A chave de tudo
A resposta para todas as perguntas. A equação que resolve todas as questões. Conheça a fantástica viagem da ciência em busca do seu Santo Graal: a teoria de tudo
Helio Gurovitz
Pitágoras dizia que era a harmonia musical. Platão acreditava nos sólidos perfeitos. Newton e Einstein, no espaço, no movimento e na energia. Alguns físicos de hoje, em supercordas. Desde que o mundo é mundo, os cientistas sonham com o dia em que toda a realidade caberá numa formulação simples e elegante, com o momento em que tudo o que existe, existiu ou existirá poderá ser explicado por uma espécie de teoria de tudo: completa, imune a contradições e, acima de qualquer suspeita, real. Até hoje, quem teve mais sucesso na empreitada foi o finado Tim Maia, que resumiu numa única frase – “tudo é tudo e nada é nada” – a confusão sem fim que é explicar este ou qualquer outro Universo. Mas as tentativas dos físicos e matemáticos em busca da teoria de tudo contam uma das histórias mais fascinantes do pensamento humano, de seus ideais e seu alcance, de suas conquistas e limitações.
“Tudo são números.” Atribuída a Pitágoras de Samos, por volta de 500 a.C., essa frase pode ser considerada o início da busca dos homens por uma explicação lógica, precisa e racional para os fenômenos da natureza. Pitágoras teria descoberto que harmonias sonoras podiam ser explicadas pelas proporções entre o comprimento das cordas musicais. Com base nos números, construiu todo um arcabouço de ideias matemáticas que resultaram no célebre teorema de Pitágoras, o dos catetos e da hipotenusa (que, em grego antigo, também significa “a corda estendida”). Os intervalos musicais descobertos pelos pitagóricos em suas cordas estendidas (a oitava, a quinta e a quarta) estão presentes até hoje na música ocidental e serviram para que eles construíssem um modelo para o Universo em que tudo era resultado da “harmonia das esferas”, fruto dos números. Cordas vibrando e gerando diferentes harmonias também são a base da teoria mais atual da física para explicar o Universo, chamada justamente de Teoria das Cordas. Mas como as ideias de Pitágoras passaram a influenciar físicos do século 21?
É preciso ir devagar. Primeiro, as ideias pitagóricas tiveram profunda influência sobre o filósofo grego Platão, que viveu no século 4 a.C. É dele a concepção que norteia até hoje o pensamento humano: de que as ideias existem separadamente das coisas e de que é função do pensamento tentar pescar no mundo das ideias as explicações e teorias. Sobre essa noção foi construída uma visão de que a geometria e a matemática têm, por assim dizer, vida própria. Que são reais, independentemente da nossa capacidade de entendê-las. O modelo de Universo de Platão, descrito no diálogo Timeu, não falava em átomos ou partículas. Para ele, o mundo era resultado de formas geométricas perfeitas. Quatro deles – hexaedro, tetraedro, octaedro e icosaedro – seriam constituintes dos supostos quatro elementos: terra, fogo, ar e água.
O dodecaedro representava o quinto elemento, ou quintessência, por ser o único que não poderia ser gerado a partir de triângulos (o triângulo era uma espécie de partícula fundamental para Platão). O dodecaedro deveria, portanto, estar presente em tudo. Com a descoberta dos átomos, no século 19, o Universo de Platão rolou ribanceira abaixo. Entretanto, até hoje, toda e qualquer teoria que se proponha a explicar tudo deve a Platão a noção de que, no tal mundo das ideias, estão as explicações. Caberia a nós, meros mortais, buscá-las.
Mais de 2 mil anos depois das fantasias platônicas, o inglês Isaac Newton escreveu no monumental Principia Mathematica, base da física clássica: “Toda a diversidade das coisas criadas, cada uma em seu lugar e tempo, só poderia ter surgido das ideias e da vontade de um ser necessariamente existente”. Mais que um simples eco de Platão, também podemos ler em Newton o desejo de ver o mundo por meio da geometria e dos números, como Pitágoras. O Universo newtoniano funcionava com base na atração entre os corpos, regida pela lei da gravitação. Era a gravidade que explicava todos os movimentos. Ao contrário das ideias dos gregos, suas teses foram verificadas experimentalmente. E, a partir daí, as estrelas e as esferas nunca mais foram as mesmas.
