Caso de superação: O cantor de 1,29 m sem braços e coxas.
Thomas Quasthoff já foi chamado na rua de maldição de bruxa. Apesar do talento musical, um conservatório o barrou por não poder tocar piano. E hoje é o maior barítono da Alemanha
Texto: Maria Miranda
“Um cantor de concerto com 1,29 metro de altura, sem as articulações do joelho, sem braços ou coxas, com apenas 4 dedos na mão direita e 3 na esquerda.” É assim – de maneira objetiva mas impiedosa – que o alemão Thomas Quasthoff descreve a si mesmo em sua autobiografia The Voice: A Memoir. Ao final, acrescenta: “E ele está de excelente humor”.
Quasthoff foi uma das vítimas da talidomida – medicamento anti-inflamatório e sedativo que, no início dos anos 60, levou ao nascimento de mais de 10 mil bebês com malformação ou ausência dos membros. Mas Quasthoff não deixa que sua deficiência física o leve à autocomiseração.
“Quando era pequeno e esperava minha mãe do lado de fora de uma loja, alguns pedestres diziam que eu tinha sido amaldiçoado por uma bruxa. Isso fica com você. Mas agora eu uso essa experiência no meu canto. Então acaba sendo uma vantagem”, diz. “Se eu não puder rir de mim mesmo, estarei perdido.”
Na escola, o adolescente respondia a todo tipo de provocação com alguma piada – e, assim, de “aberração” ele se tornou popular entre os colegas. Já em casa, divertia-se ouvindo a coleção de jazz e pop de seu irmão Micha e cantando árias de Verdi com o pai.
Não havia dúvidas de que seu maior talento era a música, mas a tentativa de entrar para um conservatório musical foi rapidamente frustrada – para estudar canto, precisava também tocar piano, o que é impossível sem os braços. Mas, novamente, Quasthoff não se deixou abalar. Seu pai contratou um professor particular, que treinou a profunda voz de barítono tanto para o jazz quanto para a música erudita. É por essas e outras que ele se considera sortudo. “É verdade que muitas coisas na minha vida não saíram conforme o planejado, mas nunca me encontrei impassivo diante de um não. Além disso, sempre tive ao meu lado pessoas que acreditavam em mim”, conta.
Quasthoff chegou a cogitar seguir uma carreira de advogado, mas logo abandonou a faculdade de Direito para trabalhar como locutor de rádio e cantar com o irmão em igrejas e em clubes de jazz. E, aos 24 anos, teve finalmente seu talento reconhecido ao vencer uma grande competição de canto.
É verdade que, por melhor que fosse sua voz, dificilmente poderia subir aos palcos para interpretar os principais personagens da ópera. “Seria uma exibição desnecessária de minha deficiência física”, diz. Em vez disso, ele se focou nos Lieder – canções para voz e piano. E, assim, a potente voz de Quasthoff transformou um gênero inicialmente criado para recitais íntimos em uma arte executada em grandes salas de concerto.
Hoje, Quasthoff tem 51 anos, é casado, tem contrato de exclusividade com a gravadora Deutsche Grammophon, dá aulas concorridíssimas de canto na Academia de Música Hanns Eisler, em Berlim. Acumula 3 Grammys, a Ordem de Mérito da Alemanha e uma medalha de ouro da Sociedade Filarmônica Real britânica. E sua agenda de apresentações já está cheia até julho do ano que vem.