Antigo dinheiro de pedra pode ter inspirado moedas digitais
Pesquisadores americanos encontraram semelhanças notáveis entre as modernas criptomoedas e um antigo sistema monetário com enormes discos rochosos
Dizem que a história se repete. Um estudo recente parece reforçar essa máxima do jeito mais improvável: relacionando duas moedas que não parecem ter nada em comum. Ao menos à primeira vista. Uma investigação comparativa minuciosa sobre as moedas digitais – como o bitcoin – e um antigo sistema monetário à base de discos gigantes de pedra revelou similaridades surpreendentes.
Esse inusitado precursor das criptomoedas foi criado há séculos nas ilhas Yap, na Micronésia, que ficam a cerca de 1,3 mil quilômetros das Filipinas. Nativos chamavam a moeda de rai. Assim como o bitcoin, ela permitia ter e usar o dinheiro sem possuí-lo materialmente. Ambos os sistemas funcionam a partir de um registro comunitário que garante a segurança e a transparência coletivamente — sem nenhum banco central envolvido.
Tradições orais, pesquisas arqueológicas e relatos históricos embasaram o estudo. Os yapenses enfrentavam jornadas perigosas para conseguir seus valiosos discos de pedra: navegavam 400 quilômetros por correntes e ventos imprevisíveis a bordo de embarcações precárias. Eles viajavam até o arquipélago de Palau para extrair rochas calcárias das fartas pedreiras e cavernas que existiam no local.
Rais têm dimensões impressionantes: medem 2 metros de diâmetro e pesam toneladas. Antes do contato daqueles povos com os europeus, em 1783, eram os maiores objetos movidos sobre as águas do Pacífico. E por serem tão grandes, quando chegavam em Yap, as moedas não eram movimentadas de lá para cá. Mas isso não impedia que os yapenses fizessem suas transações — tudo funcionava na base do boca a boca.
Mesmo com a moedona parada no mesmo lugar como um monumento, seu valor e seus novos donos eram sempre conhecidos graças a um sistema de registro oral. Comprava-se coisas importantes na ilha através dos rais. “Eram usados para transações sociais como casamentos e resgates”, explica o arqueólogo Scott Fitzpatrick, da Universidade do Oregon, EUA, um dos autores do artigo publicado na última sexta-feira (7) no periódico Economic Anthropology.
“Cada transação era gravada na história oral que funcionava como um registro público, mantendo uma cadeia contínua de informação e prevenindo disputas de propriedade”, conta Fitzpatrick. Qualquer semelhança com o blockchain pode não ser mera coincidência. Só que, em vez do boca a boca, a verificação e o histórico das transações na rede ocorre de maneira digital e automática. Valor e posse dos bitcoins também são gerenciados coletivamente.
São sistemas financeiros distribuídos, essencialmente opostos ao sistema centralizado ao qual estamos acostumados, em que os bancos detêm o controle e ditam as regras. Os autores acham possível que o dinheiro dos yapenses tenha servido de inspiração para o bitcoin e todas as criptomoedas que dele derivaram. “É razoável inferir que o modelo yapense foi o ímpeto para um meio digital de fazer algo bastante similar”, afirma o arqueólogo.
“Foi isso ou um caso de evolução cultural convergente, em que duas culturas temporalmente e geograficamente distintas desenvolvem um sistema notavelmente similar, o que ainda assim seria bem intrigante.” Futuros estudos arqueológicos podem revelar mais detalhes sobre o funcionamento e o fim do antigo sistema — e talvez fornecer insights importantes para fortalecer o bitcoin. Quem diria.