As 3 revoluções tecnológicas do miojo
Os japoneses consideram o miojo uma das maiores invenções do país. Conheça a ciência, a tecnologia e o cinquentão falido por trás do prato favorito dos preguiçosos.
No ano 2000, uma enquete feita no Japão perguntou qual invenção nacional do século 20 os japoneses consideravam mais importante. O segundo lugar ficou para o karaokê. A coroa foi do miojo.
O criador do macarrão instantâneo, porém, começou se ferrando muito na vida. Momofuku Ando perdeu os pais ainda criança, assistiu duas guerras mundiais acontecerem e viu seu país ser bombardeado e passar fome. Profissionalmente, ele tentou de tudo: foi diretor de escola, abriu uma empresa de carvão, criou bicho de seda… E viu seus empreendimentos darem errado, um a um. Em 1957, com 47 anos, ele declarou falência.
Se com 20 e poucos anos já tem gente com medo de estar no caminho errado da vida, imagina estar chegando perto dos 50 no Japão da época. A expectativa de vida em 1950 era de 59 anos. Teoricamente, então, Ando já tinha vivido 79% do tempo médio de vida no seu país – e passado a maior parte dela apanhando pessoal e profissionalmente.
Ele reagiu como Luke Skywalker em O Despertar da Força: se isolou. Construiu uma cabana nos fundos da sua casa, onde passava 20 horas por dia. Lá dentro resolveu aprender o que considerava a base da alimentação do Japão: o lámen. Ele colocou 5 regras para o que queria alcançar com o seu novo empreendimento:
- Deve ser gostoso e não enjoativo.
- Deve ser armazenado na cozinha de casa, e por bastante tempo.
- Deve ser muito rápido de se preparar (e feito apenas com água quente)
- Deve ser barato
- Deve ser seguro
A ideia dele era aproveitar a oportunidade que a fome do pós-guerra trazia. Não foi exatamente o que aconteceu. A trajetória econômica de Momofuku ando você pode conhecer em A Saga do Miojo, que explica como o macarrão instantâneo e um milagre econômico geraram uma indústria bilionária.
Aqui, vamos falar de tecnologia – que, no começo da história do macarrão instantâneo, era precária. O tempero que você adiciona em pó, hoje, era ralado de forma grosseira e misturada na massa, que era cozida em caldo de galinha. Ando chegou a uma receita com uma boa combinação de gosto e textura. Item 1 foi cumprido. Faltavam todos os outros.
Eureka do tempurá
De uma vez só, ele resolveu outros dois problemas. Vendo a esposa preparar tempurá uma noite, viu que a fritura em óleo gerava uma secagem instantânea dos alimentos – exatamente o que ele precisava para tornar o macarrão uma comida de bunker, extremamente durável. Quando levou a técnica para sua cabana, viu que a pré-fritura também reduzia o tempo de preparo – que era de 2 minutos, mais rápida do que os 3 da receita atual.
Funciona assim: o óleo expulsa as partículas de água no macarrão e no tempero. Em seu lugar, ficam microcavidades. O miojo cru, portanto, é cheio de buraquinhos microscópicos, que voltam a ser preenchidos quando ele é exposto a água quente, deixando o macarrão macio e formando o caldo.
No fim de um ano, foi lançado o Chikin Rámen, no dia 25 de agosto de 1958. A data, que completa hoje 59 anos, se tornou o Dia Internacional do Miojo. A receita original, bem diferente do miojo da Turma da Mônica que faz sucesso com as crianças de agora, ainda é vendida, mas só no Japão.
Isso porque a indústria “miojística” atual, da qual a Nissin é líder no Brasil, adapta os sabores ao que é mais adequado para cada país.
Na Indonésia, existe macarrão sabor maionese apimentada. Em Singapura, pode incluir pedaços de polvo. Na Tailândia, sabor de alga (em embalagem do Ursinho Pooh) E a Alemanha tem macarrão instantâneo de pato.
No Brasil, ninguém bateu a galinha caipira, campeão nacional. Mas esse processo de internacionalização acabou promovendo a segunda “Revolução Tecnológica” da história do miojo.
Momofuku Ando foi para os EUA tentar vender seu produto nos anos 60. Como a globalização não era a mesma, ele não imaginou que tigelas de lámen e hashi não faziam o menor sentido para a cultura ocidental. E aí ficou a pergunta: como é que come?
Origem gambiarrista do Cup Noodles
Nossos colegas norteamericanos, no entanto, foram bons de gambiarra: quebraram o macarrão no saquinho, jogaram pedaços no copo descartável e jogaram água quente. Para o choque do fundador, comeram com garfo.
Nasce aí o Cup Noodles – o maior responsável por trazer o lámen instantâneo ao mundo ocidental. Só que, na época, a produção não era mais manual, na cabaninha. Como programar máquinas para guardar lámen em copos? Como encontrar o material certa para ser embalagem e prato ao mesmo tempo?
Nessa época, Ando já passava dos 60 anos e era líder (inclusive político) da indústria de macarrão instantâneo. Mesmo assim, os grandes insights do Cup Noodles foram dele. O isopor, por exemplo, desenvolvido para se a embalagem – capaz de absorver calor sem queimar a mão de quem come – foi inspirado em caixas de transporte de atum. O papel aluminizado que cobre o pote é imitação de uma miniembalagem de macadâmias que Momofuku recebeu no avião em uma viagem.
Não parou por aí: ainda era complicado mecanizar o processo de colocar o macarrão dentro do pote. A solução de Ando foi fazer o contrário: colocar o copo no macarrão já empilhado, sem empurrar até o fundo. O macarrão é mais largo e denso que o copo em cima, o que faz ele “travar”, sem balançar na embalagem. Embaixo, sobra espaço para entrar água quente – e é por isso que o Cup Noodles cozinha inteiro por igual.
Por último, surgiu o projeto de trazer ingredientes “inteiros”, como legumes e pedaços de carne e camarão. Para isso, não bastava desidratar a comida por fritura. Para durar bastante tempo e amaciar rapidamente na água, era preciso liofilizar a comida: desidratá-la por meio de congelamento à vácuo. A técnica não era comum no Japão – então o que Ando fez foi criar uma empresa para fazer exclusivamente isso.
O resultado final foi lançado em 18 de setembro de 1971. O sucesso do Cup Noodles é difícil de medir no Brasil, onde o saquinho ainda é a embalagem preferida. Mas na Europa e nos EUA, as vendas explodiram.
O miojo espacial
Depois disso, Momofuku ando já estava muito além da sua expectativa de vida inicial, lá nos anos 50. Com 91 anos, eles se preparou para um último desafio: criar macarrão instantâneo que pudesse ser consumido no espaço.
O último projeto liderado por ele foi lançado em 2005, dois anos ante da morte de Ando. O lámen instantâneo sabor curry tinha um caldo especial, muito mais grosso. A embalagem, à vácuo, incluía apenas 100 ml de água. E o produto saiu do laboratório diretamente para a Estação Espacial Internacional. O cosmonauta japonês Soichi Noguchi experimentou, em uma transmissão ao vivo, a invenção que ganhou o nome de Space Ram (sim, trocadilho com o título do filme do Pernalonga com o Michael Jordan).
Momofuku Ando morreu com 96 anos, em 2007. No balanço final, ele passou 49% da vida apanhando dela, e 51% inventando coisas que deram muito certo – e, se duvidar, uma sopa que pode ser comida em gravidade zero nem foi o mais difícil dessa história toda.