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A insurreição de Zeus contra os titãs

Cronos, o deus do tempo, em seu terrível reinado levou à revolta de seus filhos. E assim começou a guerra entre olímpicos e titãs, que sacudiria o mundo.

Por José Francisco Botelho
Atualizado em 26 mar 2020, 21h43 - Publicado em 26 mar 2020, 15h37

Urano, o antigo senhor do mundo, estava derrotado e humilhado. Agora, havia chegado a hora dos titãs. Coube a eles governar as terras vastas e os mares profundos que haviam nascido de Gaia, a grande Mãe Terra. Embora fosse o caçula, Cronos era o mais astuto, o mais destacado e o mais temível entre todos os seus irmãos. Os gregos e os romanos o adoravam como deus do tempo – sempre empunhando a foice, sem piedade e pronto a destruir tudo o que existisse. Apenas sua irmã Mnemósine – deusa da memória – ousava se opor a ele, preservando um pouco do que Cronos destruía. Mas, no final, o tempo sempre vence a memória.

Oceano, o mais velho dos titãs, não tinha interesse algum em disputar o mando com o irmão mais novo. Foi viver nos confins do mundo, transformando-se em um gigantesco fluxo de água, uma espécie de rio circular que envolvia toda a Terra. Do imenso Rio Oceano – assim era chamado pelos gregos –, fluía toda a água fresca dos córregos, das fontes e das cachoeiras. Já as águas salgadas eram território de Ponto e seus filhos. Os outros titãs e titânides se espalharam por diferentes partes do mundo.

Cronos era um governante ciumento, despótico e paranoico. Desconfiava dos outros titãs, mas não ousava desafiá-los abertamente. Deixou que vagassem pelo mundo, desde que não interferissem com seu governo. Já em relação a seus outros irmãos, os ciclopes e os hecatônquiros, foi menos diplomático: para impedir que ameaçassem seu domínio, trancafiou-os no horrível abismo do Tártaro, apesar dos protestos de Gaia. Junto aos portões do calabouço, colocou um guarda pavoroso: o dragão-fêmea Campe, que tinha rosto de mulher, rabo de
escorpião e escamas de réptil.

Com todos os irmãos distantes ou presos, Cronos ficou tranquilo por algum tempo. Ergueu um palácio na região da Élida, no oeste da Grécia, e de lá governava o mundo. Por esposa, tomou sua própria irmã, a titânide Reia. Porém, assim que a esposa engravidou pela primeira vez, a insegurança de Cronos redespertou: ele temia ter o mesmo destino de seu pai Urano, destronado pelo próprio filho. Para aplacar seu medo, recorreu a um método ainda mais selvagem do que o de Urano. Em vez de encarcerar os filhos, ele os devorava.

“Tão logo cada recém-nascido surgia entre os joelhos de Reia, saindo do ventre sagrado, Cronos – sempre vigiando à espreita, com olhos atentos – engolia-os sem tardar”, escreve o poeta Hesíodo na obra Teogonia, composta no século 8 ou 7 a.C.

Assim, o terrível Tempo devorou vorazmente seus cinco primeiros filhos: Héstia, Deméter, Hera, Poseidon e Hades. Enfurecida pela brutalidade do marido, Reia começou a tramar sua queda. E a Mãe Gaia resolveu ajudá-la.

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O nascimento de Zeus

Reia, grávida do quinto filho, escondeu-se no topo do monte Liceu, na Arcádia. À hora mais escura da noite, deu à luz um menino, que foi chamado Zeus. Tomando o neto nos braços, Gaia o levou à ilha de Creta, no mar Egeu. Lá, ocultou-o em uma gruta no Monte Ida e o deixou aos cuidados da ninfa Adrasteia. Voltando à Élida, Reia entregou ao insaciável marido uma pedra envolta em panos. Sem pensar duas vezes, o senhor do tempo a engoliu, mas logo percebeu que havia sido enganado. E saiu pelo mundo, enfurecido, vasculhando continentes e oceanos em busca do bebê Zeus.

Mas o menino estava bem longe dos olhos famintos do pai. Adrasteia o alimentava com mel fresco e com o leite de Amalteia, uma cabra mansa e lanuda que vivia na caverna da ninfa, como mascote. Bem nutrido, o menino crescia rápido e, desde cedo, demonstrou seus poderes divinos. Quando a cabra Amalteia morreu, o jovem Zeus colocou-a no céu, entre as estrelas – onde ela se transformou na constelação de Capricórnio. Mas, enfim, chegou a hora de Zeus abandonar as tranquilas encostas do Monte Ida. Adrasteia sempre lhe dissera que, ao crescer, ele deveria destronar o próprio pai.

Agora, era chegado o tempo de acertar as contas. Antes de atacar Cronos, Zeus foi pedir conselhos à titânide Métis, deusa da astúcia, que vivia solitária junto às ondas do distante Rio Oceano, nos confins da Terra. Ninguém sabe ao certo por que a deusa da Astúcia resolveu ajudar o jovem deus rebelde – talvez estivesse cansada dos desmandos e devastações do senhor do tempo. Ao receber o sobrinho, deu-lhe um conselho: Zeus não deveria atacar o pai abertamente, mas sim oferecer-se como um simples servo, sem revelar sua identidade. Em seguida, Métis entregou ao sobrinho uma poção mágica, recomendando que pingasse algumas gotas na bebida do déspota.

