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Caridade é um grande negócio

E essa é uma ótima notícia. Como uma geração de inovadores está usando a ciência e o capitalismo para revolucionar o combate à pobreza

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h27 - Publicado em 31 jul 2007, 22h00

Texto Thiago Velloso

Bono é um chato com discurso marqueteiro. Sua pose de roqueiro milionário preocupado com crianças na África não engana ninguém. Bono é um gênio da música. Sua banda, o U2, é a melhor do planeta há 20 anos. Talvez já possa ser comparada às maiores da história.

Foi mais ou menos assim que a cobertura da imprensa se dividiu durante a passagem do U2 pelo Brasil, no ano passado. O que ninguém se perguntou é o que exatamente Bono faz pelos pobres do planeta que ele tanto gosta de defender. Ou por qual razão ele acabara de ser eleito pela revista Time como a pessoa do ano. Aí vai o motivo, então: Bono é um revolucionário do combate à pobreza, líder de um movimento que pode genuinamente transformar a vida das pessoas mais miseráveis do mundo. Seu exército tem outros revolucionários improváveis: Bill Gates, dono da Microsoft e 2º homem mais rico do mundo, o economista Jeffrey Sachs, ex-conselheiro de Bill Clinton, e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma dos principais centros de ciência do planeta. O que todos eles têm em comum é o desejo de erradicar a síndrome do “coração sem cabeça”, mal que atinge 9 entre 10 ongs: o uso da emoção – e não de evidências empíricas – para escolher como gastar dinheiro. Na prática, um caminhão de boas intenções incapaz de ajudar as pessoas a sair de onde estão. Bono e companhia preferem recorrer ao que outro expoente do movimento, John Wood, autor de Saí da Microsoft para Mudar o Mundo, chama de “coração de madre Teresa e cabeça de empresa grande”. Ou seja, trazer as práticas dos bons negócios para o mundo das boas ações.

Esse movimento da filantropia profissional tem seus pilares. Alguns deles parecem óbvios, como aplicar conceitos de governança, nome pomposo para medidas como transparência, prestação de contas, responsabilidade pelos resultados. Outros, como a gestão profissional, assustam a velha-guarda. John Wood, que abre bibliotecas e escolas em regiões carentes, rege sua ong Room to Read (“Lugar para Ler”) com técnicas que aprendeu nos tempos de Microsoft: os índices de desempenho de cada funcionário são divulgados para todos na organização e o projeto tem metas arrojadas de expansão – Wood gosta de exibir gráficos mostrando como a Room to Read cresce mais rápido que a rede global de cafés Starbucks.

A ciência da pobreza

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Por fim, há o mais promissor dos pilares: o casamento da ciência com o combate à pobreza. É aí que entra o trabalho do Laboratório de Ação Contra a Pobreza, do MIT. O centro usa estatísticas e modelos matemáticos para encontrar formas mais criativas e baratas de combater a miséria. A idéia é simples: mais dinheiro não é a resposta para os problemas dos países pobres. A solução está na eficácia. Por exemplo: tentando combater a evasão escolar, os cientistas perceberam que 25% das crianças do planeta sofrem com verminoses. Curar cada uma delas custa apenas R$ 7 em remédios – mas é o suficiente para derrubar em um quarto as taxas de absenteísmo.

Em outro estudo, cientistas do MIT atacaram o problema da expansão da aids entre meninas jovens do Quênia. Descobriram duas causas: o abandono escolar e as relações sexuais entre mulheres jovens e homens mais velhos – grupo de maior risco de contaminação. Com uma simples doação de uniformes ao custo de R$ 24 por estudante, os pesquisadores aumentaram a freqüência às aulas em 17% entre os garotos e 12% entre as garotas. A nova política também levou a uma redução de 12% na taxa de gravidez adolescente. Para prevenir o sexo das adolescentes com pessoas mais velhas, foi introduzido no currículo um capítulo específico para falar sobre os riscos desse tipo de relação. O resultado foi espantoso. A gravidez por homens mais velhos caiu 65%. Há ainda um trabalho feito para a Índia, mostrando que a utilização de mulheres da sociedade local como tutoras de crianças com notas baixas era 6,7 vezes mais eficaz do que a contratação de novos professores para as escolas ou a introdução de computadores como ferramenta auxiliar de estudo.

É por esse tipo de estudo que Bono se interessa. Ele comanda uma ong chamada Data, sigla em inglês para Dívida, África, Comércio e Aids. Por trás da sigla esconde-se a estratégia. Em inglês, data quer dizer dados. A organização se dedica a auxiliar e divulgar projetos que incorporem os novos conceitos da filantropia. A Data está hoje entre as principais parceiras da Fundação Gates, tocada por Bill Gates e sua esposa, Melinda, que investe pesado na união entre ciência e caridade. Capitalista convicto e engajado, Gates também quer usar suas crenças para reduzir a pobreza. Ele prega que o acesso fácil ao dinheiro pode extinguir a miséria. No ano passado, sua fundação investiu US$ 44,5 milhões em instituições financeiras que emprestam pequenos valores aos africanos pobres. Estima-se que cerca de 90% das pessoas no continente não tenham acesso a crédito, o que emperra o consumo e dificulta o aumento da produção de bens.

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Outro paladino da idéia de que o capitalismo pode salvar o mundo da pobreza é o economista Jeffrey Sachs. Professor da Universidade Columbia e consultor da ONU, ele implantou 79 “Vilas do Milênio”, localidades onde testa seus experimentos para acabar com a pobreza. Em uma delas, em Uganda, um pacote de investimentos avaliado em R$ 220 ao ano por pessoa triplicou a produção local e diminuiu em 65% a incidência da malária. Entre os usos dados ao dinheiro estavam a compra de redes contra mosquitos e de sementes mais produtivas para as lavouras.

Muita gente olha com desconfiança o trabalho desses ícones do capitalismo interessados em resolver problemas sociais. Afinal, tratar caridade com lógica empresarial subverte o que chamamos de caridade. Ajudar o próximo, costumávamos pensar, é ter desprendimento individual para aliviar o sofrimento alheio – e não submeter a pobreza a modelos matemáticos. O problema é que trabalhar com o coração se provou eficaz apenas para aliviar a dor dos mais fracos. A esperança é que o trabalho profissional seja capaz de erradicá-la.

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Para saber mais

Saí da Microsoft para Mudar o Mundo

John Wood, Sextante, 2007.

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O Fim da Pobreza

Jeffrey Sachs, Companhia das Letras, 2005.

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