O poder das ideias newtonianas ao prever o movimento dos corpos celestes e, de quebra, dar nascimento à mecânica e à engenharia moderna foi tão grande que ficou célebre a constatação do físico britânico William Thomson, o Lord Kelvin, no final do século 19, de que nada mais havia a se descobrir na física, só restava fazer medições mais precisas. “As futuras verdades da física devem ser procuradas na sexta casa decimal”, teria dito Kelvin. A tal teoria de tudo estava pronta, baseada nas ideias de Newton sobre o movimento e em algumas outras teorias de James Maxwell e do próprio Kelvin sobre a transmissão de calor, eletricidade e energia.
Século das revoluções
Kelvin, hoje sabemos, estava enganado. Não só havia muito mais a descobrir, como o século 20 virou de cabeça para baixo toda a física pensada nos 2.500 anos anteriores (dos gregos a Newton) e recolocou o sonho de uma teoria de tudo em pauta. As ambições de físicos, matemáticos e outros herdeiros dos ideais platônicos foram postas em xeque por uma série de dificuldades teóricas e contradições experimentais. Algumas delas foram resolvidas, outras permanecem abertas até hoje.
E o sucesso de teorias como a das cordas para resolvê-las não deve nos iludir: o tudo continua sendo coisa demais para caber numa fórmula e, talvez, possa ser econômica ou experimentalmente inviável verificar muitas das ideias hoje candidatas a teoria de tudo. As ideias que poderiam ser a última explicação para o princípio, o meio e o fim deste Universo – e também de outros.
No século 19, a primeira contradição observada nos princípios de Newton se referia à velocidade da luz. A mecânica newtoniana estabelecia que as velocidades de dois corpos em movimento em relação a um observador devem ser somadas. Se algo em movimento emite luz, então a velocidade da luz emitida deveria ser somada à velocidade do movimento em relação ao observador parado. Só que isso não correspondia às conclusões derivadas das teorias desenvolvidas para a eletricidade. Albert Einstein resolveu esse paradoxo por meio da Teoria da Relatividade Restrita, em que ele postulava que a velocidade da luz era constante e não poderia ser somada a outras velocidades. Nada poderia ser acelerado acima da velocidade da luz. Outro trabalho de Einstein confirmou a natureza corpuscular da luz, e as partículas que a constituíam foram chamadas de fótons.
E mais importante: ele modificou completamente as teorias sobre a gravitação. Einstein postulou que o Universo que todos conhecemos com três dimensões – em que todos os objetos têm comprimento, largura e altura – é, na verdade, a manifestação concreta de um outro Universo, o real, em que existe uma quarta dimensão: o tempo. Nesse Universo de quatro dimensões, chamado espaço-tempo, toda matéria causa uma deformação, ou uma espécie de curvatura. A força gravitacional seria, de acordo com Einstein, a manifestação de todas as curvaturas geradas pela matéria.
A atração entre os corpos seria uma propriedade geométrica do espaço-tempo: eles como que “escorregariam” um em direção ao outro por causa dessas curvaturas. Quando foi possível medir o desvio de um raio de luz no céu de um eclipse, supostamente causado pela curvatura do espaço-tempo gerada pela massa do Sol, Einstein se tornou uma celebridade mundial. A física de Newton não passava de um caso especial de uma teoria mais abrangente para explicar todas as coisas: a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein.
Universo quântico
Mas o físico alemão não estava satisfeito. Havia uma série de outras contradições que suas teorias eram incapazes de resolver. As partículas minúsculas – como o fóton, a partícula de luz, ou o elétron, a partícula concebida para explicar a eletricidade e o magnetismo – eram dotadas de um comportamento bizarro.
Em 1803, Thomas Young havia demonstrado que, ao deixar luz atravessar duas minúsculas fendas e depois iluminar um filme fotográfico do outro lado, era possível verificar no filme um padrão de interferência entre os dois raios de luz. Para explicar isso, os físicos imaginavam que a luz era feita de ondas, que interferiam umas nas outras, assim como as ondas sonoras. No século 20, porém, foi realizado um outro experimento, em que se deixava apenas um fóton de luz atravessar cada fenda. Para surpresa de todos, ainda foi possível observar o padrão de interferência no filme. Isso significava que cada partícula de luz teria, ela própria, uma natureza ondulatória, capaz de interferir no movimento das outras.
Para explicar a natureza dessas partículas e como elas poderiam se mover e trocar energia, os físicos desenvolveram uma teoria chamada mecânica quântica. Ela tinha duas características peculiares. A primeira era postular que tais partículas seriam formadas por pacotes de energia pura, batizados de quanta. Assim, o fóton deixava de ser uma mera partícula de luz para se tornar o quanta das ondas de luz. A segunda característica diz respeito às equações desenvolvidas sobretudo por Niels Bohr, Werner Heisenberg e Paul Dirac. Por meio delas, a mecânica quântica descrevia o movimento de “ondas-partículas”, como fótons e elétrons, e postulava que era impossível conhecer simultaneamente a posição e a velocidade desses objetos, devido à sua natureza ambivalente. A medição precisa de uma dessas quantidades implicava incerteza na medição da outra, que virava uma gama de probabilidades. Conhecido como princípio da incerteza, essa tese de Heisenberg revoltava físicos como o próprio Einstein.
