são muito mais do que simples rabiscos no papel: são representações gráficas das 22 energias primárias que, combinadas, originaram o mundo. “O Gênese já dizia que o verbo divino foi o instrumento da Criação: Deus disse ‘Haja luz’, e houve luz. A novidade do Sefer Yitizirah é especular em detalhes como Deus combinou essas letras”, diz o pesquisador Daniel C. Matt no livro O Essencial da Cabala.

Para efetuar os cálculos, a numerologia judaica atribui um valor numérico a cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico: as primeiras 9 valem de 1 a 9; as 9 seguintes, de 10 a 90; e as restantes, 100, 200, 300 e 400 (veja tabela na página ao lado). Por meio de diversos tipos de operações matemáticas (como somatórias, divisões e elevações ao quadrado, entre outras), obtêm-se surpreendentes revelações sobre o significado de nomes, palavras e versículos inscritos na bíblia judaica. Mas, em termos práticos, para que serviria esse conhecimento? “A Torá encerra uma sabedoria infinita e enciclopédica que se aplica a todas as áreas da existência. É um guia para viver com amor, paz e harmonia”, afirma Zumerkorn. “Da mesma forma que precisamos de um telescópio para observar as estrelas ou um microscópio para enxergar uma bactéria, a guematria permite acessar esse conhecimento que não está visível a olho nu.”

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Fatos históricos

Para ter acesso a tanta sabedoria, é preciso explorar as mais variadas combinações entre as 304 803 letras impressas na Torá. Não é à toa que, hoje em dia, muitos estudiosos recorrem a programas de computador para fazer isso. Os cálculos trazem resultados surpreendentes: segundo alguns cabalistas, é possível encontrar referências a fatos históricos como o Holocausto e o assassinato do presidente de Israel, Yitzhak Rabin, em 1995. Outros usam a numerologia para reinterpretar antigas histórias das escrituras, como aquela em que Deus teria ordenado a morte dos habitantes da nação inimiga Amalek. Segundo a cabala, a palavra Amalek teria o mesmo valor numérico que a palavra “incerteza”, em hebraico. Daí que a ordem de Deus não seria para matar os inimigos, mas sim as incertezas.

Uma das técnicas usadas pela numerologia judaica é a Sequência Alfabética Equidistante (SAE). Por esse método, o leitor deve “saltar” letras a distâncias previamente determinadas, formando assim novas palavras. O mais incrível é que costuma dar certo. Em seus estudos, Zumerkorn descobriu que, se você saltar de 50 em 50 letras, dentro do texto bíblico, vai encontrar a palavra Torá 32 vezes. O número 32 é um dos mais importantes dentro da tradição do judaísmo, já que é o resultado da soma das 22 letras hebraicas com as dez sefirot (“esferas”) da Árvore da Vida. Para os estudiosos, nada está ali por acaso: cada letra tem uma posição única e especial. “Se eventualmente uma letra se apagasse ou se fundisse com outra, todo o texto perderia sua santidade e seus mistérios ocultos”, diz o estudioso.

A interpretação da Torá segundo a guematria foi difundida pela primeira vez por mestres citados na Mishná (uma das obras fundamentais do judaísmo rabínico), que viveram entre os anos 100 e 200. Mais tarde, a técnica seria muito usada na Idade Média, quando alcançaria círculos fora do judaísmo. Com a crescente popularização da cabala, nos séculos 16 e 17, cada vez mais estudiosos se dedicaram a decifrar os códigos numéricos. Por fim, nas últimas décadas, a numerologia judaica foi apropriada pela chamada cabala pop, ganhando um forte caráter de autoajuda.

