José Lopes
Erro – Restringir a liberdade de expressão, controlar a livre circulação de informações e promover a destruição sistemática de livros.
Quem – Governos, ditadores, instituições religiosas e até grandes filósofos.
Quando – Desde o passado mais remoto da humanidade até hoje.
Consequências – Retrocesso social e científico.
“Onde queimam livros, acabam queimando seres humanos”, escreveu o poeta alemão Heinrich Heine no século 19. A exatidão dessa frase foi lamentavelmente confirmada em diversos momentos e inúmeros lugares. O primeiro registro famoso na longa história da censura oficial contra o livre pensamento começou precisamente no lugar considerado o berço da filosofia: a Grécia antiga (leia mais no quadro à direita).
A perseguição ao conhecimento muitas vezes veio acompanhada pela destruição de livros – e pelo encarceramento ou punição severa de quem os escrevia, lia ou publicava. Na Roma antiga, poetas que desagradassem o imperador podiam ser crucificados, empalados ou queimados vivos. Na China, a castração também estava entre as punições exemplares contra poetas ou cronistas petulantes. Muitos livros foram banidos como forma de sufocar ideias consideradas perigosas – como no caso da Santa Inquisição, que durante 3 séculos lançou às chamas páginas consideradas heréticas. Ainda mais terríveis foram as perseguições que alvejaram toda a cultura de um povo. Nesses casos, incinerar a palavra escrita era uma forma de apagar a memória e rasurar o passado.
Passado carbonizado
De todos os livros destruídos ao longo da história, cerca de 60% foram queimados, rasgados ou triturados de propósito. “O livro não é destruído como um simples objeto, mas como vínculo de memória”, escreve o pesquisador venezuelano Fernando Báez em História Universal da Destruição dos Livros (Ed. Ediouro). “A intenção de quem destrói é aniquilar o patrimônio de ideias de uma cultura inteira.”
A perseguição ao conhecimento realizada por governos ou grupos políticos e religiosos trouxe prejuízos enormes à humanidade. Sabe-se hoje, por exemplo, que a maior parte da Literatura e da Ciência produzidas na Grécia e na Roma antigas se perdeu. E que a memória de civilizações exuberantes como a asteca, a maia e a inca, entre outras, acabou incinerada em grandes piras acesas pelo fanatismo de conquistadores egocêntricos.
Apagando descobertas antigas, a humanidade atrasou seu próprio avanço, e arqueólogos até hoje tentam reconstruir partes do passado que foram carbonizadas junto a volumes e encadernações. Somos todos mais pobres hoje porque, um dia, nossos ancestrais jogaram livros às fogueiras. Como escreveu outro poeta, o inglês John Milton: “Quem destrói um bom livro está matando a própria razão”.
Uma longa história
Episódios que revelam como a humanidade sempre esteve às voltas com a censura
O grande destruidor
Por volta de 215 a.C., o guerreiro Zhao Zeng unificou diversos reinos asiáticos e criou o império da China. Megalomaníaco, queria apagar toda a história do país anterior a ele. Para isso, mandou queimar todos os livros, à exceção dos tratados de Agricultura e Medicina. Quem ousasse esconder algum volume era executado ou enviado para trabalhar em uma obra interminável: a Grande Muralha.
Censura à grega No século 5 a.C., o filósofo Protágoras teve suas obras queimadas em Atenas porque supostamente ofendiam a religião oficial. Em 399 a.C., o governo ateniense lançou acusações semelhantes contra Sócrates, que se recusou a renegar as próprias ideias e foi condenado a beber cicuta. Décadas depois, Platão – discípulo mais querido de Sócrates – se transformaria em defensor da censura.
Index Prohibitorum
Ao longo da Idade Média, a Igreja ordenou a queima de livros considerados heréticos em diversas ocasiões. Mas foi no início da Idade Moderna que a perseguição se tornou sistemática. Em 1559, o papa Paulo 4º publicou o Index Librorum Prohibitorum – que, em sucessivas edições, incluiu obras de cientistas como Nicolau Copérnico e Galileu Galilei. A Santa Inquisição ficou encarregada de vigiar e punir supostos transgressores do index, que continuou sendo publicado e aumentado até 1966, quando foi banido pelo papa Paulo 6º.
Bibliocausto nazista
A maior hecatombe de livros da história ocorreu após a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha. A princípio, os nazistas estavam determinados a apagar qualquer traço de comunismo ou de “contaminação semítica” em sua cultura. A operação ficou a cargo de Joseph Goebbels, ministro da propaganda, que organizou fogueiras públicas de livros em todas as grandes cidades alemãs a partir de 1933. Com o início da 2ª Guerra Mundial, o exército nazista começou uma campanha de extermínio das culturas conquistadas, especialmente na Polônia e na Tchecoslováquia. Ao todo, mais de 17 milhões de livros foram destruídos pelo regime de Hitler.