Seguiu-se um intenso debate entre Einstein e Bohr, talvez o maior da física do século 20. Um debate que teve consequências decisivas sobre a concepção de ciência derivada das ideias de Platão e sobre o possível alcance de uma teoria de tudo. Pela primeira vez desde Platão, havia um ingrediente novo. O mundo das ideias não dava conta de prever tudo, já que certos fenômenos quânticos eram imprevisíveis por natureza.
A simples existência de um observador alterava o resultado do experimento. O conhecimento sobre um dado da natureza poderia modificar a própria natureza. Era isso que Einstein não aceitava. Bohr e seus seguidores acreditavam que o presente só é capaz de nos dar conhecimento sobre diferentes futuros possíveis. Tudo o que podemos fazer é calcular probabilidades. Mais que isso, Bohr ainda afirmava que não é necessariamente verdade que todas as coisas tenham propriedades como velocidade, posição, tamanho ou massa com valores definidos em todos os momentos.
Einstein, com sua célebre frase “não acredito que Deus jogue dados com o Universo”, era contrário às duas posições. Ele tinha uma postura ao mesmo tempo realista (tudo pode ser medido) e determinista (tudo pode ser previsto). Bohr era a um só tempo antideterminista e antirrealista. Para ele, tudo aquilo a que a ciência poderia almejar era o conhecimento das probabilidades de resultados experimentais. Para Einstein, era a compreensão dos segredos por trás do funcionamento da natureza, de por que as coisas eram de um jeito e não de outro. A questão de Bohr era apenas “o quê?”; a de Einstein, “por quê?”. E Einstein perdeu. Ele queria descobrir uma teoria capaz de unificar as forças conhecidas até então, gravitação e eletromagnetismo. Mas morreu sem formular sua tão sonhada teoria do campo unificado. E, à medida que as teorias quânticas começaram a ser verificadas experimentalmente, a concepção determinista de Einstein foi posta em xeque.
A unificação das forças numa espécie de teoria de tudo não deixava, no entanto, de ser um sonho da física. A interação das partículas, descobriram os físicos do século 20, se dava no Universo por meio não de duas, mas de quatro forças: a força nuclear forte (tão forte que é responsável pela energia solar), a força nuclear fraca (responsável pela radioatividade), a força eletromagnética (presente na eletricidade e nos ímãs) e a força gravitacional. Os físicos modernos já conseguiram, no ramo da física conhecido como Teoria Quântica de Campos, integrar as três primeiras forças teoricamente e mostrar que elas são resultado de uma única “superforça”, que decidiram chamar de força eletrofraca.
Com base nas tais probabilidades de Bohr e Heisenberg e na unificação das três forças, os físicos também mapearam toda a fauna de partículas elementares (quarks, neutrinos, bósons), naquilo que ficou conhecido como Modelo Padrão. Todos os elementos previstos pelo modelo, inclusive o famoso bóson de Higgs, já foram verificados experimentalmente nas colisões realizadas dentro de aceleradores de partículas. Além disso, o Modelo Padrão e a teoria quântica de campos são perfeitamente compatíveis com a Teoria da Relatividade Restrita de Einstein, aquela que postula que nada pode ultrapassar a velocidade da luz.
Só falta integrar a isso tudo a força gravitacional, a Teoria da Relatividade Geral e a curvatura do espaço-tempo. Ou faltava. Nas últimas décadas, a Teoria das Cordas tem dado esperança aos físicos de que eles podem, finalmente, estar mais próximos de uma teoria de tudo.
Novas amarras
Os pioneiros da Teoria das Cordas, John Schwarz, Michael Green e Yoichiro Nambu, imaginam que o Universo não seja um espaço-tempo de quatro dimensões, como o imaginado por Einstein. Para eles, vivemos em um mundo de 11 dimensões, em que minúsculas cordas, cujo comprimento é da ordem de um decilionésimo de centímetro (seriam necessárias um decilhão – ou 1 seguido de 33 zeros – de cordas para formar 1 centímetro), vibram nas 11 dimensões para formar todas as partículas do Modelo Padrão e tudo o que conhecemos. Nada muito diferente do que Pitágoras imaginava com sua música das esferas. O que eles conseguiram com isso foi alcançar a integração da força gravitacional à Teoria Quântica de Campos. Como? Além das quatro dimensões do espaço-tempo relativístico de Einstein, haveria outras sete, presentes no princípio do Universo, que teriam sido compactadas a uma escala minúscula. A vibração das cordas nessas sete dimensões seria responsável pela criação das partículas: uma corda vibrando de um jeito criava um fóton (a partícula responsável não só pela luz, como pelo eletromagnetismo). A mesma corda vibrando de outra forma faria nascer um gráviton, a partícula hipotética responsável pela força da gravidade – aquela que a Relatividade Geral explica.
