As desventuras da Gina do século 19
Lydia E. Pinkham criou um remédio para amenizar as dores da menstruação e da menopausa - seu rosto estava na embalagem e os haters não perdoaram
Ser uma pessoa pública não é tarefa fácil, muito menos se você for mulher. Mesmo em tempos de hiperexposição nas redes sociais, as mulheres penam sob os holofotes. Mensagens de misoginia, repreensões e conselhos desnecessárias sobre como viver a própria vida são comuns na vida de quem decide botar a cara no sol.
Foi assim desde o início. No século XIX, a primeira mulher a estampar um rótulo não tinha como se proteger da opinião alheia com o mantra pós-moderno de não ler os comentários. O retrato de Lydia E. Pinkham impresso na embalagem de um remédio fez com que ela se tornasse o rosto mais facilmente reconhecível do mundo na época – até então, Rainha Vitória, da Inglaterra, era a única mulher cuja imagem aparecia regularmente. Lydia foi trolada, ridicularizada e virou música.
O maior pecado da professora primária do Massachusetts foi ter mostrado a cara. Aos 56 anos, para ajudar as contas da família (que estava quebrada), ela começou a vender uma mistura de plantas para aliviar cólicas menstruais e os efeitos da menopausa. Na época, ir ao médico era caro, as farmácias estavam cheias de poções herbais charlatãs batizadas com ópio e cocaína e a saúde das mulheres era renegada à ideia de que todos os problemas femininos partiam da histeria. Mas Lydia fazia o próprio remédio à base de raízes, sementes e álcool no fogão de casa e distribuía entre as mulheres do bairro – que morriam por um vidro do composto.
Em 1875, saiu a primeiro leva comercial do composto. Com o slogan de “A cura certa… sem faca”, a fórmula caseira de Lydia foi um sucesso imediato. Junto com o medicamento, ela respondia cartas e aconselhava as compradoras. Seus filhos transformaram os conselhos da mãe em panfletos, cartazes e anúncios de jornal. Pouco tempo depois, aproveitaram a fama de mulher amável e sábia que Lydia tinha conquistado e estamparam seu rosto no frasco. Vendo que a ideia deu certo, reproduziram o retrato em quadros enormes para colocar nas farmácias, cartões colecionáveis, posters. A cara dela virou uma marca e Lydia E. Pinkham’s Vegetable Compound foi um dos remédios mais famosos do século XIX – ainda hoje há fórmulas semelhantes no mercado.
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Mas, com a mesma velocidade com que as caixas da mistura sumiam das prateleiras, chegavam as críticas. Lydia recebia cartas irônicas, de ódio e hostilidade. Jornalistas faziam colagens de seu rosto com o de outras mulheres famosas. Homens riam de seu corte de cabelo, ridicularizavam seu sorriso amarelo, pediam para que parasse de sorrir, diziam que a imagem dela tinha virado o pesadelo da nação. A chacota era tanta que ela virou cantiga: There’s a face that haunts me ever, there are eyes mine always meet / as I read the morning paper, as I walk the crowded street,” it began. “Sing, oh! Sing of Lydia Pinkham, and her love for the human race / how she sells her vegetable compound and the papers publish her face”*. Mesmo assim, a Sra Pinkham seguiu bastante requisitada, sábia e altiva impressa nas paredes, embalagens e cartões.
Lydia faleceu em 1883, mas a família manteve seu rosto no rótulo do composto e continuou com os conselhos às consumidoras. Em 1949, a revista LIFE escreveu que ela foi a mulher mais conhecida do final do século e, no mesmo ano, a mistura vegetal vendeu três milhões de garrafas. A fábrica em que a professora primária se tornou o rosto “da cura sem faca” fechou em 1973 – os direitos sobre o remédio foram transferidos para outra marca que conservou o retrato de Lydia na embalagem. A cantiga maldosa do início da carreira não foi a única música feita sobre ela: em 1968, na Inglaterra, o grupo The Scaffold gravou Lily the Pink, uma versão polida de “The Ballad of Lydia Pinkham” – um proibidão que celebrava os efeitos do medicamento.
Apesar ter começado a vender o remédio para salvar as finanças da família, Lydia é considerada uma pioneira na conscientização sobre o cuidado com a saúde feminina. Ela deu informação às mulheres em um tempo em que o serviço médico era precário e que não se conversava abertamente sobre sexo e menstruação. Pouco importa se os homens tinham pesadelos ao vê-la, seu rosto colocou a saúde das mulheres em pauta. E se pudesse responder a essa reportagem com um de seus conselhos, provavelmente, diria para não ler os comentários.
*Em tradução livre: “Este é um rosto que me assombra sempre, que os meus olhos sempre encontram/ enquanto leio o jornal de manhã, enquanto caminho pela multidão, começa “Cante, oh! Cante sobre Lydia Pinkham e seu amor pela raça humana/ como ela vende seu composto vegetal e os jornais publicam seu rosto”
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