Seguindo o plano, Zeus apresentou-se no palácio de Cronos como se fosse apenas um jovem buscando emprego. Naquela época, os titãs já haviam se multiplicado, e seus filhos e filhas eram muito numerosos – Cronos acreditou que aquele desconhecido fosse apenas mais um exemplar dessa imensa prole. Reia, contudo, reconheceu o filho na hora. Mas não revelou nada a ninguém – apenas sugeriu que Cronos colocasse o recém-chegado na função de copeiro do palácio, encarregado de encher taças com o néctar, a doce bebida dos deuses.

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Nessa época, Cronos havia se tornado taciturno e cansado. Apesar de imortal, havia envelhecido: o tempo fizera mal ao Tempo. Certo dia, Zeus lhe estendeu a taça envenenada: junto ao néctar, estava a poção preparada pela Astúcia. Cronos bebeu distraidamente. Num instante, sentiu as vísceras se contorcerem. Uma convulsão horrenda tomou conta de seu corpo e ele vomitou todos os filhos que havia devorado.

Graças às propriedades mágicas da bebida, os filhos de Cronos ressurgiram inteiros, ilesos e em forma adulta, como se jamais tivessem sido engolidos pelo pai. Atordoado e sem saber o que acontecera, Cronos ficou estático no chão, enquanto sua prole escapava do palácio, pronta para a vingança.

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Em sua fortaleza no Monte Ótris, os titãs enfrentaram a rebelião de Zeus e seus irmãos. A grande guerra entre os deuses fez estremecer o céu, o mar e a terra. (Adams Carvalho/Superinteressante)

A vitória de Zeus

Zeus agora estava reunido com seus irmãos e irmãs. Como já acontecera anteriormente, o caçula foi escolhido líder. E a guerra entre as duas gerações de deuses teve início. Os titãs reuniram-se para defender seu império; Cronos, que estava desgastado demais para chefiar o combate, declarou seu sobrinho Atlas como comandante-em-chefe. O quartel-general dos titãs foi erguido no alto do Monte Ótris, na região central da Grécia – já os rebeldes fizeram sua base mais ao norte, no cume do Monte Olimpo, na Tessália. A partir daí, Zeus e seus partidários ficaram conhecidos como os olímpicos.

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As batalhas entre as duas facções sacudiram o mundo. Os titãs eram mais brutais e violentos. Os olímpicos, mais organizados e astutos. Os combates se prolongaram por dez anos, e o resultado era sempre um empate. Para resolver o impasse, Zeus foi consultar sua avó, Gaia, que tinha o dom da clarividência. A Mãe Terra profetizou: Cronos só seria derrotado quando Zeus libertasse os ciclopes e os hecatônquiros, que estavam aprisionados nas profundezas do Tártaro.

Em segredo, o chefe dos olímpicos desceu ao abismo e enfrentou a horrenda Campe. Derrotado o monstro, Zeus libertou os seis filhos colossais da Terra e convenceu-os a ajudar na luta contra Cronos. Os ciclopes, que eram grandes ferreiros, presentearam os olímpicos com armas mágicas – entre elas, o relâmpago, que se tornou a arma predileta de Zeus.

Liderados por ele, os gigantescos hecatônquiros marcharam contra o Monte Ótris, soltando urros terríveis. “O mar infinito gemia, a terra retumbava forte, o próprio céu estremecia sob os golpes dos imortais”, escreveu Hesíodo na Teogonia. “O estrondo dos pés e a gritaria terrível dos assaltos brutais chegava até as profundezas, enquanto os imortais lançavam dardos sibilantes uns contra os outros”. O relâmpago de Zeus incinerava as florestas nas encostas do monte e fazia ferver a água dos rios. E cada hecatônquiro lançava, num só instante, uma centena de pedregulhos contra as fileiras dos titãs.

A batalha estava vencida, e a era dos titãs havia acabado. O mundo então foi dividido entre os três irmãos olímpicos – Zeus, Poseidon e Hades. Cronos foi aprisionado junto com vários dos titãs nas cavernas subterrâneas – e os hecatônquiros Coto e Giges ficaram de guarda às portas do Tártaro. Já o hecatônquiro Briareu foi viver nas águas do Mar Mediterrâneo – sempre pronto a ajudar Zeus em caso de perigo.

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Em recompensa pela ajuda de Métis e Reia, as titânides foram poupadas e continuaram livres. Muitos descendentes dos titãs também receberam o perdão olímpico e passaram integrar a nova ordem mundial: caso de Hélios, o Sol, Selene, a Lua, e Éos, a Aurora, todos filhos dos titãs Hipérion e Teia. O grande Oceano, que se manteve neutro durante a guerra, também foi deixado em paz. Já Atlas, que foi comandante-em-chefe dos titãs na luta contra os deuses olímpicos, teve uma punição exemplar: de pé sobre uma montanha no norte da África, ele foi condenado a segurar para sempre, em cima dos ombros, todo o peso do céu.

Agora, o Olimpo finalmente governava o mundo. Mas ainda faltava surgir um ingrediente crucial na epopeia dos mitos gregos: o ser humano.

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