Pronto. Estaria alcançada a teoria do campo unificado sonhada por Einstein – juntando gravidade e eletromagnetismo no mesmo arcabouço teórico (veja mais na p. 49). A questão central é que, muito provavelmente, essa teoria não pode ser provada por meio de experiências nos aceleradores de partículas – mesmo o mastodôntico LHC não é capaz de produzir energia suficiente para detectar algo diminuto como as cordas. O que os físicos tentam, então, é projetar algum tipo de experimento que seja viável com os aceleradores de partículas para detectar pelo menos pistas de que as tais cordas existam.
E, se a Teoria das Cordas é uma legítima reedição dos ideais de Pitágoras e Einstein, numa formulação compatível com o conhecimento experimental do século 21, também não faltam concepções mais ousadas para uma teoria de tudo. A mais criativa foi elaborada pelo americano Max Tegmark. Ele na verdade radicalizou a visão platônica de que as ideias existem independentemente da nossa capacidade de conhecê-las. Para Tegmark, toda e qualquer formulação matemática existe fisicamente. Assim, o teorema de Pitágoras, por exemplo, corresponde a um Universo como o nosso, que existe de fato. Mas um Universo em que triângulos e retângulos brotassem da natureza. O único senão é que esse Universo talvez não tenha nenhum habitante com consciência, capaz de descrever seus fenômenos físicos. Dessa forma, se quisermos entender as leis do Universo, precisamos considerar a interferência de observadores nos fenômenos físicos e entender as próprias leis da vida desses observadores.
“As condições para a vida especificarão as equações que governam nosso Universo e nos dirão por que nenhuma outra lei é válida ou aplicável”, diz Tegmark. Nosso Universo não passaria de uma caixinha dentro de todas as possíveis teorias matemáticas, mas uma caixinha que foi capaz de gerar estruturas autoconscientes (nós). Todas as demais caixinhas também corresponderiam a realidades físicas. Além de as ideias habitarem um mundo independente, como queria Platão, nós não passaríamos de fruto das ideias.
O quanto da nossa capacidade de entender e resumir tudo por meio do cérebro limita as possibilidades da nossa compreensão ou o quanto essa compreensão não passa de um reflexo de nossas próprias estruturas mentais é uma questão sem resposta. Não há uma explicação para o fenômeno da consciência, assim como ainda não há teoria capaz de explicar tudo o que há no Universo. Se os dois sonhos são no fundo um reflexo da mesma ilusão matemática, talvez ninguem saberá dizer.
Para Pitágoras, a “harmonia das esferas” era a origem de tudo. Com base na proporção entre os comprimentos das cordas musicais, Pitágoras descobriu os intervalos entre notas existentes até hoje na música. Ele também buscava nos números a explicação para o funcionamento de todo o Universo.
Platão (427-348 a.C.)
Segundo Platão, a explicação de tudo estava nos cinco sólidos perfeitos. Cubo, tetraedro, octaedro e icosaedro (relacionados a terra, fogo, ar e água), além do dodecaedro (um quinto elemento, a quintessência presente em tudo). Apesar de ser uma teoria fantasiosa, a ciência moderna deve a Platão a noção de que existem explicações independentes das coisas.
Isaac Newton (1643-1727)
Isaac Newton fez uma descrição do Universo que partia de equações matemáticas para explicar como os corpos se moviam. Suas principais teorias foram capazes, pela primeira vez na história da ciência, de explicar a força gravitacional.
Albert Einstein (1879-1955)
No século 19, a experimentação mostrou que havia buracos nas teorias newtonianas. Albert Einstein ampliou-as com as teorias da Relatividade Restrita e Geral, postulando que nada poderia ultrapassar a velocidade da luz. Mas ele não realizou seu sonho: construir uma teoria capaz de explicar todas as forças do universo.
Niels Bohr (1885-1962)
Ao explorar os mistérios do átomo, Niels Bohr entrou em choque com a visão einsteiniana de que a missão da ciência era desvendar o porquê dos fenômenos naturais. Para Bohr, o máximo possível era apenas descrever como as coisas são.