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Cavaleiros: ascensão e queda

Eles começaram como força dominante, mas terminariam destronados por meros plebeus.

Por Fábio Marton
Atualizado em 7 Maio 2020, 18h00 - Publicado em 1 mar 2020, 12h22

Se a gente fala de guerra na Idade Média, está falando de cavaleiros, certo? Bem, isso é o que os cavaleiros queriam que os outros pensassem. A realidade é bem mais complicada. A Idade Média é a história da ascensão da cavalaria, mas também sua queda, e antes do que as pessoas imaginam. Também antes das armaduras mais espetaculares entrarem em uso.

Cavaleiros têm seus ancestrais espirituais na classe dos equites romanos e nos hetairoi de Alexandre, o Grande, ambas forças de elite formadas por nobres proprietários. No fim do Império Romano, porém, a cavalaria havia sido profissionalizada e era recrutada entre povos bárbaros, gente com um status ainda menor que o dos plebeus. Assim, a cavalaria medieval é uma classe nova.

Ela surge no reino de Carlos Magno (768-814), quando oficiais passaram a receber terras como recompensa por seus serviços: as beneficências. No reino de Carlos, o Calvo (840-877), essas terras se tornaram hereditárias. Com isso, cavaleiros passaram a ser nobres, classe proprietária.

Quatro patas, bom, duas patas, ruim

Militarmente, cavaleiros eram uma forma de cavalaria pesada, também chamada de choque. Isso tinha precedentes nos já citados hetairoi de Alexandre e também nos catafratas da Pérsia, cavalaria coberta de cima a baixo por armadura pesada, inclusive o cavalo. A cavalaria leve, como os ginetes espanhóis e portugueses, que disparavam dardos ou atacavam com espadas, tinha a função de pressionar, causar desordem nas linhas inimigas e perseguir o inimigo batendo em retirada.

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A morte do cavaleiro normando Simão de Monforte na Batalha de Evesham, 1265. Note a armadura de cota, sem placas. (Heritage Images/Getty Images)

Já a cavalaria de choque funciona pelo… choque violento entre lanças e o próprio corpo dos cavalos contra os inimigos. Numa carga de cavalaria, um animal e cavaleiro, somando 500 kg, a 50 km/h, produziriam um impacto de por volta de 5 toneladas na ponta da lança. A vítima não era só empalada brutal e grotescamente, como também quem estava atrás, com os adversários atirados uns sobre os outros. Um caos, algo tão aterrorizante que quase sempre causava pânico na tropa atingida.

A infantaria era formada por civis: servos ou plebeus urbanos. A parte mais letal da infantaria era a com alcance: os arqueiros. Quem era armado para o corpo a corpo estava lá principalmente para protegê-los. No combate da era da cavalaria, muitas vezes as forças de infantaria sequer se encontravam em campo.

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Na Península Ibérica, dominavam os arcos recurvos, à oriental, importação dos islâmicos; na Grã-Bretanha, os arcos longos, invenção pré-histórica, mas extremamente eficiente, de um alcance e impacto inigualáveis. Na Guerra dos Cem Anos (1337-1453), os arqueiros ingleses ganhavam o dobro de um soldado regular (mas apenas 1/6 de um cavaleiro). Famosamente, eles impuseram uma humilhação aos cavaleiros franceses na Batalha de Agincourt (1415). Os cavaleiros tentaram atacar os arqueiros por um atoleiro e, se movendo muito devagar, foram massacrados pela chuva de flechas e finalizados a marretadas.

A partir da Itália, depois chegando ao resto da Europa, os besteiros acabariam por substituir os arqueiros. Continuariam em uso mesmo já com as armas de fogo. A guarda pessoal de Pedro Álvares Cabral contava com sete besteiros.

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Robert the Bruce mata Henrique de Bohun, em Bannockburn, 1314. O machado era útil contra armaduras. (Heritage Images/Getty Images)

Quanto aos cavaleiros, eles faziam juramentos na cerimônia de ordenação: de proteger os fracos, respeitar as mulheres, não cometer crueldades etc. Mas estamos falando de militares, com tudo o que isso implica, num tempo em que pilhagem era a regra. No Cerco de Maarate Anumane (1098), cristãos devoraram seus inimigos islâmicos.

Na infame Quarta Cruzada, entre 8 e 13 de abril de 1204, quando a Constantinopla cristã foi tomada por cruzados, os civis foram massacrados, igrejas, saqueadas e até freiras terminaram estupradas. Isso não era visto como normal ou aceitável. Mas acontecia. O papa Inocêncio 3º, que já havia excomungado os cruzados por saquear a cidade de Zara, na mesma Cruzada, aceitou sem alarde o ouro roubado dos bizantinos e o domínio católico sobre o Império.

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As diferenças sociais se estendiam para depois da batalha. Era, em geral, considerado no mínimo indesejável executar nobres inimigos. Não só por seu status, como por seu valor como prisioneiros, que rendiam dinheiro de resgate. Mas isso não fazia da guerra algo seguro, mesmo para reis: Ricardo Coração de Leão morreu por um disparo de besta, por um mero plebeu, em 1199. Ricardo 3º da Inglaterra teve seu crânio partido por uma alabarda, um machado de haste, em 1485.