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Exemplos de aplicações práticas da guematria não faltam. Segundo os defensores da cabala pop, a energia irradiada pelas 22 forças universais da Criação poderia ser usada para resolver problemas cotidianos: para isso, bastaria passar as mãos sobre as letras hebraicas. Yehuda Berg, um dos nomes mais conhecidos da cabala moderna, fez sucesso com um livro que prometia curar doenças usando os 72 nomes de Deus (veja boxe na página anterior). Também há quem aproxime a numerologia judaica da ocidental, usando seus cálculos para determinar as características de uma pessoa por meio da análise do nome. Uma diferença crucial entre os dois métodos é que a guematria leva em conta não apenas o número do nome do indivíduo mas também o de sua mãe. Mas não esqueça: antes de fazer a soma, é preciso fazer a transliteração dos nomes para o hebraico.

Todas essas aplicações, porém, são minúsculas se comparadas às possibilidades infinitas de interpretação da Torá. Segundo Zumerkorn, os mistérios da bíblia judaica estão longe de ser totalmente elucidados. “Ainda há muito o que estudar, mas está tudo ali, disponível”, diz o cabalista, que traça um paralelo entre o conhecimento da Torá e as grandes invenções humanas. “Veja o que aconteceu com a roda, a eletricidade e os antibióticos, por exemplo. A informação que propiciou a descoberta sempre esteve ali, oculta. Até que finalmente alguém a acessou”, diz. “Tudo o que a humanidade precisa saber está na Torá. Se alguém não encontra o que procura, é porque não soube achar”, diz.


DEUS TEM MUITOS NOMES

Nas escrituras sagradas dos judeus, encontram-se 72 nomes para o Criador, formados pela combinação de 3 letras (na gravura acima, os nomes aparecem em 72 línguas diferentes). “Cada um deles expressa um atributo ou qualidade da natureza divina”, explica David Zumerkorn. A origem dos nomes estaria no capítulo 14 do Livro do Êxodo, que descreve o momento em que Deus abriu o mar Vermelho para a passagem dos judeus. Os 3 versículos que contam o fenômeno – 19, 20 e 21 – têm 72 letras cada um. Para obter o primeiro nome de Deus, junta-se a primeira letra do versículo 19, a última do 20 e a primeira do 21. Consegue-se a segunda com a segunda letra do 19, a antepenúltima do 20 e a segunda do 21, e assim sucessivamente. Recentemente, a cabala pop se apropriou desse conhecimento, com o lançamento do livro Os 72 Nomes de Deus, de Yehuda Berg. Na obra, o diretor do Kabbalah Centre International sugere que é possível usar esses nomes para curar algumas doenças e melhorar o desempenho sexual.

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As palavras
Usando a guematria, é possível achar significados intrigantes para as palavras na língua hebraica. Confira a tabela com os números correspondentes às letras e exemplos de suas aplicações.

(O texto NÃO consta deste banco de dados)

Os números
Alguns algarismos são especialmente relevantes para a guematria. Conheça as características desses números pra lá de poderosos


1 O verdadeiro e único Deus.

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2 Representa o dualismo existente no Universo: dia e noite, claro e escuro, bem e mal, positivo e negativo, e assim por diante.

3 União dos significados do 1 com o 2, representa a ligação da criatura com o Criador, e também o equilíbrio entre os elementos da natureza.

4 Número especial nas leis e costumes judaicos. Simboliza o dia em que Deus descansou após sua obra e também a pausa do Shabat, o 7º dia. Ligado a assuntos sentimentais.

8 Número transcendental, funciona como um portal para outra dimensão.

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9 Representa a verdade, a eternidade, o bem e a união de um homem e uma mulher para trazer uma nova alma ao mundo físico.

10 Considerado um número perfeito, que atrai a presença divina, faz referência às 10 sefirot da Árvore da Vida, aos 10 Mandamentos e a outras manifestações sagradas.

26 Valor do nome mais elevado de Deus (Havaie), que o coloca acima de toda a natureza.

32 Um dos números de maior significado no judaísmo, é o resultado da soma das 22 letras do alfabeto com as 10 sefirot. É também o valor da adição da 1a letra da Torá (Bet, 2) com a última (Lamed, 30). “Representa as duas pontas de um fio”, explica David Zumerkorn.

100 O patamar mais elevado da perfeição, a combinação dos mais altos níveis intelectuais e emocionais.

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