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Revolução da infantaria

A resposta à cavalaria viria em ressuscitar uma arma da Antiguidade: a lança longa, que equipava as falanges dos tempos de Alexandre, o Grande. Um pique, ou chuço, é uma lança extracomprida, de 3 a 7 metros de comprimento. Se antigamente serviam para impedir que a infantaria inimiga se aproximasse, sua principal função passou a ser impedir cargas de cavalaria. Voltados na direção dos cavalos, eles ou faziam os animais frear e jogar seus cavaleiros para frente ou empalavam qualquer um tolo o suficiente para insistir.

As tropas com pique surgiram na Suíça, no século 14. Era uma situação política incomum: o país se formou pela aliança entre comunas rurais e urbanas, os cantões. Uma força de infantaria bem treinada, capaz de se defender de cavalaria, era um produto em alta demanda.

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Os mercenários suíços passaram a ser requisitados por todo o continente e empregados em números crescentes. E isso mudaria tudo. Com o dinheiro, vieram armaduras e armas melhores. Essa infantaria profissional, superior, podia enfim avançar e vencer a tradicional infantaria precária, deixando os arqueiros vulneráveis e, eventualmente, os cavaleiros sozinhos, sem suporte.

A cavalaria ainda tinha funções, aproveitando as oportunidades que apareciam: uma carga pode acontecer contra uma tropa despreparada ou já em confronto, por trás ou pelos flancos, ou destruindo tropas desprotegidas, como artilharia isolada, e perseguir o inimigo batendo em retirada. Basicamente as mesmas funções que teria até a Primeira Guerra.

Mas muitos cavaleiros foram obrigados a desmontar e a atuar como homens-de-armas, infantaria de elite. Outra parte nem ia mais a campo, recorrendo aos mercenários para cumprir suas velhas obrigações feudais.

Por essa época, as armaduras já haviam evoluído muito diante da ameaça primeiro das bestas, depois das armas de fogo, ambas capazes de perfurar cotas de malha, que eram a única armadura no tempo da Primeira Cruzada. A Estereotípica armadura de placas, aquela do “homem de lata”, é uma criação bem posterior. Seu auge, com os modelos mais avançados e vistosos, seria no século 16.

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A evolução da armadura foi concorrente com a de armas antiarmadura. Um modesto pique pode impedir o cavalo de realizar uma carga, mas não pode fazer muito contra o cavaleiro em si, e menos ainda se estiver a pé. Assim, surgem formas avançadas e variadas de armas de haste. Alabardas combinam a ponta de uma lança com um machado e um gancho para puxar alguém de cima de um cavalo. Achas de armas, uma variação, usam de um martelo em um lado do machado: para atingir alvos com golpes contundentes, contra os quais o metal pouco ajudava. Também contra armadura serviam a maça, o mangual, o martelo e o machado.

Ao longo da Idade Média, as espadas cresceram em tamanho por conta das armaduras. Elas permitiram ao guerreiro dispensar o escudo e segurar a espada com as duas mãos, multiplicando sua força. No fim do período, alguns modelos de espada dispensaram totalmente o corte para se focar na perfuração. Perfurar é o jeito de atingir alguém nos pontos frágeis da armadura: as articulações, protegidas apenas por cota de malha, e a viseira.

Outra opção era usar o pomo, a bolinha no cabo, como arma contundente, batendo com ele na cabeça do adversário. Mesmo assim, a espada não é uma arma ideal contra armadura, e lutas de espada entre guerreiros com armadura muitas vezes se transformavam em disputas de agarrões e chutes, para derrubar o outro.

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Eventualmente, as armas de fogo venceram. Não havia como uma armadura dar 100% de proteção contra um tiro à queima-roupa. Mas ela salvava seu usuário de tiros mais distantes e em ângulos menos que ideais. É notável na evolução das armaduras a preocupação com balas: as couraças desenvolvem uma forma inclinada, com uma indentação no centro. É o mesmo princípio pelo qual um tanque tem superfícies inclinadas: para desviar as balas.

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Pela segunda metade do século 16, era impossível criar uma armadura à prova de balas para o corpo todo em peso viável. Aí sobreviveram só as couraças, tentando salvar ao menos o torso. Ao mesmo tempo, a infantaria dominaria cada vez mais, usando armas de fogo, mas ainda, até a invenção da baioneta, no século 17, de armas corpo a corpo, para proteger os atiradores.

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Arqueiros ingleses usando arcos longos em 1483. (Hulton Archive/Getty Images)

Quanto aos cavaleiros, a palavra permaneceria como um título de honra militar – Pedro Álvares Cabral era cavaleiro –, mas sem ligação com uma forma de combate. Em 1600, quando Dom Quixote de La Mancha foi lançado, ainda havia cavaleiros, bem como algo de ridículo em ver neles algo tão idealizado. O grande clássico serve de epitáfio para a cavalaria e o combate medieval.

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